O Que Mudará Com o Salário Por Hora?

A equipe econômica do governo federal prepara-se para implementar projeto que, na prática, acaba com o salário mensal e estabelece a precarização como regra: a remuneração passará a ser por hora. O ministro da economia, Paulo Guedes, pretende acabar com as férias remuneradas, 13º salário e FGTS no novo regime de trabalho. Inicialmente, é importante pontuar que essas mudanças dependerão de alteração pelo Poder Legislativo, sendo que alguns itens, como férias e FGTS, precisariam de emenda constitucional. Atualmente, o salário pode ser ajustado de diversas forma, tais como: i) por mês (forma mais comum); ii) por dia (diarista); iii) por hora (horista). A questão é que o ajuste entre empresa e empregado precisa ser fixado anteriormente, ao passo que, na proposta ventilada pelo governo federal, a ideia é não haver, ao menos para parte dos empregados de uma determinada empresa, o compromisso regular de trabalho. Ou seja, a empresa simplesmente poderia chamar (ou não!) o trabalhador para trabalhar em determinadas horas e pagar os valores respectivos. Hoje já é possível se estipular um salário proporcional à jornada de trabalho. Não há vedação legal na CLT sobre esse tipo de remuneração que, aliás, se revela mais justa. Isso porque, dois empregados que exerçam a mesma função para um mesmo empregador, sendo que um deles labora apenas 6h por dia e o outro 8h ao dia não podem ser remunerados com o mesmo salário, porque um deles trabalha 2h a mais do que o outro colega. Com relação à quantidade de horas de trabalho, a regra é de que a jornada normal de trabalho não deverá exceder 8h diárias (art. 58 da CLT). O limite semanal seria de 44h e o mensal de 220h. Há também a possibilidade de contratação do empregado em regime de tempo parcial, cuja duração não exceda 30h semanais, sem a possibilidade de horas extras. Também é considerada contratação em regime de tempo parcial a jornada não excedente a 24h semanais, porém, com a possibilidade de acréscimo de 6h extras semanais. A contratação por regime de tempo parcial o pagamento do salário será proporcional à jornada de trabalho. De acordo com o art. 58 da CLT, a jornada diária não poderá exceder 8h. Já conforme artigo 59 da CLT, a duração diária do trabalho poderá ser acrescida de horas extras não excedentes de 2h, através de acordo individual, convenção coletiva de trabalho ou acordo coletivo de trabalho. De forma excepcional, é possível se estabelecer, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva de trabalho ou acordo coletivo de trabalho, a jornada de 12 x 36, que consiste no trabalho por 12h, seguido de um período de descanso de 36h. Esse tipo de jornada de trabalho é muito comum nas categorias dos profissionais de saúde, como médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem. Também é muito comum no setor de segurança, como vigilantes, porteiros e outras atividades que demandem o trabalho de forma contínua. Há de se destacar o já em vigor trabalho intermitente, que é aquele que é prestado com subordinação, porém, de forma não contínua, alterando períodos de prestação de serviços e períodos de inatividade, determinados em horas, dias ou meses. Nesse tipo de contrato (intermitente), o empregador deverá convocar o empregado através de qualquer meio de comunicação eficaz (telefone, mensagem, e-mail, etc.) com, pelo menos, 3 dias de antecedência. O empregado recebe a convocação e tem o prazo de um dia útil para responder, presumindo o silêncio como recusa.

