A questão do endividamento pessoal sempre foi uma preocupação dos legisladores e juristas nacionais, que vem ganhando mais destaque pelo aumento do número de pessoas nesta condição, especialmente em consequência da pandemia, que gerou grave crise econômica, perdas de inúmeros postos de trabalho e meios de subsistência.

Paralelamente, ocorre o aumento ainda mais expressivo do volume dessas dívidas pessoais, que têm gerado o chamado superendividamento, aquele que impede o indivíduo de arcar com o mínimo necessário para sua subsistência, vez que seus ganhos (ou a falta deles) estão integralmente, ou quase totalmente, comprometidos com o pagamento de dívidas.

O número de brasileiros com dívidas voltou a subir no final do ano passado, conforme a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). A Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) de dezembro apontou que 66,3% dos consumidores estão endividados, o que denota uma alta expressiva.[1]

Há projeto de lei em tramitação para que o Código do Consumidor seja alterado, prevendo regras claras para evitar o superendividamento, mas enquanto não se definem expressamente essas regras os tribunais pátrios têm se deparado com inúmeros processos que pretendem a limitação de descontos de contratos de empréstimos pessoais, readequação de contrato, de modo e tempo de execução, redução de juros, enfim, toda sorte de demandas para proteção do consumidor superendividado.

Em recente julgado, que apreciava pedido de limitação de descontos, o STJ acolheu o pleito, e ao apreciar a questão destacou que a facilidade de acesso ao crédito tem criado, em todo o mundo, cada vez mais superendividamento pessoal, sendo que a legislação francesa já se adequou a esta realidade. No direito brasileiro está em trâmite o projeto de lei que limita a concessão de crédito a 30% da remuneração mensal líquida, invocando ainda o vigente Código Civil Brasileiro que prevê no art. 421, que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.

Na decisão ponderou-se que se o desconto para pagamento do empréstimo consumir parte “excessiva” dos vencimentos do consumidor, colocará em risco a sua subsistência e de sua família, ferindo, por consequência, o princípio da dignidade da pessoa humana.

Portanto, apesar da autonomia privada que regula as relações contratuais, as regras contratuais são mitigadas para preservar o mínimo suficiente à sobrevivência do indivíduo. Importante pontuar que há casos específicos em que o endividamento tolerável pode chegar a 70% dos proventos (AREsp /STJ 1.386.648).

Registre-se que um grupo se destaca entre os superendividados: os idosos. Sobre tal grupo destaca-se a análise feita em dois recursos apresentados por ações ajuizadas pelo Ministério Público, sendo que o STJ posicionou-se no sentido de que este grupo não deve ser tratado como “sem discernimento” ou “tolo”, vez que cada caso deve ser analisado individualmente.

No Resp 1.783.731 o STJ decidiu pela validade do limite etário para a contratação de empréstimo consignado, posto que justificado pelo princípio da razoabilidade e igualdade. Note-se que a instituição financeira recorrente frisou que o objetivo dessa cautela na contratação (limitada em 80 anos) era para evitar o superendividamento dos consumidores idosos, citando estudos que apontavam a fragilidade de alguns idosos diante de pressões familiares para a obtenção de empréstimos.

Portanto, enquanto a legislação não se adequa para evitar o superendividamento, traçando regramentos claros, cumpre recorrer ao Poder Judiciário para garantir condições dignas de subsistência.

[1] agenciabrasil.ebc.com.br

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