‘Crise Financeira – Renegociação de Contratos’

Temos assistido, nos últimos meses, a uma crise política e econômica que, juntas, não encontram precedentes em nosso país. Lembramos alguns fatos, todos de notório conhecimento: operação Lava Jato; investigação criminal dos presidentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados; Congresso Nacional quase paralisado; Governo Federal sem sustentação parlamentar; investigação do ex-presidente da República; economia totalmente desaquecida; PIB negativo; inflação em alta; desemprego recorde; estancamento financeiro e produtivo da Petrobras, que até pouco era o maior conglomerado brasileiro. O desfecho de tudo isso, ainda incerto, já está trazendo – e poderá aumentar! – incontornáveis prejuízos ao setor produtivo (serviços, indústria, comércio etc.). Acrescente-se a tudo um item novo e ainda de proporções maléficas inimagináveis, que já tomou viés mundial: o Zika Vírus. Vejam, que, diferentemente da última grande crise, a de 2008, que teve origem no setor financeiro mundial e na oferta de crédito, a atual, brasileira, está arrastando tudo e todos, já que, na ponta, o reflexo mais doloroso é da classe trabalhadora, especialmente dos que estão perdendo os seus empregos ou daqueles que, mesmo empregados, estão vendo, por óbvio, corroído o seu poder de compra ante os tentáculos inflacionários, nem sempre albergados pelas negociações coletivas. Da mesma forma, o setor produtivo/empresarial já começou a enfrentar problemas, em especial empresas que (1) dependem de crédito para concluir projetos e investimentos, ou que (2) firmaram compromissos no rumo de uma demanda que, por causa da crise política e econômica brasileira, pode ser fortemente reprimida. No caso (1), podemos ilustrar como exemplo uma empresa que deu início a um projeto de expansão calcado na obtenção de crédito e, antes de concluir o plano, o crédito desaparece em decorrência da crise. Uma situação imprevisível e extraordinária. A empresa, portanto, não somente fica impedida de concluir o seu projeto, como também não começa a produzir (e a faturar) no prazo previsto, o que lhe dificulta – ou impede – pagar os empréstimos já contraídos. Já na ilustração (2), empréstimos (capital de giro, CDC, leasing etc.) foram obtidos firmados numa rota de demanda que – também por essa situação imprevisível e extraordinária – vem a cair de forma violenta, esvaindo completamente a capacidade da empresa cumprir os seus compromissos. Tanto em um caso como em outro, ou em situações semelhantes, é possível buscar a renegociação de contratos firmados, caso a empresa conclua pela impossibilidade de cumpri-los. Inicialmente, é aconselhável buscar uma renegociação amigável com o credor, seja uma instituição financeira ou um fornecedor. Caso não seja obtido êxito, é possível ir a Juízo. O Código Civil em vigor, particularmente os artigos 478 a 480, dão margem a esse tipo de discussão, permitindo que a obrigação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis. Já há casos ocorridos nos últimos meses, em que juízes têm dado decisões para que a obrigação contratual seja modificada, em favor do devedor, em virtude da imperativa mudança na situação da empresa tomadora de recursos, por conta da crise nacional. Caso o empresário se sinta acuado, e com grave risco para seu negócio, poderá se valer da previsão legal para buscar a tutela do Poder Judiciário visando a proteção de sua empresa por meio de um pedido de revisão do contrato ou suspensão temporária de seu cumprimento.