Ação do Ministério Público Contra Sara Winter

O Ministério Público do Espírito Santo (MP-ES), por meio da Promotoria de Justiça da Infância e Juventude de São Mateus, anunciou ter proposto uma Ação Civil Pública (ACP) contra a pessoa de Sara Fernanda Giromini, também conhecida como Sara Winter. Segundo o MP-ES, ela teve acesso, de forma ilegal, a detalhes do caso da menina de 10 anos que foi violentada pelo tio e acabou engravidando. Acrescenta o MP-ES que, além do acesso ilegal, Sara Winter veiculou vídeo nas redes sociais, divulgando expressamente o nome da criança e tornando público o endereço do hospital onde ela passaria por um procedimento de interrupção da gestação indesejada. Quais os crimes que, em tese, essa senhora teria cometido? Como funciona a chamada Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público? Assegura o Estatuto da Criança e do Adolescente o direito ao respeito, e este direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais. Tendo havido infração contra o dever de respeito a uma criança, como aconteceu no caso da menina de 10 anos que foi estuprada, cabe ao Ministério Público promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais da criança. De fato, a divulgação do nome da criança e do local em que a criança faria a intervenção cirúrgica, visando criar constrangimento e manifestações envolvendo um menor protegido pelo nosso ordenamento jurídico, constitui-se em ato infracional que prescinde de apuração pelas autoridades e ajuizamento da respectiva medida que, ao final das apurações, se mostrar cabível. Outra questão colocada é: como essa pessoa teve acesso ao nome da criança e dados sobre ela, considerando que o caso está sob segredo de justiça? Alguém que detém a informação (talvez algum servidor público que atua no caso) pode ter divulgado, indevidamente, as informações para Sara Winter, e o divulgador poderá ser enquadrado no crime de violação de segredo profissional, estabelecido pelo artigo 154 do Código Penal. Já a denominada ativista, se obteve o acesso às informações através de invasão de sistema, poderá responder pelo crime de invasão de dispositivo informático, na forma do artigo 154-A do Código Penal. As apurações que estão sendo realizadas pelo Ministério Público certamente descobrirão como foi obtido o acesso às informações sobre a menina de 10 anos que foi violentada, o que possibilitará processar e condenar os culpados. A proteção à criança e ao adolescente está garantida pela Constituição Federal, nos termos do estabelecido no artigo 227: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

O Aborto da Menina de 10 Anos Feriu a Lei?

A sociedade está em choque com o estupro de uma criança de 10 anos em São Mateus. Como se não bastasse o horror de uma criança ser submetida a essa barbaridade, o crime ainda causou gravidez na vítima. A partir daí, instalou-se um debate que, ao menos momentaneamente, saiu do campo da barbárie do estupro em si – que tem como suspeito um tio da menina – e direcionou-se para o direito que a criança teria ou não em realizar um aborto. A legislação brasileira classifica o aborto como crime, de acordo com o Código Penal, seja ele praticado pela própria grávida ou por outra pessoa com o consentimento da gestante. O Código Penal, contudo, traz duas hipóteses que permitem o aborto realizado por um médico: (i) se não houver outro meio de salvar a vida da gestante, que é chamado de aborto necessário; e (ii) se a gravidez resultar de estupro e o aborto for precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. Além das duas hipóteses acima, em 2012 o Supremo Tribunal Federal, instado a se manifestar num julgamento envolvendo o aborto, interpretou também não ser crime a intervenção para interromper a gravidez de feto anencéfalo. Portanto, são estas três as hipóteses do que se convencionou chamar de aborto legal, ou seja, que não será caracterizado como prática criminosa. No caso da indefesa criança de São Mateus, tão logo a família descobriu que ela estava grávida, recorreu à Justiça para obter autorização judicial para realizar a intervenção. Um juiz de São Mateus autorizou prontamente o aborto, determinando que a criança fosse submetida ao procedimento de melhor viabilidade para preservação de sua vida, pelo aborto ou interrupção da gestação por meio de parto normal imediato. Aqui vale uma reflexão: se o Código Penal autoriza o médico a realizar o aborto em tais circunstâncias, por qual razão foi necessária uma medida judicial? Quando a gestante (ou a família, no caso de uma menor) alega ter sido vítima de estupro, é comum e justificável o médico querer uma ordem judicial antes de realizar o procedimento. É que, neste caso, o crime ainda será investigado e o médico, caso não tenha uma autorização da Justiça, poderá estar exposto se, ao final, uma versão diferente vier à tona. O caso da criança de São Mateus teve um episódio adicional: com a autorização judicial em mãos, a família levou a criança para o HUCAM, em Vitória, que não quis fazer o procedimento alegando que a gestação já estava com 22 semanas e o feto com peso acima de 500 gramas, o que, segundo o HUCAM, contrariaria uma nota técnica do Ministério da Saúde. Um médico de Pernambuco, porém, prontificou-se e já realizou a intervenção exitosa. Qual atitude médica está errada? A equipe do HUCAM não seria obrigada a realizar o procedimento em face da ordem judicial? A despeito dos debates que fogem da análise jurídica, o fato é que, legalmente, nenhuma das duas atitudes médicas está errada. Os médicos de Pernambuco agiram sob o abrigo de uma ordem judicial e, portanto, estão totalmente seguros. Nenhuma nota técnica pode se sobrepor a uma ordem judicial. Ou seja, nenhum tipo de acusação de ferir a lei pode vir contra os médicos pernambucanos. Por seu turno, os médicos daqui do HUCAM, em que pese a autorização judicial, entenderam que, tecnicamente, a intervenção seria extemporânea. Subjetividade técnica, aceitável. Segundo entendimento do Conselho Federal de Medicina, do ponto de vista jurídico, a lei não estabelece limites para a idade gestacional, isto é: aborto é a interrupção de gravidez com intuito de morte do concepto, não fazendo alusão à idade gestacional. Do ponto de vista médico, entretanto, aborto é a interrupção de gravidez até a 20ª ou 22ª semana, ou quando o feto pese até 500 gramas ou ainda quando o feto mede até a 16,5 cm. Entende ainda o Conselho de Medicina, que o médico exerce a medicina de forma ética, quando respeita a lei e os direitos reprodutivos de seu paciente, sendo de seu direito recusar-se à realização de atos médicos que embora permitidos por lei sejam contrários aos ditames de sua consciência.

