O governo federal editou, no dia 22 de março de 2020, a Medida Provisória 927 para introduzir ações no âmbito das relações de trabalho em meio à pandemia. Essa MP, importantíssima, trouxe diversas novidades para trabalhadores e empresas em meio ao caos gerado pela pandemia, entre elas: teletrabalho, antecipação de férias individuais, concessão de férias coletivas e diferimento do pagamento do FGTS.
Entre as inovações trazidas pela MP 927, está o seu artigo 29: Os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal. A intenção do governo federal, ao introduzir o artigo 29, era manter uma regra que já existe na própria lei previdenciária (8.213/91), que dispõe que doenças endêmicas não são consideradas ocupacionais, salvo se comprovado o nexo de causalidade. Endemia significa uma enfermidade que atinge uma região e tem causas exclusivamente locais. Assim, se em relação às doenças endêmicas já existe esse tipo de previsão, não poderia ser diferente com uma doença pandêmica, como o caso do novo coronavírus. Logo, pela disposição contida no artigo 29 da MP 927, o governo federal quis determinar a mesma regra já prevista na lei previdenciária, criando uma espécie de presunção que poderá ser elidida acaso comprovado o nexo causal.
Nexo causal é o vínculo que relaciona o ato ou fato à consequência provocada por ele, tendo ótima conceituação no artigo 186 do Código Civil: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Ou seja, para que o ato seja passível de indenização, é preciso que esteja relacionado a uma consequência danosa.
O STF, porém, suspendeu o artigo 29 da MP 927. Com essa suspensão, criou-se uma grande polêmica em torno da Covid-19 ser ou não uma doença ocupacional, com destaque para três linhas de pensamentos: (a) alguns entendem, como está na página do Senado Federal, que a suspensão do artigo 29 representou que todos os profissionais contagiados pela Covid-19 serão tidos como doentes ocupacionais, ou seja, uma enfermidade relacionada ao exercício do trabalho; (b) já outros acham que não é bem assim, podendo ser dada, ao empregador, a oportunidade de demonstrar, mesmo que na Justiça, que não houve nexo causal, isto é, a contração do novo coronavírus pelo seu empregado não teve nenhuma relação com o trabalho naquela empresa, bem como que a empresa adotou todas as medidas sanitárias preventivas para aquilo não ocorresse; (c) há uma terceira linha de pensamento, à qual nos filiamos, no sentido de que deve prevalecer a regra já existente na lei previdenciária para as endemias, uma vez que a pandemia nada mais é do que uma endemia em nível mundial, e isso resulta no fato de que, para se caracterizar como doença ocupacional, o contágio pelo novo coronavírus deverá ser objeto de avaliação médica-laboral para demonstrar se, realmente, aquela contaminação se deu no local de trabalho ou em função dele e se a empresa concorreu para que a doença acometesse aquele empregado.
Os efeitos jurídicos de ser ou não considerada uma doença ocupacional são muito relevantes. Em caso positivo e tendo ocorrido um afastamento superior a 15 dias (o que fatalmente acontece), o empregado passará a gozar da estabilidade prevista em lei, de garantia no emprego pelo prazo de 12 meses após a alta previdenciária. Além disso, o empregado também poderá responsabilizar a empresa civilmente e requerer danos materiais e morais. Há ainda danos tributários e previdenciários para a empresa, com a majoração do FAB (Fator Previdenciário), alíquota que serve de base de cálculo do risco ambiental do trabalho, contribuição incidente sobre as remunerações pagas pelas empresas aos seus empregados.