Na semana passada, mais uma vez instado a se manifestar em um caso concreto de união estabelecida de modo paralelo ao casamento, o Superior Tribunal de Justiça consagrou a monogamia como elemento essencial desse instituto jurídico.
Em recentíssimo enfretamento do sensível tema pela Terceira Turma do STJ decidiu-se por não reconhecer a união estável simultânea ao casamento, assim como a pretendida partilha de bens em três partes iguais, denominada “triação”, ainda que a união tenha se iniciado antes do matrimônio e tenha se estendido após este evento.
Tal entendimento foi reafirmado em recurso especial interposto por uma mulher que conviveu três anos com um homem antes que ele viesse a contrair casamento e manteve o relacionamento estranho ao matrimônio por mais 25 anos, constituindo uma “família paralela” com dois filhos.
Há detalhes, contudo, que precisam ser devidamente esclarecidos sobre tal decisão, a qual, apesar de consagrar o casamento monogâmico em nosso ordenamento jurídico, aplicou as regras específicas para o caso do concubinato, este sim aplicável quando da união estabelecida de modo paralelo.
A Ministra Nancy Andrighi, ora relatora do caso, afirmou que “é inadmissível o reconhecimento de união estável concomitante ao casamento, na medida em que aquela pressupõe a ausência de impedimentos para o casamento, ou, ao menos, a existência de separação de fato”.
O provimento do recurso foi parcial, pois a turma considerou que não há impedimento ao reconhecimento da união estável no período de convivência anterior ao matrimônio, quando, então, tal união se transforma em concubinato (simultaneidade de relações).
Em suma, o que o STJ decidiu é que o reconhecimento da união estável pressupõe a ausência de impedimentos para que se estabeleça o casamento entre os conviventes. Naturalmente, que a hipótese da união com a pessoa separada de fato – quando o casamento, apesar de findo, não se dissolve pelo divórcio, estabelecida no art. 1.723, §1º do Código Civil – continua a ser amparada pelo ordenamento jurídico.
Registre-se que o Supremo Tribunal Federal, quando do enfrentamento da questão, em sede de repercussão geral, assim se posicionou, destacando-se os dizeres do Ministro Alexandre de Moraes: “a preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1723, §1º do Código Civil, impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins previdenciários, em virtude da consagração do dever de fidelidade e da monogamia pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro”.
Então, com tais posicionamentos surgem muitas dúvidas no que se refere ao destino dos envolvidos na relação paralela e quanto aos filhos, fruto deste relacionamento. Ao consagrar a monogamia como elemento essencial ao casamento estariam as cortes Superiores deixando de conceder a devida proteção à família “paralela”? Como fica a situação da(o) concubina(o) quando da dissolução desta união a respeito do patrimônio dos envolvidos?
Pois bem: no caso concreto analisado, o STJ aplicou a Súmula 380 do STF, equiparando o Concubinato à sociedade de fato. Com efeito, a respeito do período posterior à celebração do matrimônio, a relatora entendeu pela partilha, desde que haja prova do esforço comum na construção patrimonial, adicionalmente apontou que, resguardado o direito da esposa à metade dos bens (meação), a partilha deve ser feita em liquidação de sentença, uma vez que as instâncias ordinárias não mencionaram se há provas da participação da recorrente (concubina) na construção do patrimônio ou quais bens fazem parte da meação da esposa.
Assim, novo procedimento será iniciado nas instâncias ordinárias (onde o processo tramitou primitivamente) para se apurar de modo detalhado se há bens constituídos em comum entre a concubina e o seu parceiro, que é casado.
Quanto aos filhos, não há dúvidas em afirmar que a proteção constitucional permanece inalterada e há igualdade entre todos, independentemente de sua origem (casamento ou concubinato), e todos os filhos terão a ampla e integral proteção que a legislação nacional lhes confere.
No que toca à relação entre os concubinos, essa será regida pelo Direito das Obrigações, ou seja, mediante prova do esforço comum, o patrimônio adquirido por um dos concubinos poderá ser partilhado entre eles. Nesse caso aplica-se a regra do artigo 1727 – as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato – conjugando-se com o princípio da boa-fé.
Chrisciana Oliveira Mello, sócia de Carlos de Souza Advogados, aluna especial do curso de mestrado em Processo Civil da Universidade Federal do Espírito Santo.
Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/09/19/stj-confirma-a-monogamia-como-elemento-essencial-ao-casamento/