Atuação das Agências Reguladoras

A presença e o papel das agências reguladoras são um importante indicativo do avanço econômico e democrático de um país. Tira-se a atuação direta do Estado, que é muito lenta e burocrática, e se transfere para uma agência autônoma, em tese muito mais ágil, especializada e desprovida de interesses políticos. Em linhas gerais, as agências reguladoras são pessoa jurídica de direito público interno, criadas por meio de lei, cuja função é a de regular e fiscalizar as atividades de determinado setor privado do país. As agências reguladoras são conceituadas como sendo autarquias sob regime especial, criadas para regular um setor específico da atividade econômica, e surgiram num momento em que havia forte presença do Estado brasileiro no gerenciamento da economia. Até então, o Estado desempenhava de forma direta serviços públicos de regulagem de mercado, o que na prática não funcionava e deixava a engrenagem míope e ineficaz. O modelo anterior era falido e já não dispunha de qualquer tipo de autoridade e respeito. São essas as agências reguladoras estabelecidas no Brasil: Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel); Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP); Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel); Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa); Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS); Agência Nacional de Águas (ANA); Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq); Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT); Agência Nacional do Cinema (Ancine); Agência Nacional de Aviação Civil (Anac); Agência Nacional de Mineração (ANM); e o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). Entre as principais funções de uma agência reguladora, estão: levantamento de dados sobre o mercado de atuação; elaboração de normas disciplinadoras para o setor regulado; fiscalização dessas normas; defesa de direitos do mercado consumidor; e gestão de contratos de concessão de serviços públicos delegados. Outra função essencial é receber e processar denúncias contra as empresas operadoras no respectivo mercado, o que é feito através da abertura de um processo administrativo que pode resultar na aplicação de multas e até penalidades mais severas, como a suspensão ou interdição da empresa. Um dos fundamentos mais importantes da atuação de uma agência reguladora é a sua independência da administração pública direta. Já que é criada por lei, a agência deve seguir o seu curso institucional de forma autônoma e no estrito cumprimento das normas legais, visando gerar um ambiente de negócios mais saudável, propício aos investimentos e que salvaguarde o mercado consumidor. Contudo, volta e meia uma autoridade política, querendo aumentar o seu poder, que já é muito grande, tenta minar a atuação autônoma e independente das agências reguladoras, esforçando-se para interferir naquilo que deveria ficar longe dos holofotes políticos. Para se ter uma ideia, os nomes indicados por partidos políticos ainda são maioria nos cargos de confiança (os que não dependem de concursos públicos) das agências. Isso está errado. A atuação de uma agência reguladora deve ser eminentemente técnica, buscando preservar a segurança do mercado e não travar o dinamismo que dele se espera. Destinado exatamente a impedir a ingerência política nas agências reguladoras, a Câmara Federal deu andamento ao Projeto de Lei 6.621, de 2016, que dispõe sobre a gestão, a organização, o processo decisório e o controle social das agências reguladoras. Grande esperança se depositou sobre essa proposição legislativa, já que aparentava ser uma aliada da modernidade regulatória. Entretanto, depois de diversos debates e da apresentação de substitutivos, o projeto foi aprovado pela Câmara com contornos que acabaram por trazer um grande retrocesso à atuação das agências reguladoras. Darei dois exemplos. Se por um lado o artigo 3ºdo PL assegura à agência reguladora ausência de tutela ou de subordinação hierárquica, autonomia funcional, decisória, administrativa e financeira, por outro o parágrafo segundo desse mesmo artigo diz que a autonomia administrativa está condicionada a uma série de autorizações do Ministério do Planejamento. Isto significa que a agência reguladora terá amarras junto ao universo político, o que desfigura a sua autonomia e independência. Pior do que o já citado dispositivo, é aquele que vem no artigo 4º do Projeto de Lei 6.621: a agência reguladora deverá observar, em suas atividades, a devida adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquela necessária ao atendimento do interesse público. Essa norma tem ação direta na aplicação de sanções e decisões administrativas. O que exatamente pode vir a significar interesse público? A resposta vai depender de a quem você fizer a pergunta. Direitista, esquerdista ou centrista, cada um terá o seu conceito de interesse público. Quem vai dizer o que é interesse público diante de uma ação concreta de uma agência reguladora? O ente político que estiver governando naquele momento? A esperança agora está depositada no Senado Federal, que receberá a redação final do PL aprovado pela Câmara para deliberação por aquela Casa Legislativa. Torçamos para que o Senado Federal tenha um melhor entendimento e mude o curso tortuoso que se imprimiu ao tema.