Mediação Extrajudicial

Vivemos uma época de muitos conflitos nas mais diversas frentes. Famílias, pessoas, empresas, governos, parece-nos haver um excesso de irritabilidade geral. Tudo gera conflito. Em vez de tentar resolver de forma pacífica ou simplesmente não se importar com algo de quase nenhuma relevância, as pessoas preferem partir para os confrontos verbais, judiciais e, não raramente, físicos. Não deveria ser assim. É óbvio que as redes sociais potencializam o desejo conflituoso. Vê-se a todo tempo alguém ofender outro sem sequer saber o que está fazendo. É a ofensa por nada. O conflito de graça. Não há reflexão. Nas redes sociais é simples compartilhar um conteúdo ofensivo sem ao menos ler, refletir e pensar no que lhe foi passado e, muito menos, nas consequências danosas de espalhar aquele conteúdo, que muitas vezes sequer é verdadeiro. Estabelecida a insatisfação ou o dano, parte-se para o conflito judicial. Ações indenizatórias e medidas criminais são logo propostas, visando à reparação dos danos. Da mesma forma, relações empresariais e societárias são alvo de enxurradas de disputas judiciais. Claro que há casos em que uma ação judicial é inevitável. Contudo, ainda é pouco usado o instrumento da mediação extrajudicial, um mecanismo que pode arrefecer os ânimos e trazer um entendimento rápido e muito menos custoso. Estabelecida pela Lei nº 13.140, de 2015, a mediação foi instituída como meio de solução de controvérsias entre particulares e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública. Algumas características da mediação: informalidade, confidencialidade, possibilidade de envolver parte ou o todo do conflito e o direito de a parte deixar o procedimento de mediação a qualquer tempo. No caso da mediação extrajudicial, objeto deste artigo, o mediador será escolhido pelas partes, sendo recomendável ser uma pessoa com conhecimento técnico daquilo sobre o que versa a discussão, podendo as partes também serem assistidas por advogados, embora isso não seja obrigatório no procedimento. Contudo, caso uma das partes esteja assistida por advogado e a outra não, o mediador extrajudicial deverá suspender o procedimento para que a ainda não assistida constitua advogado. Na mediação extrajudicial, a remuneração do mediador deverá ser objeto de proposta anterior ao início do procedimento e aceita pelas partes. Via de regra, os honorários do mediador são rateados pelas partes, até porque, numa mediação, não é adequado se falar em vencedor e vencido uma vez que o potencial litígio, sendo exitoso o procedimento, será evitado. Ou seja, todas as partes terão vencido. O início de uma mediação extrajudicial dar-se-á pela iniciativa unilateral ou bilateral. Uma das partes envolvidas na questão, querendo a mediação, pode simplesmente enviar uma comunicação à outra fazendo o convite para que a controvérsia seja resolvida no âmbito negocial. Sendo aceito o mecanismo, as partes escolherão uma ou mais pessoas para funcionarem como mediadores, cujas qualificações deverão estar em sintonia com a questão em si e a complexidade existente. Havendo já um processo judicial em curso mesmo assim é possível estabelecer uma mediação extrajudicial? Sim, é totalmente possível. Os dois correrão de forma independente. Caso a mediação resulte em acordo, bastará às partes transporem as tratativas num documento e levarem à apreciação do juiz da causa, para que este homologue o consenso alcançado.

