A curatela é um mecanismo de proteção para aqueles maiores de idade, que não possuem capacidade de reger os atos da própria vida. Segundo Nelson Rosenvald, grande jurista brasileiro, ela é o “encargo imposto a uma pessoa natural para cuidar e proteger uma pessoa maior de idade que não pode se auto determinar patrimonialmente por conta de uma incapacidade”.
Quando uma pessoa, maior de 18 anos, possui alguma deficiência ou condição que a impeça de exprimir sua vontade, seja de forma permanente ou transitória, outra pessoa deve ser nomeada para administrar seu patrimônio, direitos e interesses. Essa primeira pessoa é o “curatelado”, e a pessoa que representa o curatelado, administrando seu patrimônio, direitos e interesses, chama-se “curador”. O curador é quem representará o curatelado em todos os negócios jurídicos que ele precisar praticar, como venda ou compra de um imóvel, compra de um veículo, entre outras situações. Para conseguir a curatela, é necessário o ajuizamento de uma ação judicial.
Casos muito comuns de curatela são os de pessoas com Alzheimer em estágio avançado, por exemplo, e que já não possuem discernimento suficiente para a prática de atos da vida civil (negociar, vender, comprar, administrar valores altos, dentre outros). Outras hipóteses, bastante frequentes, são a de déficit intelectual grave ou de outros transtornos mentais que impossibilitem a capacidade civil plena da pessoa. Faz-se importante salientar, no entanto, que o fato da pessoa possuir uma deficiência, por si só, não significa que ela necessariamente seja incapaz, sendo necessária a comprovação da ausência de condições de manifestação de vontade, de forma permanente ou transitória.
Isso significa que a curatela é exceção e não uma regra para pessoas com deficiência. Isso está previsto no Artigo 6º do Estatuto da Pessoa com Deficiência, o qual prevê expressamente que a deficiência, seja intelectual ou física, não é sinônimo de incapacidade. A pessoa só será declarada incapaz caso seja verificado, através um laudo médico, que ela não consegue exprimir sua vontade.
Genericamente, a curatela está situada no Livro de Direito de Família com regras específicas contidas entre o Art. 1.767 e 1.783 do Código Civil, sendo aplicadas de forma subsidiária as regras gerais do instituto da Tutela (art. 1.728 a art. 1.766 do Código Civil), em decorrência da previsão contida no Art. 1.774 do mesmo diploma legal. Mas é importante que se faça uma leitura atenta desses dispositivos sempre à luz da Lei nº 13.146/2015 (LBI), a qual alterou profundamente as repercussões jurídicas acerca das capacidades das pessoas com deficiência, sobretudo no caso da deficiência mental e intelectual.
O Art. 1767 do Código Civil, atualizado pela Lei nº 13.146 de 2015, a qual institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), prevê quatro seguintes hipóteses de interdição. A primeira delas refere-se àqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade. Nesse momento, o artigo tem o objetivo de retirar o estigma de que pessoas portadoras de determinadas síndromes, tal como a Síndrome de Down, sejam automaticamente inseridas no rol de incapazes. Portanto, cada situação será analisada considerando suas particularidades. A curatela poderá ser definida, considerando as condições ou estados psicológicos, que podem reduzir a capacidade de discernimento acerca da vida e do cotidiano de cada indivíduo.
Ainda, por causa transitória, por exemplo, podem ser considerados aqueles que se encontram internados em UTI, mesmo que temporariamente, mas que não possuem condições de manifestar a vontade na situação em que se encontram. Isto que muito tem acontecido nos dias de hoje, com o enfrentamento da pandemia da Covid-19 no Brasil. A causa da incapacidade, nesses casos, dependerá de comprovação médica.
A segunda hipótese trata-se dos ébrios habituais e toxicômanos, ou seja, diz respeito àqueles que estão na dependência física e psíquica de bebida alcoólica ou outra substância química, que não consigam controlar o impulso de ingeri-las, de modo a manterem-se na maior parte do tempo sob seus efeitos. Dependendo do contexto da dependência do sujeito que ingere, ou aplica, ou aspira substâncias tóxicas de maneira contumaz, pode-se chegar a um estado mental patológico.
Consequentemente, dados os elementos químicos e tóxicos que compõem as drogas, a mente é seriamente afetada, não apenas pela redução do entendimento, mas acima de tudo devido o dependente não mais se autocontrolar ou governar-se.