Suspensão de Documentos

Durante muitas décadas o Brasil foi tido como um país fácil para os que não queriam pagar suas dívidas. Bastava não pagar, ir contestando a questão na Justiça e o processo se arrastaria durante anos até o credor desistir. Esse cenário realmente perdurou durante muito tempo, e foi péssimo para o país. Quem deve tem que pagar. Ressalvado ao suposto devedor, é claro, o direito de impugnar o mérito da dívida em si e alguma abusividade que tiver ocorrido. Nos últimos tempos várias medidas foram sendo adotadas pelo legislador e pelas próprias autoridades, criando mecanismos de cobrança mais efetiva de dívidas. Bloqueio generalizado de contas correntes e veículos; alienação de imóveis no financiamento imobiliário, com a possibilidade de o credor tomar o imóvel no caso de inadimplência, sem que precise entrar na Justiça; protesto de débitos fiscais. Essas medidas melhoraram em muito o ambiente de negócios no Brasil. Aquele que investe quer ter a segurança de que, caso alguém que adquira o bem comercializado não pague o valor acordado, o investidor terá meios de retomar o seu crédito, seja em dinheiro ou através do próprio bem. A eficácia legal na cobrança de débitos é vital para o crescimento econômico, a realização de investimentos e a segurança jurídica. Dentro dessa linha, o Código de Processo Civil, atualizado em 2015, trouxe algumas normas muito importantes. Entre essas está o inciso IV do artigo 139 – O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária. Prestação pecuniária significa pagamento de algum valor, ou cumprimento de obrigação de pagar uma dívida. A recente lei trouxe uma novidade subjetiva, aberta. O que seriam medidas indutivas e coercitivas para assegurar o pagamento de uma dívida? Como o legislador não se ocupou em particularizar essas medidas, publicada a nova legislação, os debates começaram no meio jurídico e empresarial. Opiniões as mais diversas e extremas. Umas das correntes de interpretação levou a inúmeras ordens judiciais de suspensão de passaporte e carteira de habilitação. Os defensores desse pensamento dizem que, se a pessoa tem dívidas e não consegue pagar ao credor, como ela vai ficar viajando mundo afora? Dirigir um carro? Absolutamente não! Se o cidadão não paga a sua dívida, ele também não pode se dar ao luxo de conduzir um veículo. Vamos então suspender o direito de ele viajar para fora do país e de dirigir! Por mais absurda que possa parecer essa visão do assunto, o fato é que ela se fez valer. Felizmente, no entanto, os tribunais brasileiros começaram a se posicionar em sentido contrário, revogando decisões de juízes que suspenderam o passaporte e a CNH de devedores. Não há como se sustentar esse tipo de restrição injusta e desmedida. Impedir a pessoa de dirigir e viajar para o exterior por causa de uma dívida não paga, equivale a um perigoso retrocesso na ordem democrática. O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, no Rio Grande do Sul, foi firme ao mudar uma ordem judicial de primeira instância, sustentando que, apesar de o artigo 139, inciso IV, do NCPC dispor que incumbe ao juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária, as medidas pretendidas pela exequente (suspensão da CNH, apreensão dos passaportes e cancelamento dos cartões de crédito dos executados) não se conformam aos ditames da proporcionalidade. De fato, os meios propostos não se mostram adequados, necessários ou proporcionais (stricto sensu) à finalidade visada, qual seja, o pagamento da dívida. A apreensão dos passaportes, por exemplo, não é capaz de ensejar a satisfação do crédito – por outro lado, atenta de forma grave contra o direito à liberdade de locomoção assegurado constitucionalmente. O Superior Tribunal de Justiça – STJ também já se posicionou pela total impossibilidade de mera suspensão de passaporte e CNH para forçar o devedor a pagar uma dívida: “Noutro ponto, vale frisar que o reconhecido do mérito da inovação e fato de as regras modernas de processo, instituídas pelo código de 2015, preocuparem-se, primordialmente, com a efetividade da tutela jurisdicional, não é menos certo que essas novas diretrizes, em nenhuma circunstância, se dissociarão dos ditames constitucionais, constatação que remete à ideia de possibilidades de implementação de direito (cumprimento) que não sejam discricionárias (ou verdadeiramente autoritárias), por objetivos meramente pragmáticos, de restrição de direitos individuais. Vale dizer, pois, que a adoção de medidas de incursão na esfera de direitos do executado, notadamente direitos fundamentais, carecerá de legitimidade e configurar- se-á coação reprovável, sempre que vazia de respaldo constitucional ou previsão legal e na medida em que não se justificar em defesa de outro direito fundamental”. Cobrar uma dívida é direito pleno do credor, mas abusar desse direito não pode ser admitido pelo nosso ordenamento jurídico.