Como Ficam os Contratos com a Pandemia?

Muitas pessoas estão sem conseguir arcar com compromissos firmados por contratos. Aluguéis, financiamentos, compras de imóveis e veículos. A inadimplência tomou proporções tão grandes por conta da pandemia, que os próprios bancos tiveram os seus lucros muito reduzidos. O que uma pessoa física ou uma empresa pode fazer diante da impossibilidade de cumprir contratos por causa dos efeitos da pandemia? Em princípio, o que aconselho, é que se procure a adequação do equilíbrio econômico financeiro do contrato com base na teoria da imprevisão. Conversar com o parceiro / credor / senhorio / banco ou o que for na tentativa de uma adequação do equilíbrio contratual. Não sendo possível obter uma readequação consensual (prorrogação de parcelas, carência, repactuação de preços etc) deve-se buscar o Judiciário. Claro que entrar na Justiça tem custos e riscos, mas ficar inerte e deixar tudo vencer e se perder é ainda pior. Outra alternativa é buscar uma câmara de conciliação e mediação, como temos aqui no Espírito Santo a da Federação das Indústrias – FINDES. Uma câmara chama as partes para conversarem e sugere diversas alternativas para que o litígio seja evitado. Caso haja um acordo, a própria câmara pode produzir o documento que formalizará o que for combinado. Não se pode esquecer que o contrato é lei entre as partes e deve ser cumprido. Porém, há situações que podem levar a uma revisão contratual, especialmente quando se trata de relação de consumo. Examine o seu contrato e veja se ele tem alguma cláusula que permite a suspensão, interrupção ou revisão das condições contratuais diante de casos fortuitos ou por motivos de força maior. A pandemia é, sem dúvidas, um motivo que pode permitir ao juiz, a depender de cada caso, intervir com uma decisão imediata no sentido de impor a revisão de cláusulas contratuais, mesmo que por um período apenas. A legislação determina que os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos, até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada. A pandemia é uma situação excepcional, sem dúvidas, e algumas situações podem receber o acolhimento judicial. Ou seja, o cenário de pandemia e calamidade pública equivale a uma excepcionalidade. O contrato é lei entre as partes enquanto as coisas permanecerem na forma estabelecida na época do contrato. Havendo mudanças bruscas na situação que existia à época do contrato, por fatores que inesperado, excepcionais e que fugirem do controle de uma das partes, pode ser aplicado o texto da lei que dia que, nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Claro que, na hipótese de uma ação judicial, o devedor ou a parte que não estiver conseguindo cumprir o contrato, precisará provar todo o contexto ocorrido, causas e efeitos, bem como o seu histórico anterior à pandemia de fiel cumpridor do contrato.