Durante muitas décadas a forma de negociação das dívidas de uma empresa era estabelecida pela lei. Existia a chamada concordata preventiva, instituída pelo Decreto-Lei 7.661, de 1945. A própria legislação determinava os parâmetros de pagamento dos débitos, à vista ou a prazo. “Os credores, na extinta concordata preventiva, eram compelidos a assistir inermes à tramitação longa e monótona do processo e a contabilizar seus créditos na ´conta de créditos de duvidosa liquidação´, ou, o que era corriqueiro, a vendê-los, por quantias irrisórias, a ´testas de ferro´ do próprio devedor, porquanto a revogada Lei de Falências e Concordatas não lhes dava instrumentos para obrigar o inadimplente a honrar os compromissos contraídos.” (Jorge Lobo)

Em 2005, contudo, veio a Lei 11.101. Conhecida como Lei de Falências e Recuperação de Empresas, a nova norma mudou o conceito e a parametrização dada à negociação entre devedor e credores. Se antes prevalecia a inflexibilidade normativa, a atual legislação inovou – e muito bem, a meu ver! – ao lançar, sobre as partes interessadas [devedor e credores], a possibilidade de uma ampla negociação visando, acima de tudo, viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Houve uma inversão na sistemática negocial. A prioridade deixou de ser o pagamento das dívidas e passou a ser a manutenção da fonte produtora. Uma saída inteligente, sem dúvidas, uma vez que, mantido o negócio, naturalmente os credores receberão aquilo que lhes é devido, mesmo que com algum deságio e em prazos mais longos. A falência pode ser evitada. Falência não interessa a ninguém.

Importante destacar que, nesse ambiente de livre negociação, aos credores foi dado um poder acima da lei e do juiz, neste particular. Como assim? Não é a lei nem o juiz que dizem como devem se comportar devedor e credores na negociação. Os interessados são livres para conversar e deliberar. Com uma ressalva: o juiz pode, sempre, intervir em questões pontuais para coibir ilegalidades, especialmente formais, e evitar que o devedor, normalmente em posição mais frágil, sofra abusos por parte de credores; o juiz pode alongar prazos de apresentação do plano, determinar reuniões e apreciações, enfim, usar o seu poder para tentar preservar o negócio.

O poder dos credores está previsto na Lei 11.101/2005, em seu artigo 35: A assembleia geral de credores terá por atribuições deliberar sobre: I – na recuperação judicial: a) aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor. Está nas mãos dos credores, portanto, o poder de dar vida ou morte ao negócio, à empresa em recuperação. Poucos dias atrás [08 de maio de 2017] o Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, através de sua Quarta Câmara Cível, sob a relatoria do Desembargador Manoel Alves Rabelo, tomou uma decisão que ilustra bem o poder dos credores na recuperação judicial: 1 – À assembleia de credores compete decidir a respeito da aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial, tratando-se de típico ato negocial e extrajudicial. 2 – A decisão da assembleia representa o veredito final dos credores a respeito do plano apresentado, cabendo ao Judiciário apenas promover o controle de legalidade dos atos do plano, sem adentrar a análise de sua viabilidade econômica e sem que isso signifique restrição à soberania da assembleia. 3 – Ao Poder Judiciário compete velar pela validade das manifestações expendidas e preservar os efeitos legais das normas cogentes, ao passo que a viabilidade econômica do plano deve ser objeto de análise pela assembleia de credores, tal como ocorreu na hipótese, não sendo possível verificar, de plano, qualquer ilegalidade ou afronta à boa-fé.

Mais uma vez cito Jorge Lobo: “A Lei de Falências e Recuperação de Empresas mudou radicalmente a situação dos credores na recuperação judicial do devedor, eis que é certo, absolutamente indiscutível, que hoje os credores são os protagonistas do novel instituto e a assembleia geral de credores o órgão soberano e supremo do processo de reerguimento da empresa insolvente, como demonstrei no livro Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falências”.

O caminho, portanto, é negociar. Saber negociar. A empresa devedora, na pessoa de seus representantes, terá o encargo de conseguir extrair as condições mínimas necessárias à sobrevida do negócio. Sem desprezar os justos interesses do credores, claro. O devedor tem inicialmente um prazo de 60 dias para apresentar um plano de recuperação. Aconselhável que esse plano já seja objeto de uma prévia negociação ao menos com os principais credores. Em seguida vem o interstício até a assembleia, período em que, da mesma forma, deverá ser exercida a arte negocial. Para obter a aprovação de seu plano, o devedor precisará demonstrar aos credores que existe viabilidade na continuidade do negócio, e que o fluxo de pagamento será efetivamente cumprido.

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