Em agosto do ano de 2006 foi sancionada a Lei nº 11.340, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha. O objetivo da criação de tal norma foi a tentativa de coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, bem como a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.

De forma histórica, existem diversas formas de violência contra a mulher, as quais podem ser encontradas e definidas no artigo 7º da referida Lei, quais sejam: violência física, que se resume em qualquer prática que ofenda a sua integridade física ou saúde; violência psicológica, que são práticas que causem dados emocionais; violência sexual, consistente em formas de constrangimento a presenciar, manter ou a participar de relação sexual de forma não desejada; violência patrimonial, que se resume em atos que impeçam o uso de seus bens, direitos e recursos financeiros, bens ou documentos pessoais ou de trabalho; violência moral, que abrange calúnia, difamação ou injúria.

Ainda de forma acessória, se faz necessário demonstrar, para entendimento do assunto central do presente artigo, mesmo que bem resumidamente, a existência e o respectivo conceito de diferentes ações penais, sendo elas: ação penal pública incondicionada, quando o Ministério Público, ao tomar conhecimento do acontecimento de um crime, deve denuncia-lo; ação penal pública condicionada à representação, ocasião em que o Ministério Público somente poderá denunciar caso a vítima ou seu representante legal demonstre seu interesse; ação penal privada, cabível se a própria vítima do crime deve iniciar o processo, através da queixa-crime. Salienta-se que nem todos os crimes que envolvem violência doméstica e familiar contra a mulher são de ação penal pública incondicionada, ao contrário ao que muitos acreditam.

Passados os assuntos acessórios, chega-se ao ponto alvo do presente artigo, qual seja, se é possível que a queixa-crime ou denúncia podem ser retiradas pela vítima em caso de desistência. Em outras palavras, se é possível que haja a desistência pela vítima do processo de violência doméstica (Maria da Penha), na hipótese de a mulher se arrepender de ter exposto o fato ocorrido.

Por mais estranho que seja, o fato é que é comum uma mulher ser vítima de violência doméstica, denunciar e, mais adiante, “se arrepender da denúncia” por não querer ver o pai de um filho ou o marido / companheiro ser processado e preso.

Voltando à pergunta: é possível a mulher desistir da denúncia? A resposta para tal questionamento é que depende, mas de quê? Depende de qual é o crime, ou seja, qual procedimento cabível e enquadrado pelo tipo penal, bem como quando deseja se retratar.

O que determina isso é o artigo 16 da Lei Maria da Penha, que preceitua que só será admitida a renúncia ao processo, ou seja, a desistência de seguir com o processo se a ação for penal pública condicionada à representação. Ademais, outro requisito para que haja a renúncia é a ocorrência de uma audiência para tanto, antes do recebimento da denúncia e ouvido o representante do Ministério Público.

Como exemplo de crimes que possibilitam a desistência posterior por parte da vítima, ou seja, crimes que permitem a renúncia do processo por parte da vítima: crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria) e ameaça. Em contrapartida, todos os crimes de lesão corporal, mesmo que leve, dentro do âmbito de violência doméstica, serão considerados ação pública incondicionada, ou seja, haverá o processamento do acusado mesmo se a vítima não desejar, conforme pacificada jurisprudência nacional.

Samuel Lourenço Kao Yien, associado de Carlos de Souza Advogados, atua na área de Direito Criminal.

Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/04/06/desistencia-da-mulher-no-processo-de-violencia-domestica/