Em decisão proferida no último dia 31 de março, na ADPF 828[1] (arguição de descumprimento de preceito fundamental) com vistas à proteção do direito constitucional à moradia e à saúde de pessoas vulneráveis, especificamente no contexto da pandemia da Covid-19, o Ministro Luiz Barroso determinou, mais uma vez, o prolongamento dos efeitos da Lei nº 14.216/2021, sendo que desta vez impôs sua prorrogação até 30 de junho de 2022.
O Ministro manteve a extensão da suspensão temporária de desocupações e despejos para as áreas rurais, de acordo com os critérios previstos na Lei nº 14.216/2021, até o prazo de 30 de junho de 2022; formulou “apelo” ao legislador, a fim de que delibere sobre meios que possam minimizar os impactos habitacionais e humanitários eventualmente decorrentes de reintegrações de posse após esgotado o prazo de prorrogação concedido; e, por derradeiro, concedeu parcialmente a medida cautelar, a fim de que os direitos assegurados em tal norma, para as áreas urbanas e rurais, sigam vigentes até 30 de junho de 2022.
Rememora-se que, dentre outras determinações, a lei sob trato suspendeu até 31 de dezembro de 2021 o cumprimento de medida judicial, extrajudicial ou administrativa que resulte em desocupação ou remoção forçada coletiva em imóvel privado ou público, exclusivamente urbano, e a concessão de liminar em ação de despejo de que trata a Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991 (conhecida como Lei do Inquilinato).
Observa-se, adicionalmente, que a aplicação está adstrita aos contratos cujo valor mensal do aluguel não seja superior a R$ 600,00 (seiscentos reais), em caso de locação de imóvel residencial, e R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais), em caso de locação de imóvel não residencial.
A decisão do relator da ADPF em questão, que foi remetida ao plenário virtual, possui inegável impacto nas relações entre inquilinos/locatários e locadores, de modo que é discutível a necessidade de mais uma prorrogação, neste momento em que os desdobramentos e impactos econômicos decorrentes exclusivamente da pandemia parecem arrefecer, muito embora o Ministro tenha ponderado que a “pandemia da Covid-19 ainda não acabou e as populações vulneráveis se encontram em situação de risco particular”, o que é inegável e se observa pelo crescimento da população em situação de rua e da insegurança alimentar no país.
Inobstante este triste cenário, existe a figura do locador, que também se coloca em posição de vulnerabilidade, eis que em muitas vezes tem no imóvel locado única ou principal fonte de sua renda. Neste contexto, a boa-fé, que é um princípio geral que rege o direito contratual, determina que as partes envolvidas utilizem o diálogo franco visando manter o equilíbrio econômico-financeiro dos locatícios contratados e evitando-se que apenas uma parte suporte o ônus integral dos efeitos e impactos econômicos gerados pela pandemia.
A negociação e a cooperação, no lugar de discussões judicias intermináveis e custosas, tende a ser o melhor caminho a seguir. Vale lembrar que a possibilidade do despejo pode estar suspensa, mas cedo ou tarde – considerando as sucessivas prorrogações de suspensão de tal penalidade – “a conta vai chegar” para o inquilino, sendo louvável, sobretudo, que prevaleça a boa-fé e o entendimento mútuo entre as partes.
Sugere-se, assim, que sejam abertos canais de diálogo entre locador e locatário, por meio de notificações formais de repactuação através de e-mails ou ainda mensagens de notificação via Whatsapp, que devem permanecer sob guarda/gravação, a fim de dar força probatória a estes e conceder-lhes validade em eventuais litígios.
https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/despacho1290490/false
Chrisciana Oliveira Mello, sócia de Carlos de Souza Advogados, aluna especial do curso de mestrado em Processo Civil da Universidade Federal do Espírito Santo.
Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/04/04/a-nova-prorrogacao-da-suspensao-dos-despejos-e-os-impactos-nas-relacoes-locaticias/