Penhora de Previdência Privada

A oferta de planos de previdência privada complementar existe há muitos anos. Mas nos últimos anos esse mercado [de previdência privada] teve um grande crescimento quantitativo e, ainda mais, de importância perante a sociedade. Os motivos? É fácil explicar! A previdência pública, gerida pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, entrou num círculo vicioso de mudança de regras e insustentabilidade. A partir de frágeis gestões, a previdência social se tornou um dos maiores problemas nacionais, tanto para o governo como para os que já recebem ou esperam receber os seus benefícios. O déficit anual é astronômico. No passado o teto do benefício era de vinte salários mínimos; veio para dez e depois para cinco. E não se sabe para onde vai caminhar. Diante do caos e da insegurança e almejando manter, na idade mais avançada ou na doença, uma renda perto da que se tem, a previdência privada complementar adquiriu uma importância quase que indispensável para parte da sociedade brasileira. A previdência privada, em termos normativos, tem previsão constitucional a partir do artigo 202 da Carta Maior: “o regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar.” A lei complementar foi editada em 2001. CUIDADO! Importante destacar que, apesar de todas as amarras regulatórias e reservas técnicas exigidas das empresas de previdência privada, não se pode ter como impossível que uma delas fique insolvente em algum momento e deixe clientes sem os seus benefícios. Uma das aparentes seguranças da previdência complementar era a de que os valores do fundo de reserva, a exemplo dos salários, seriam impenhoráveis. Essa ideia se baseava no Código de Processo Civil, precisamente em seu artigo 833: São impenhoráveis: IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal. As contribuições para a previdência complementar ficam em um fundo, que vai se formando até que, dentro da data contratada, o beneficiário comece a receber o valor mensal numa espécie de “aposentadoria” particular. Considerando que a lei proíbe a penhora de proventos de aposentadoria, o entendimento prevalente, ao longo do tempo, sempre foi no sentido de que aquele fundo não poderia ser alvo da ação de um credor. Exemplificando: a) uma pessoa, aos 30 anos de idade, adere a uma previdência complementar e passa a contribuir com 1000 reais por mês, para se aposentar com 60 anos de idade numa renda vitalícia estimada em 2000 reais mensais; b) aos 40 anos de idade o contribuinte tem já um fundo de 80 mil reais; c) mesmo que essa pessoa se visse envolvida em dívidas, o fundo de 80 mil reais jamais poderia ser objeto de penhora por parte dos credores, já que estaria destinado a proventos de aposentadoria. MUDANÇA DE ENTENDIMENTO DA JUSTIÇA Mas a situação mudou! Os tribunais brasileiros, inclusive o Superior Tribunal de Justiça, pacificaram o entendimento de que é possível penhorar os valores do fundo de uma previdência complementar. E como ficará a situação do contribuinte, a sua futura aposentadoria privada caso isso aconteça? Simplesmente deixará de existir, total ou parcialmente, a depender do percentual da penhora. A eventual penhora do fundo da previdência complementar não ocorrerá de forma automática, sem critérios. O juiz da causa, para decidir se determina ou não a penhora, deverá analisar cada caso concreto de forma particular. A decisão de penhorar ou não dependerá, essencialmente, da situação do beneficiário / devedor. Se ficar demonstrado que o plano de previdência é apenas um investimento, haverá a penhora; ao contrário, ficando evidenciado que o devedor depende, para sua futura sobrevivência, da aposentadoria gerada pela previdência complementar, o juiz não permitirá a penhora. Transcreverei um trecho de decisão do Superior Tribunal de Justiça sobre o assunto: “A impenhorabilidade dos valores depositados em fundo de previdência privada complementar deve ser aferida pelo Juiz casuisticamente, de modo que, se as provas dos autos revelarem a necessidade de utilização do saldo para a subsistência do participante e de sua família, caracterizada estará a sua natureza alimentar”. Há casos em que pessoas, amedrontadas por dívidas que poderiam ceifar seus bens, simplesmente abrem contas de previdência complementar na tentativa de impedir penhoras. Isso não mais se sustenta.

