Disponibilizado Sistema Para Negociação dos Débitos do Simples Nacional

Embora o RELP – Programa de Reescalonamento do Programa de Débitos no Âmbito do Simples Nacional (RELP) tenha sido instituído pela Lei Complementar (LC) 193/2022, publicada em março, e regulamentado pelas Resoluções CGSN 166/2022 e 167/2022, o sistema para adesão foi disponibilizado hoje. As empresas interessadas em negociar débitos do Simples Nacional, mesmo que tenham sido excluídas ou optaram por outro regime, poderão aderir ao RELP pela internet, exclusivamente, para parcelamento dos débitos com redução de juros e multas, de acordo com o escalonamento previsto na LC. A redução de juros e multa variará de acordo com a inatividade ou redução de faturamento no período de março a dezembro de 2020 em comparação com o período de março a dezembro de 2019, mas os percentuais são expressivos: de 65% a 90%. Entretanto, as empresas devem estar atentas para as condições impostas pela LC, principalmente o dever de pagar regularmente as parcelas dos débitos consolidados no Relp e os débitos que venham a vencer a partir da data de adesão, inscritos ou não em dívida ativa, e a vedação da inclusão dos débitos vencidos ou que vierem a vencer durante o prazo de 188 meses em quaisquer outras modalidades de parcelamento, incluindo redução dos valores do principal, das multas, dos juros e dos encargos legais. Portanto, ao aderir ao RELP, o contribuinte não poderá fazer outros parcelamentos durante o prazo de pagamento pactuado. Com efeito, a possibilidade de negociar débitos inscritos ou não em dívida ativa representa um alento para os empresários. As transações disponíveis só permitiam o parcelamento de débitos inscritos em dívida ativa, o que não era suficiente para a regularidade fiscal de muitos contribuintes cujos débitos ainda estavam na Secretaria da Receita Federal. Com a nova modalidade de negociação, a totalidade dos débitos pode ser negociada. Os contribuintes interessados em conquistar a regularidade fiscal, poderão fazer a adesão até o dia 31 de maio de 2022, pela internet, mas devem buscar informações precisas sobre a modalidade ofertada para que não haja prejuízos posteriores. Mariana Martins Barros é advogada tributária, sócia coordenadora da área tributária do Escritório Carlos de Souza Advogados e membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/ES. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/04/29/disponibilizado-sistema-para-negociacao-dos-debitos-do-simples-nacional/

Venda Casada e Relação de Consumo

Quem nunca se deparou com a seguinte situação: ao promover a compra ou contratação de um serviço se viu obrigado a também adquirir outro, igual ou não? Ou seja, para que fosse possível a aquisição de algo (seja um produto ou um serviço) seria necessária e indispensável a aquisição de um segundo item, condicionando a venda ou a prestação de um serviço a outro. Tal conduta, muito praticada no mercado, se chama venda casada e é vedada pelo Código de Defesa do Consumidor, sendo considerada como prática abusiva. A legislação consumerista dispõe no art. 39, inciso I: Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos”. Um exemplo clássico sobre o tema é a venda casada de pacotes de TV, internet e telefone. Veja que em algumas situações nunca é possível adquirir apenas um serviço, estando este vinculado necessariamente à aquisição de uma segunda modalidade, ou seja, para a contratação da internet banda larga é indispensável a aquisição do serviço de telefonia, ou ainda de TV a cabo. Notem que não haveria qualquer óbice à oferta de tais serviços de forma separada, se realizada mediante a apresentação de um preço justo e condizente com a prestação do serviço, o que afastaria a incidência da norma legal mencionada acima. Contudo, tais ofertas sempre são acompanhadas de uma proposta comercial tentadora financeiramente, o que leva ao consumidor à contratação de vários itens, ainda que esteja precisando de apenas um dos serviços. Observem: para que o consumidor tenha direito ao “preço tentador” (geralmente um excelente desconto) é indispensável a contratação de dois serviços! Assim, o condicionamento da prestação de um serviço a outro torna a oferta ilegal e contra as regras de consumo. Outro exemplo muito visto é a imposição realizada em contratos de financiamento habitacional, nos quais a instituição bancária obriga o contratante a adquirir um seguro por ela ofertado, ou ainda, exige que a contratação do seguro se dê necessariamente com um terceiro por ela indicado. Da mesma forma do exemplo anterior, não haveria conduta ilegal a exigência de contratação de seguro para o bem financiado, desde que o contratante tivesse a liberdade de escolha do segurador, podendo livremente pactuar a cobertura e optar, dentro das exigências do agente financeiro, por um contrato de seguro mais acessível. Por fim, o exemplo mais clássico é a proibição do consumo de produtos em salas de cinema que não tenham sido adquiridos nas bombonieres do local, vedando o consumidor ingressar nas salas de cinema com alimentos adquiridos em outros locais ou até mesmo de levá-los de casa. Vale frisar que a prática de venda casada, além de ilícita (contra a lei), é considerada crime contra as relações de consumo, previsto no art. 5º, II, da Lei nº 8.137/90, todavia, a análise quanto à ocorrência de venda casada é subjetiva e dependerá das nuances de cada caso. Insta finalizar consignando que o consumidor que se sentir lesado pela prática mencionada pode buscar as vias administrativas e judiciais para ver reparado o dano decorrente de tal conduta. Rovena Roberta S. Locatelli Dias, sócia de Carlos de Souza Advogados, especializada em Direito Civil, Médico, Comercial e Imobiliário. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/04/28/venda-casada-e-relacao-de-consumo/

