O Código Penal, de 1940, traz em seu rol de crimes o de desacato. Desacato significa provocar ou faltar com o respeito a funcionário público no exercício das suas funções.

No ano de 2017, a Ordem dos Advogados do Brasil ingressou com uma medida perante o Supremo Tribunal Federal, no sentido de obter decisão que dissesse que o artigo do Código Penal sobre o crime de desacato se tornou inconstitucional.

Segundo a OAB, o artigo 331 do Código Penal de 1940, que prevê o crime de desacato, é inconstitucional diante do princípio da liberdade de expressão, assegurado pela Constituição Federal. Poucos dias atrás o STF julgou essa ação e manteve o crime de desacato no Código Penal. Acrescentou a OAB existir manifestação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, no sentido de que todas as normas nacionais que tipifiquem crimes de desacato seriam incompatíveis com o art. 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica, pois “a aplicação de leis de desacato para proteger a honra dos funcionários públicos que atuam em caráter oficial outorga-lhes injustificadamente um direito a proteção especial, do qual não dispõem os demais integrantes da sociedade”.

A decisão do SFT, que manteve o artigo 331 do Código Penal diz que não apenas não foi proferida nenhuma decisão pela Corte Interamericana de Direitos Humanos a respeito do art. 331 do Código Penal brasileiro, como nenhum dos referidos precedentes tem aplicação direta em relação ao Brasil. De qualquer forma, a Corte Interamericana de Direitos Humanos tem destacado que a liberdade de expressão não é um direito absoluto e que, em casos de grave abuso, faz-se legítima a utilização do direito penal para a proteção da honra.

Ao praticar determinadas condutas idênticas às perpetradas pelos particulares, os funcionários públicos são punidos de modo mais rigoroso. Em contrapartida, os agentes públicos possuem prerrogativas próprias, que são instrumentais em relação aos seus deveres. O STF, no julgamento, afirmou que, também no campo penal, é razoável que se prevejam tipos penais protetivos da atuação dos agentes públicos. É nesse contexto que se justifica a criminalização do desacato. Não se trata de conferir um tratamento privilegiado ao funcionário público. Trata-se, isso sim, de proteger a função pública exercida pelo funcionário, por meio da garantia, reforçada pela ameaça de pena, de que ele não será menosprezado ou humilhado enquanto se desincumbe dos deveres ao seu cargo ou função públicos.

Os agentes públicos em geral estão mais expostos ao escrutínio e à crítica dos cidadãos, devendo demonstrar maior tolerância à reprovação e à insatisfação, sobretudo em situações em que se verifica uma tensão entre o agente público e o particular. Devem ser relevados, portanto, eventuais excessos na expressão da discordância, indignação ou revolta com a qualidade do serviço prestado ou com a atuação do funcionário público.

Não basta, ademais, que o funcionário se veja ofendido em sua honra. Não há crime se a ofensa não tiver relação com o exercício da função. É preciso um menosprezo da própria função pública exercida pelo agente. E, mais, é necessário que o ato perturbe ou obstrua a execução das funções do funcionário público.

Em suma, o tipo penal deve ser limitado a casos graves e evidentes de menosprezo à função pública, como a prolação de ofensa grosseira e exagerada ao agente de trânsito que, no cumprimento de seu dever, procura realizar testes de alcoolemia; o rasgamento de mandado judicial entregue pelo oficial de justiça; o desferimento de tapa em funcionário público que procura cumprir seu dever etc.

Portanto, rasgar multa na frente do guarda que a aplicou é desacato.