Lavagem de Dinheiro

Ao completar 20 anos, a Lei de Lavagem de Dinheiro [nº 9.613/98] merece alguns comentários. Após duas décadas, quais os resultados da lei sobre lavagem de dinheiro? Essa lei dispõe sobre crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores. Sua principal finalidade foi estabelecer um eficiente instrumento na luta contra o crime organizado. Promover o combate sistemático de algumas modalidades mais frequentes de criminalidade organizada em nível transnacional. Em 1992, na XXII Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos, nas Bahamas, aprovou-se o “Regulamento-Modelo sobre Delitos de Lavagem Relacionados com o Tráco Ilícito de Drogas e Delitos Conexos”. Nesse documento, recomendatório para o continente americano, buscou-se harmonizar as legislações nacionais relativas ao combate à lavagem de dinheiro. Foram denidos padrões à repressão e à prevenção do crime de lavagem de capitais. também foram elencados os delitos relacionados e, bem assim, para a criação de um órgão central, em cada país, destinado a combatê-lo. No caso do Brasil, esse órgão foi o COAF, criado exatamente pela Lei no 9.613/98. Preliminarmente à edição da lei agora vintenária, em 1995, o Brasil esteve presente em importante decisão, na Conferência Ministerial sobre Lavagem de Dinheiro e Instrumentos do Crime, em Buenos Aires. Assinou a Declaração de Princípios do Comitê de Supervisão Bancária da Basileia, que apresenta uma série de princípios orientadores e regulamentadores das atividades bancárias mundiais. O objetivo é de proteger e reforçar a estabilidade nanceira em nível internacional. A tipicação legal ao que cou conhecido como crime de lavagem de dinheiro, consiste em ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal, os converte em ativos lícitos. Quem adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta, transfere, importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros. Da mesma forma, a lei prevê igual punição às pessoas que utilizarem, na atividade econômica ou nanceira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal. Ou ainda participarem de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes. MEDIDAS JUDICIAIS Considerando a natureza do crime, a lei também determinou que, havendo indícios sucientes de infração penal, o juiz poderá decretar medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores do investigado ou acusado, ou existentes em nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes apurados. Outro destacado mecanismo trazido pela lei foi atribuir responsabilidade a pessoas físicas e jurídicas na identicação dos clientes e manutenção dos registros de todas as operações, de modo a comunicarem toda e qualquer operação nanceira atípica. A participação do Brasil no cenário internacional também tem se mostrado relevante nos últimos anos, através da cooperação entre autoridades, que trouxe resultados expressivos no cumprimento de cautelares patrimoniais. Em matéria penal, o maior número de cooperações jurídicas internacionais está relacionado aos crimes nanceiros, lavagem de dinheiro, corrupção e tráco de drogas. Em matéria cível, os pedidos estão relacionados ao direito de família e questões societárias. FASES DA LAVAGEM Muito proveitosa a colaboração de Ana Paula Kosak ao articular sobre as três fases da lavagem de dinheiro: “Em sede doutrinária, a complexa dinâmica do branqueamento de capitais é subdividida em três fases: ocultação, dissimulação e integração dos bens, direitos ou valores à economia formal. Na ocultação, o objetivo principal consiste em inserir o ativo na economia formal, afastando-o da origem ilícita, de modo a dicultar o rastreamento do crime. A segunda fase da lavagem, denominada de dissimulação, estraticação ou escurecimento, consiste no ato – ou conjunto de atos – praticados com o m de disfarçar a origem ilícita do ativo, com a efetivação de transações, conversões e movimentações várias, que distanciem ainda mais o ativo de sua origem ilícita. A fase derradeira da lavagem consiste na integração dos benefíciosnanceiros como se lícitos fossem. Nessa etapa, o dinheiro é incorporado na economia formal, geralmente através da compra de bens, criação de pessoas jurídicas, inversão de negócios, tudo com registros contábeis e tributários capazes de justicar o capital de forma legal”. O delito de lavagem de capitais não se trata do mero exaurimento do crime, ou seja, não se trata de aproveitamento de riqueza oriunda da infração penal anterior. Se não houver a maquiagem, ou, em outras palavras, uma nova roupagem para o valor ilícito, não há que se falar em lavagem de capitais. Em recente caso o Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo assim decidiu: […] o fato de o réu ter adquirido veículo próprio, aplicado o dinheiro em conta própria e reformado a sua residência com a quantia proveniente do tráco de drogas não é suciente para comprovar a intenção de ocultar a origem da quantia ilícita, tratando-se de mero aproveitamento econômico do crime. […] [Julgamento realizado em 09 de agosto de 2017 – Primeira Câmara Criminal – Relator: desembargador William Silva]