O Plano de Recuperação Pelos Credores e o Risco da Falência do Devedor

O ordenamento jurídico permite que os credores apresentem plano de recuperação judicial em relação aquele que deve ser formulado pelo próprio devedor. A Lei nº 11.101/2005, por sua vez, o nomina como “plano alternativo”, o qual é tratado como uma faculdade dentro do processo judicial. A obrigação de apresentar o plano de soerguimento é sempre do devedor. Haverá possibilidade de se apresentar o indigitado plano alternativo na ocasião do devedor deixar de encaminhar o seu plano no prazo de lei, ou quando, mesmo apresentado, em Assembleia Geral de Credores for determinada sua reprovação, como se deu recentemente no processo de recuperação da Samarco Mineração, em que os credores, por votação majoritária, deliberaram pela reprovação do seu plano. Sem exaurimento do tema, cumpre pontuar que o plano de recuperação alternativo deve seguir determinados requisitos, sendo alguns deles, por exemplo, o prazo de sua apresentação em improrrogáveis 30 dias, e a demonstração dos meios para a reestruturação do negócio da empresa devedora com viabilidade econômica calcada em laudo técnico idôneo. Ainda, embora o plano alternativo possa prever a possibilidade de capitalização dos créditos e a consequente alteração do controle societário, não poderá gerar novas obrigações aos sócios da empresa devedora que não estejam preconizadas na lei ou em contratos anteriormente celebrados, bem menos ensejar sacrifício maior do que aquele que poderia ocorrer em caso de falência. Por isso mesmo, todas as formalidades legais devem ser respeitadas no plano alternativo, e o ponto saliente é que sempre haverá o risco direto de falência para o devedor caso deixe de cumprir os requisitos legais e jurídicos necessários, ou seja, se for rejeitado. Assim, duas conclusões são permitidas. A primeira, de que à luz da Lei nº 11.101/2005 com suas incrementações ao longo dos anos, nunca foi tão importante para o devedor trabalhar bem o plano de recuperação judicial que deve oferecer aos credores. A segunda, que os credores, diferentemente do que muitos imaginam, desenvolvem papel de centralidade no sistema das recuperações e falências no Brasil. Raphael Wilson Loureiro Stein é Associado do Escritório desde abril de 2019 e atua nas áreas: Consumidor, Contencioso Civil, Comercial e Recuperação de Empresas e Falência. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/04/27/o-plano-de-recuperacao-pelos-credores-e-o-risco-da-falencia-do-devedor/