A terceira hipótese aborda a questão dos pródigos, os quais dilapidam seu patrimônio de modo a prejudicar seu próprio sustento. É um desvio comportamental e se exige a presença de uma psicologia para sua averiguação, não bastando o mero volume de gastos para sua verificação. Nesse caso, pode ser que a interdição seja parcial, ou seja, somente para realizar negócios que envolvam o patrimônio da pessoa. Ressalta-se que este rol é taxativo, o que significa que somente poderá ser concedida a curatela se a situação se amoldar a uma das hipóteses previstas em lei, não sendo possível requisitá-la em qualquer outra circunstância.
Finalizando, a quarta hipótese aborda sobre a curatela do nascituro. O Código Civil Brasileiro, em seu Art. 1.779, também apresenta a possibilidade da curatela do nascituro como mecanismo de proteção jurídica para algumas situações especiais. Vejamos: “Art. 1.779. Dar-se-á curador ao nascituro, se o pai falecer estando grávida a mulher, e não tendo o poder familiar.
Parágrafo único. Se a mulher estiver interdita, seu curador será o do nascituro.”
Nessa situação, vem à tona a hipótese de uma grávida menor de idade ou enquadrada em qualquer uma das hipóteses de incapacidade que impõe curatela. Diante da morte do pai, tecnicamente não haveria poder familiar dessa mulher sobre o nascituro, estando assim configurada a hipótese de curatela para o caso. Mas atenção, nesta hipótese, a curatela durará apenas até o nascimento da criança, pois, a partir daí, se não houver quem exerça o poder familiar sobre o agora menor, devem ser aplicadas as regras da tutela e não da curatela.
Pablo Stolze registra a crítica no sentido de ser limitada a redação do Art. 1.779 do CC, pois há outras situações fáticas em que se deve determinar a curatela ao nascituro, mesmo não provado o falecimento do genitor, a exemplo do abandono e a própria incapacidade civil do pai.
Ademais, cabe ressaltar que a curatela é estabelecida por meio de um processo de interdição. É exigido que se comprove, dentro do processo, a causa geradora da incapacidade. Como é uma medida drástica que atinge determinados direitos, a curatela não pode ser aplicada sem a devida análise do caso, e deve ter sempre com base na proteção do indivíduo interditado. Além disso, somente se justifica em razão das necessidades dele.
Na sentença, o juiz estabelecerá o grau da incapacidade, uma vez que nem sempre ela será absoluta. Assim, a interdição incidirá somente em determinados atos e situações. O ideal é que o juiz observe o alcance do comprometimento mental do interditando, procurando assegurar que ele mesmo, pessoalmente, possa continuar, se possível, exercendo seus interesses existenciais.
No mais, será nomeado um curador, que exercerá a curatela. Esse curador será, preferencialmente, o cônjuge ou companheiro do interditando, bem como um dos parentes mais próximos (ascendente, descendente ou colateral). Caberá ao juiz verificar quem possui melhores condições de exercer o encargo e quem possui uma relação de afeto e afinidade com o incapaz (ou relativamente incapaz).
O curador terá a obrigação de administrar os bens do curatelado e de prestar contas a cada dois anos (ou a critério do juiz) por meio de um relatório contábil com os comprovantes das despesas. Verificada qualquer irregularidade, ele poderá ser destituído do encargo, providenciando-se a sua substituição.
Por fim, é importante ressaltar que o exercício da curatela, embora não seja comum, pode ser remunerado com base no Art. 1.752 c/c Art. 1.774, ambos do Código Civil, o que acontece quando requerido ao juiz e este entende ser pertinente o pleito, geralmente com base na capacidade financeira do curatelado e no grau de dedicação que o curador terá que imprimir no referido mister, sendo que, a teor do Art. 752, parágrafo 1º do CPC, o Ministério Público deverá intervir como o fiscal da ordem jurídica.
Rodrigo Carlos de Souza, sócio e fundador de Carlos de Souza Advogados, Secretário Geral Adjunto e Corregedor Geral da OAB/ES, Vice-Presidente da Comissão Nacional de Compliance Eleitoral e Partidário da OAB e Diretor do CESA – Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Seccional Espírito Santo).
Letícia Stein Carlos de Souza, Acadêmica do 3º. Período da Faculdade de Direito de Vitória e Estagiária de Direito.