Infelizmente não cessam os casos de “ativismo judicial”. Por ativismo judicial, entenda-se o ato de um juiz ao inovar naquilo que não existe na lei. Ao juiz cabe a aplicação da lei diante dos fatos concretos que são submetidos à sua apreciação. Preocupante, contudo, quando um juiz entende que uma lacuna da lei pode ser preenchida por decisão judicial. A inovação resultante do ativismo judicial é um desvirtuamento da atividade judicante.

Um dos mais recentes modismos nesse viés é a determinação de “perícia prévia” na recuperação judicial.

Segundo o artigo 52 da Lei nº 11.101/2005 (Lei de Falências e Recuperação Judicial), estando correta a documentação apresentada pelo autor da recuperação judicial, conforme exigência do artigo 51 da Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial. Por processamento da recuperação judicial, leia-se a possibilidade do devedor abrir uma negociação com os seus credores. Não foi dado ao juiz, nesse momento inicial, o poder de verificar o estado em que se encontra a empresa. A decisão relativa a isso será dos credores, no momento oportuno.

Entretanto, essa intromissão processual tem sido mais do que habitual. O juiz que recebe a petição de recuperação judicial, em vez de simplesmente conferir se os documentos estão em termos e, em caso positivo, deferir o processamento da recuperação judicial, como determina a lei, passou a inovar determinando a realização de uma “perícia prévia” para checar o estado da empresa. O administrador judicial está ficando com o encargo da perícia prévia. Isto significa que a letra da lei aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República, está se tornando parcialmente morta pelo ativismo judicial.

Muitos administradores judiciais, que deveriam estar dedicados integralmente às atividades que lhe são atribuídas por lei, como a verificação dos créditos e a fiscalização das atividades do devedor, desviam-se de suas funções para oferecer seus serviços a diferentes juízos, destacando que o seu diferencial é a realização de perícia prévia. Deixam de fazer o que lhes cabe para fazerem o que não lhes compete. (Paulo Furtado de Oliveira Filho)

Na prática, o administrador judicial tem sido nomeado para realizar seu trabalho em 5 ou 10 dias. Difícil a tarefa de apurar com segurança, em tempo tão escasso, fraudes por parte do devedor que vem a juízo pleitear a recuperação judicial. Se o objetivo é impedir pedidos fraudulentos, é preciso realizar trabalho aprofundado e que toma tempo, sob pena do trabalho técnico ser inócuo ou meramente formal.

Para alguns devedores, ainda, o custo da perícia prévia não pode ser desconsiderado, constituindo muitas vezes mais um entrave ao custoso processo de recuperação judicial. A maioria dos devedores, contudo, parece estar se conformando com a determinação da perícia prévia, evitando a interposição de recursos, para que a tão esperada decisão de deferimento do processamento ocorra o quanto antes.

Além disso, como o juiz competente é o do principal estabelecimento do devedor, ele reúne condições de deferir ou não o processamento da recuperação judicial. Em uma pequena comarca, o movimento forense revela ao magistrado a situação de crise de determinado empresário, sendo desnecessária uma constatação preliminar.

Afirmar-se que a perícia prévia permite identificar com segurança que o requerente da recuperação judicial é inviável, na verdade, foge ao espírito da legislação em vigor. Se é inviável ou não, isso quem vai decidir é o grupo de credores. Ao juiz da recuperação judicial é defeso ingerir na livre negociação que deve haver entre devedor e credores. A lei já fala como deve ser essa negociação, e ela não inclui o juiz como tendo poder para dizer se a empresa é ou não recuperável.

A perícia prévia não constitui mais uma fase do processo de recuperação judicial, e sua utilização, apesar de dotada de ares de benefícios aos envolvidos e à sociedade em geral, deve ser rigorosamente combatida pelos motivos aqui já expostos.

Antes da atual legislação, existia a concordata preventiva. Pela lei anterior, o parâmetro de pagamento das dívidas já era pré-estabelecido. O juiz podia muito mais. Era uma legislação conservadora. Mas em 2005 a alteração da lei trouxe determinações modernas, que remetem os interessados à livre negociação. Podemos considerar a lei atual como uma desestatização dos processos de negociação de dívidas. Eis que surgem, de repente, movimentos querendo reestatizar o que já não estava mais nas mãos do poder público. É um retrocesso.

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