Bolsonaro X STF – Caso Daniel Silveira

Acredito que quase todas as pessoas concordam que o deputado Daniel Silveira se excedeu nas palavras proferidas contra ministros do Supremo Tribunal Federal. De fato, ele falou muito mais do que se espera de um parlamentar. Contudo, exatamente por ser um parlamentar, a eventual punição do deputado deveria ficar restrita à Câmara dos Deputados, já que ele tem imunidade por suas expressões e palavras enquanto parlamentar. Este aspecto foi muito bem sustentado pelo ministro Nunes Marques, o único que absolveu o deputado. Filio-me a este entendimento e considero, sob a ótica constitucional, injusta a condenação do deputado. Justa ou injusta, a condenação deveria prevalecer? Sim, obviamente. Decisão judicial é para ser cumprida, sendo um dos pilares mais importantes do estado democrático de direito. Porém, poucas horas depois de o STF ter condenado Daniel Silveira a quase nove anos de prisão, o presidente Jair Bolsonaro expediu um decreto concedendo indulto individual ao deputado, também chamado de “graça”. O ato do presidente está fundamentado na Constituição Federal: artigo 84 – Compete privativamente ao Presidente da República: XII – conceder indulto (…). Portanto, não há que se falar que o presidente inventou alguma coisa da cabeça dele visando livrar o amigo da cadeia. Não seria absurdo o Presidente da República ter um poder absoluto tão grande a ponto de extinguir a punibilidade de um condenado? É um tema a ser refletido, sem dúvidas, mas o fato é que o nosso ordenamento constitucional traz essa possibilidade de indulto e assim tem ocorrido desde 1988. Mais: o indulto não é exclusividade do Brasil. Muitos países mundo afora adotam essa prática como sendo uma tradição do direito criminal, uma chance de um condenado ser perdoado pelo governante maior. No caso brasileiro, a Constituição foi criteriosa ao excluir certos crimes da possibilidade de receberem uma graça: a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem (artigo 5º, XLIII). Como o crime ao qual Daniel Silveira foi condenado não guarda nenhuma relação com aqueles insuscetíveis do recebimento da graça, é totalmente permitido o benefício. Apesar de muitos alegarem que teria sido imoral o decreto presidencial pelo fato de o presidente Bolsonaro ser aliado de Daniel Silveira, a questão é que a Constituição não traz nenhum limite ao poder desse tipo de perdão criminal, o qual se traduz num ato discricionário e ilimitado do mandatário maior, desde que, claro, sejam observados os trâmites formais para a concessão da graça. A graça presidencial tem, para muitos juristas, base histórica em um preceito bíblico muito valioso para os cristãos: a graça de Deus em favor do pecador, ao enviar Jesus para morrer na cruz e trazer o perdão dos pecados e a salvação da alma. Segundo essa linha de entendimento, a previsão da graça como norma nos países democráticos remonta ao ato divino de perdão para o homem. Pode o STF revogar o decreto presidencial? Se for seguida a norma constitucional, não. Recentemente, o próprio STF julgou questões semelhantes e, apesar de os casos terem se tratado de indultos coletivos, foi reforçado o total poder absolutório do Presidente da República em condenações criminais. Posto isto, ressalto que a palavra final sempre é do Judiciário e, por mais (outro) absurdo que seja, não será inesperado se o STF julgar irregular o decreto presidencial que extinguiu a punibilidade do deputado. A condenação de Daniel Silveira envolveu quase nove anos de prisão, multa e perda do mandato. Há uma discussão muito forte sobre se a graça presidencial abrange a perda do mandato. Sou da corrente que entende que sim, ou seja, que o mandato do deputado deve permanecer e ele ser elegível caso concorra neste ano, uma vez que a graça concedida foi plena. A graça extingue a punibilidade (art. 107, II do Código Penal), o que significa que o Estado perde a sua pretensão punitiva e que não há mais a possibilidade de se impor nenhuma pena ou sanção ao condenado. Sérgio Carlos de Souza, fundador e sócio de Carlos de Souza Advogados, autor dos livros “101 Respostas Sobre Direito Ambiental” e “Guia Jurídico de Marketing Multinível”, especializado em Direito Empresarial, Recuperação de Empresas e Ambiental. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/04/26/bolsonaro-x-stf-caso-daniel-silveira/

