O atual ordenamento jurídico aplicável à insolvência detém sem-número de variadas e efetivas ferramentas capazes de permitir ao devedor identificar e solucionar seus problemas econômico-financeiros, a fim de garantir a perenidade do seu negócio.
Entretanto, nem sempre é possível ao devedor lançar mão destas ferramentas. Tome-se como exemplo a sobreposição do passivo para o ativo, inviabilizando o caminho da tentativa de soerguimento.
Há quem diga, no entanto, que mesmo ciente desta inviabilidade, o ideal é seguir com o negócio combalido, porque a falência culminaria na desonra do devedor, ferindo-lhe o bom nome e a boa fama. Respeitosamente, ousamos discordar disto.
Esta concepção ultrapassada é deveras equivocada, senão até temerária, capaz de trazer mais impasses, contratempos e infortúnios de toda ordem ao empresário. Vivenciamos a era do novo, dentro de um novo tempo ditado por novos direitos, algo típico em países plurais, democratas e sobretudo progressistas, como é o Brasil.
Os ventos evolutivos sopraram inovadoras e coerentes ideias na direção do parlamento, trazendo leis mais humanas que sepultaram o estigma que o devedor carregava perante a sociedade após ser declarado falido, entendimento tecnicamente impossível de ser sustentado hoje, bastando notar os evidentes e involuntários efeitos negativos que a pandemia da Covid-19 ainda causa à grande parcela da sociedade mundial.
Portanto, nestes casos de extrema dificuldade financeira o devedor precisa buscar orientação jurídica adequada à tomada da decisão de postular na justiça a autofalência prevista na Lei n° 11.101/2005, pela qual terá condições de terminar um ciclo empresarial que não foi bem-sucedido, para, ao final, liberto de suas obrigações, poder iniciar outro muito mais propenso ao sucesso, porque poderá ser mentalizado, formatado e praticado corrigindo os erros pretéritos.
Em conclusão, defende-se neste ensaio que a autofalência (e a falência em si) não pode ser vista com os olhos preconceituosos do passado, e sim como possibilidade de recomeço legítimo ao exercício empresarial. Afinal, é direito incontestável justificado nos valores constitucionais mais sublimes, como do trabalho e da livre iniciativa que muito ajudam o país.
Raphael Wilson Loureiro Stein é Associado do Escritório desde abril de 2019 e atua nas áreas: Contencioso Civil, Comercial e Recuperação de Empresas e Falência.
Artigo publicado no Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2021/06/23/a-autofalencia-como-legitimo-direito-de-recomeco-do-devedor/