O marketing multinível, ou marketing de rede, é um modelo de vendas em que um revendedor ganha uma participação nos lucros obtidos por si e por sua rede de revendedores. Trata-se, também, de uma modalidade de venda direta que se baseia no contato pessoal entre vendedores e clientes para transações de produtos e serviços.

Sempre haverá alguém dizendo que o marketing multinível é um engano e que somente uns poucos ganham dinheiro. Mas eu ouso dizer que o marketing multinível é uma das mais brilhantes estratégias comerciais existentes. Todos os negócios trazem riscos. Para quem empreende, para os distribuidores e lojistas e também para os empregados. O Uber entrou na China e de lá saiu logo, sem sucesso. O Walmart, a maior rede varejista do mundo, patinou no Brasil por quase duas décadas e acabou vendendo as suas operações no país em 2018.

Marketing multinível é um negócio totalmente legal e legítimo no Brasil, apesar de não haver uma legislação específica para o MMN. A propósito, este foi um dos principais motivos para que escrever o “Guia Jurídico do Marketing Multinível”: auxiliar empresas e operadores do MMN a conhecer os seus direitos. Não é admissível que um negócio decente de MMN, com boas intenções, torne-se refém de uma autoridade pública que, da sua cabeça, simplesmente ache que a empresa é uma pirâmide, sem que seja. Os direitos precisam ser respeitados! O direito é um ramo das ciências sociais cujo objeto de estudo são as normas obrigatórias que controlam as relações dos indivíduos em uma sociedade. É o conjunto de conhecimentos relacionados com as normas jurídicas determinadas por cada país.

A Constituição da República Federativa do Brasil, ou simplesmente Constituição Federal, é a mãe de todas as leis. Nenhuma norma pode desdizer o que está estabelecido na Carta Magna. Ela é a guardiã dos direitos e deveres, tanto das pessoas naturais (ou físicas) como jurídicas, sejam de direito público, sejam de direito privado. E é a Constituição Federal que garante, como princípio fundamental, a livre iniciativa, no inciso IV do artigo 1º. Livre iniciativa significa que eu posso empreender em tudo aquilo que não for proibido expressamente por lei. Trata-se de um princípio considerado fundamento da ordem econômica, atribuindo à iniciativa privada o papel primordial na produção ou circulação de bens ou serviços, constituindo a base sobre a qual se constrói a ordem econômica, cabendo ao poder público apenas uma função supletiva, pois a Constituição Federal determina que ao Estado compete somente a exploração direta da atividade econômica quando necessária à segurança nacional ou relevante interesse econômico (CF, art. 173).

Há alguns projetos de lei sobre o MMN tramitando no Congresso Nacional, liderados pelo PL 6667 de outubro de 2013, cujo objetivo é regulamentar o marketing multinível e estabelecer normas de proteção aos empreendedores. O PL está parado no Congresso desde 2014. No entanto, há partes do projeto que são inaceitáveis, verdadeiras aberrações. Destaco e comento dois pontos absurdos do Projeto de Lei. (1) para realizar atividade de marketing multinível, a operadora deve depositar plano de viabilidade econômico-financeira endossado por ao menos um banco comercial com rede de agências de ampla estrutura do território nacional. > meu comentário: o PL, neste particular, inviabilizará muitos empreendimentos de MMN. Qual a razão para isso? De quais empresas isso é exigido? A não ser bancos e seguradoras, nenhum outro segmento tem exigência sequer parecida. (2) Toda operadora de marketing multinível é obrigada a treinar o empreendedor em forma presencial e comprovar que o candidato obteve presença às aulas de no mínimo 90%, bem como aproveitamento na nota final de pelo menos 70%, sem o que não poderá ser acatada sua adesão à rede. > meu comentário: outra aberração. Isso é exigido para ser empregado de alguma outra empresa, seja comercial, industrial, financeira ou prestadora de serviços? A intromissão do Estado seria descabida e inconstitucional, uma afronta à livre iniciativa. Os deputados estão propondo excluir milhares de pessoas de suas atividades como líderes, divulgadores, afiliados ou participantes de rede. E a adesão on-line? Não será permitida? Um retrocesso.

Defendo que o empreendedor, antes de dar início ao seu negócio que traga como estratégia o marketing multinível, implante o que intitulei Plano de Prevenção Jurídica – PPJ. A viabilidade jurídica que proponho, como parte do PPJ, vai além, muito além, da embalagem do negócio. É essencial se aprofundar no negócio; questionar todos os pontos; verificar se há brechas na operação; aferir a consistência financeira da empresa tomando por base os seus custos diversos, inclusive com bônus e premiações. Em tudo o que envolve o MMN, o cuidado a se tomar deve ser maior por conta de diversos problemas e da linha – às vezes tênue – que separa o marketing multinível de uma pirâmide financeira. Por essa razão, é essencial que empresários, líderes e demais operadores adotem medidas jurídicas preventivas e efetivos planos de legalidade.

Sérgio Carlos de Souza, fundador e sócio de Carlos de Souza Advogados, autor dos livros “101 Respostas Sobre Direito Ambiental” e “Guia Jurídico de Marketing Multinível”, especializado em Direito Empresarial, Recuperação de Empresas e Ambiental.

Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/09/20/consideracoes-juridicas-sobre-o-marketing-multinivel-2/