Autorização da Aplicação de Multas Através de Monitoramento por Vídeo

O Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN), por meio da resolução nº 909, de 28 de março do ano de 2022, consolidou e autorizou a fiscalização de trânsito por intermédio de videomonitoramento como prova para punição de condutores que descumprem as leis nacionais de trânsito, conforme competência que lhe foi atribuída pelo Código de Trânsito Brasileiro, em incisos I, VII e XI do artigo 12 e o § 2º do artigo 280. Inicialmente, destaca-se que o CONTRAN é o órgão máximo normativo e consultivo do Sistema Nacional de Trânsito, com o objetivo de elaborar diretrizes da Política Nacional de Trânsito e coordenar todos os órgãos do Sistema Nacional de Trânsito. Passado isso, cumpre trazer à memória que o assunto do presente texto já é tratativa antiga, tanto no Código de Trânsito Brasileiro, quanto em demais resoluções do CONTRAN. Em resumo, em 2013, o respectivo Órgão, no uso de suas atribuições, regulamentou, através da Resolução nº 471/2013, a fiscalização de trânsito por intermédio de videomonitoramento em estradas e rodovias, como meio de prova de infrações. Após isso, no ano de 2015, o Órgão supracitado, através da Resolução nº 532, incluiu a fiscalização por videomonitoramento também nas vias urbanas. Assim, embora a resolução nº 909 seja recente, o assunto não pode ser tratado como inovação no Código de Trânsito Brasileiro, devendo a respectiva resolução ser tratada como uma forma de consolidar todas as normas vigentes sobre o referido assunto em uma só. Com relação ao assunto central do presente artigo, é de se dizer que com a nova Resolução do CONTRAN, se faz possível a autuação de infratores de forma remota. Ou seja, além das câmeras e radares usados com o intuito de registrar infrações, os órgãos de trânsito terão mais um dispositivo para captar o descumprimento do que determina o Código de Trânsito Brasileiro, sendo essa ferramenta ainda mais aprimorada e efetiva. Entretanto, existem requisitos para que a “nova” fiscalização seja realizada nos parâmetros que a Lei determina, estando presentes no parágrafo único do artigo 2º e artigo 3º, ambos da resolução nº 909 do CONTRAN. Com relação aos requisitos, a autoridade ou o agente da autoridade de trânsito, responsável pela lavratura do auto de infração, deverá informar no campo “observação” a forma com que foi constatado o cometimento da infração. Em complementação, a fiscalização de trânsito mediante sistema de videomonitoramento somente poderá ser realizada nas vias que estejam devidamente sinalizadas para esse fim. Ou seja, desde que cumpridos os requisitos para tal ferramenta, os agentes responsáveis pela fiscalização de trânsito poderão aplicar as sanções cabíveis a todo momento, visto que o videomonitoramento pode ser feito 24 horas por dia, 7 dias por semana, causando então, maior segurança a todos que utilizam os serviços (pedestres, ciclistas, motoristas), responsabilidade e prudência aos condutores, posto estarem “vigiados” em tempo integral. Samuel Lourenço Kao Yien, associado de Carlos de Souza Advogados, atua na área de Direito Criminal. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/04/20/autorizacao-da-aplicacao-de-multas-atraves-de-monitoramento-por-video/

