A lavagem de dinheiro, em tese, pode ser interpretada se ficar caracterizada a pirâmide financeira. Alguém é processado porque, através de uma empresa que aparentava ser legítima, ficou demonstrado que na verdade se tratava de uma pirâmide financeira. Sendo pirâmide financeira, todo o dinheiro movimentado seria ilícito e, portanto, sua movimentação, sujeita ao crime de lavagem de dinheiro.

Entendo que isso não pode ser generalizado. Cada caso deve ser tratado de forma isolada. O que temos visto são delegados e membros do Ministério Público que, ao acusar alguém de prática de pirâmide financeira, já incluem automaticamente o crime de lavagem de dinheiro.

Pirâmide financeira é algo reprovável e nocivo, devendo ser combatido. Contudo, ser ou se tornar uma pirâmide financeira não implica, necessariamente, crime de lavagem de dinheiro. Mesmo que se caracterize a prática de pirâmide financeira, não há como de pronto falar que houve lavagem de dinheiro, prática que pressupõe uma clara infração penal, um crime explícito, que não pode se confundir com a quebra do negócio ou algum outro tipo de crime.

Vejamos o que diz a Lei no 9.613, de 1998, ao tipificar o crime de lavagem de dinheiro: Art. 1º – Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. Pena – reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa.

A lavagem de dinheiro, também chamada lavagem de capital ou branqueamento de capitais, pode ser explicada vulgarmente (e de modo reducionista) como o processo de mutação do dinheiro sujo (produto criminoso) em dinheiro limpo (aparentemente regular). Trata-se, em verdade, da manobra delitiva de introdução no sistema econômico e financeiro oficial dos produtos auferidos com práticas criminosas (anteriores). É inegável, portanto, que o delito de lavagem de dinheiro possui natureza acessória, derivada ou dependente, mediante relação de conexão instrumental e típica com ilícito penal anteriormente cometido (do qual decorreu a obtenção de vantagem financeira, em sentido amplo, ilegal). Com o advento da Lei n. 12.683, de 2012, não há mais restrição quanto ao rol (antes taxativo) de crimes precedentes e necessários à discussão sobre a lavagem de capital. Em verdade, não há sequer rol de crimes antecedentes. A nova legislação sobre o tema alargou por completo o âmbito de reconhecimento da lavagem, que poderá ocorrer (em tese) diante de qualquer infração penal.

Volto agora ao ponto inicial deste tópico: o crime de lavagem de dinheiro exige ocultação ou dissimulação de bens. Ou seja, ao contrário do que autoridades mal informadas podem tentar impor, não basta apenas a infração penal. Não é suficiente a empresa ser caracterizada como uma pirâmide financeira. É preciso haver a ocultação ou dissimulação de valores ou bens diversos que tenham advindo da operação supostamente criminosa. Ocultação: ação ou efeito de ocultar; ação ou resultado de encobrir ou esconder. Dissimulação: atitude daquele que dissimula, finge, disfarça suas reais intenções ou propósitos.

Tendo a empresa contrato social, CNPJ, sede e conta bancária e operando à luz do dia, inclusive com eventos e publicidade, onde está a ocultação? Todo negócio tem riscos, e os empreendedores podem responder pelos prejuízos até com o patrimônio pessoal, conforme o caso. Mas atribuir deliberadamente os infortúnios empresariais de uma pirâmide financeira ao crime de lavagem de dinheiro está longe de ser uma atitude justa e legal.

Sérgio Carlos de Souza, fundador e sócio de Carlos de Souza Advogados, autor dos livros “101 Respostas Sobre Direito Ambiental” e “Guia Jurídico de Marketing Multinível”, especializado em Direito Empresarial, Recuperação de Empresas e Ambiental.

Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/07/19/lavagem-de-dinheiro-nas-piramides-financeiras/

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