O Direito Em Caso De Morte Por Embriaguez Ao Volante

Definido por lei como o ato de matar alguém, o homicídio diz-se como doloso quando o agente mata com a intenção real de causar o resultado; já o homicídio culposo, é aquele em que não há intenção de matar, mas a morte se causa por imprudência, negligência ou imperícia. Ao longo de muitos anos, uma morte causada num acidente de trânsito sempre foi tratada como homicídio culposo, uma vez que, acreditava-se piamente, o condutor responsável pelo sinistro com morte não teve a vontade de matar ninguém, podendo, no máximo, ser caracterizado um ato de imprudência ou negligência ou, em certos fatos envolvendo motorista profissional, de imperícia. A diferença da pena é gritante: no homicídio doloso, a pena vai de seis a vinte anos de prisão, enquanto no culposo fica no intervalo de um a três anos de cadeia, podendo ir a quatro por acidente de trânsito. Implica dizer, portanto, que em regra o homicida culposo não é preso de fato, já que uma condenação menor do que quatro anos não leva ninguém para trás das grades. Com o passar do tempo, a jurisprudência e a doutrina foram construindo o conceito do dolo eventual, tomando como base a parte final do artigo 18 do Código Penal, que inclui no crime doloso o agente assumir o risco de produzir o resultado. Finalmente, em 2017 o Código de Trânsito inovou ao dispor que, quando o agente conduz veículo automotor sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência, o resultado morte terá uma pena de cinco a oito anos, além da suspensão ou proibição do direito de dirigir. A nova modalidade de crime, sob o título de homicídio com dolo eventual, consiste na hipótese em que o agente, mesmo não tendo a intenção deliberada de causar o resultado morte, assumiu o risco de produzir o homicídio ao dirigir sob efeito de substâncias que alucinam ou diminuem a capacidade de condução segura de um veículo automotor. Esse aumento da pena foi um alento para as famílias vitimadas, mas ainda está distante do objetivo de reprimir atos tão graves como uma morte causada pela irresponsabilidade e insensibilidade de alguém que dirige embriagado ou sob efeito de outras drogas, especialmente porque, não raramente, os processos criminais duram anos e há uma sensação, não totalmente errada por parte das famílias atingidas, de que o horror criminoso ficou impune e a sociedade continuará sob a ameaça do condutor que afrontou princípios básicos de convivência social. Uma outra questão que sempre surge quando casos assim acontecem: o criminoso terá o direito de responder ao processo em liberdade? Mesmo preso em flagrante e com sinais claros de embriaguez mesmo caso se recuse a fazer o teste do bafômetro, bastará ao infrator pagar uma pequena fiança e ir para casa? De fato, quando há uma prisão em flagrante, logo depois de ser detido, o mais comum é o agente pagar uma ligeira fiança e ir embora, podendo responder ao processo em liberdade. Geralmente assim acontece nos casos em que o atropelador não tenha antecedentes correlatos ao evento e se comprometa a comparecer às audiências e demais atos do processo. Em recente julgamento, o Superior Tribunal de Justiça – STJ decidiu que um motorista alcoolizado, conduzindo veículo automotor na contramão e em alta velocidade, e que provocou colisão de trânsito que resultou na morte de duas pessoas e em lesões corporais a uma terceira, tem o direito de responder ao processo em liberdade, devendo a Justiça aplicar outra medidas cautelares diversas da prisão diante do que foi decretada a sua prisão preventiva, a qual veio a ser substituída por medidas cautelares diversas da custódia preventiva, como por exemplo: comparecimento periódico em juízo; suspensão ou proibição do direito de dirigir; proibição de acesso ou frequência a determinados lugares; proibição de ausentar-se da Comarca sem informar à Justiça; recolhimento domiciliar no período noturno;  fiança; etc. (RHC 111220 SE 2019/0103871-9) O que se percebe é que a sociedade ainda não está totalmente segura com a solução legislativa, sendo pertinente o Congresso Nacional revisitar o assunto e buscar medidas mais eficazes para os casos concretos. Sérgio Carlos de Souza, fundador e sócio de Carlos de Souza Advogados, autor dos livros “101 Respostas Sobre Direito Ambiental” e “Guia Jurídico de Marketing Multinível”, especializado em Direito Empresarial, Recuperação de Empresas e Ambiental. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/04/19/o-direito-em-caso-de-morte-por-embriaguez-ao-volante/

Repercussões da Doação de Bem (ns) Inoficiosa

Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra (art. 538 do CC). A partir daí algumas dúvidas surgem sobre este tipo de contrato: qual o limite da disposição de meu patrimônio, ou, em outras palavras, o que e quanto eu posso doar? Pois bem, de acordo com o Código Civil (artigos 548 e 549), é nula a doação de todos os bens sem reserva de parcela necessária à sobrevivência de quem doa (também chamada de doação universal), bem como é nula quanto à parte que exceder o limite de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento (doação inoficiosa). Noutras palavras, não se pode dispor da integralidade dos bens para fins de doação, visando não comprometer a sobrevivência do doador, e, também, não se pode dispor dos bens de modo a violar a legítima dos herdeiros necessários. A pessoa que tenha herdeiros necessários só pode doar até o limite máximo da metade de seu patrimônio, considerando que a outra metade é a chamada “legítima” (art. 1.846 do CC) e pertence aos herdeiros necessários (descendentes, ascendentes, cônjuge e companheiro (a), conforme disposto no artigo 1.845 e entendimento adotado pelo STF na Repercussão Geral – Tema 809). E se um herdeiro necessário for contemplado com um bem imóvel que extrapola o limite de disposição patrimonial? A título de exemplo, André e Joana são irmãos, filhos de João que possui um patrimônio de R$ 100.000,00. João resolve doar um imóvel avaliado em R$ 70.000,00 para Joana, sendo que André participou da elaboração da escritura de doação na condição de interveniente. Neste caso, a doação foi inoficiosa, visto que atingiu a parte indisponível do patrimônio do doador, ferindo a legítima de André. Portanto, é nula a doação, mesmo que André tenha anuído. Qual a ferramenta jurídica que André poderá utilizar, posteriormente, para declarar a nulidade da doação que prejudicou a sua legítima? André poderá se valer da ação anulatória de doação inoficiosa, devendo exercer seu direito de ação no prazo prescricional de 10 (dez) anos. Por outro lado, se João doa para Joana um bem no valor de R$ 10.000,00, portanto, respeitando a legítima de André, nesta hipótese teríamos uma antecipação de herança, salvo se João dissesse o contrário no instrumento de doação (vide artigo 2.006 do Código Civil). De qualquer modo, em havendo o falecimento de João, aberta será a sucessão e os bens que formam o acervo patrimonial do falecido deverão ser objeto de inventário. Nesta oportunidade, o(s) bem(ns) recebido(s) em doação por um do(s) herdeiro(s) legítimo(s) deverá ser colacionado para igualar as legítimas, de modo que “um não receba mais que o outro”. E se a doação for inoficiosa e André não tiver exercido seu direito de ação no prazo legal? Aqui, a parte inoficiosa não será objeto da colação, mas de restituição ao patrimônio do doador falecido, pois houve nulidade nesta parte da liberalidade (art. 549 CC), que faz retornar o excesso ilegal ao patrimônio do então doador. Portanto, vimos em poucas linhas que são inúmeras as repercussões da doação de bens, que devem atender às formalidades previstas em lei, sob pena de invalidar o negócio jurídico. Nestes casos, é fundamental a orientação e participação de um advogado especialista não apenas para a elaboração do instrumento de doação, como também de um planejamento sucessório, importantíssimo instrumento preventivo que se utiliza de estratégias voltadas para a transferência eficaz e eficiente do patrimônio. David Roque Dias, associado de Carlos de Souza Advogados, especializado em Direito Civil, Contratos e Assuntos Societários. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/04/18/repercussoes-da-doacao-de-bem-ns-inoficiosa/

É Possível Desistir do Processo de Recuperação Judicial?

Pedir a desistência de um processo é direito previsto em lei, algo que para muitos pode até não ser novidade. É possível afirmar, categoricamente, que este direito pode ser exercitado a qualquer tempo por aquele que pediu uma recuperação judicial? Antes de responder a esta pergunta, precisamos buscar entender o que levaria a empresa recuperanda requerer a desistência, já que teria sido necessário elaborar estudo concreto capaz de identificar as causas da insolvência, reunir vários documentos, contratar o advogado de confiança, e o principal, apresentar o plano de soerguimento propriamente dito. Empreender ajustes extrajudiciais com os credores em relação aos créditos em discussão no processo de recuperação judicial pode ser o motivo para tal desistência, ou, ainda, o fato de a empresa ter conseguido obter, a exemplo do empréstimo bancário, o dinheiro que lhe permitirá pagar a dívida sem maiores riscos. Feito este adendo elucidativo, precisamos dizer que sim, é possível realizar o pedido de desistência do processo de recuperação judicial. Tal pedido deve ser formal, através do advogado habilitado no caso, e deverá conter os esclarecimentos ao juiz a seu respeito, porque por vezes processos desta natureza decorrem de complicados e milionários endividamentos. Contudo, este pedido tem de ser feito no tempo adequado. A lei brasileira diz que se o devedor entrar com o pedido de recuperação judicial perante o Poder Judiciário, poderá pedir a desistência desde que o juiz não o tenha deferido. Por deferimento do pedido, deve-se entender a decisão que atesta a sua regularidade, ocasião em que, dentre outras coisas, ocorre a suspensão das ações e execuções contra o devedor, é nomeado Administrador Judicial, ouvido o Ministério Público e é expedido edital para cientificar os credores. Então, se o pedido de desistência foi feito antes do deferimento do pedido de recuperação judicial, o juiz o homologará e o processo deixará de existir. Entretanto, feito o pedido de desistência depois do deferimento da recuperação judicial, a sua aceitação ficará condicionada à vontade da maioria dos credores que deverão votar o pedido em Assembleia Geral de Credores a ser designada para esta finalidade. Sem aprovação pelos credores, o pedido de desistência é indeferido, e o processo de recuperação deverá seguir, tendo o devedor toda a responsabilidade legal pelo seu bom andamento, sob pena até mesmo de ser decretada sua falência. A opção do legislador de regular isso de forma expressa na norma – artigos 52, § 4º, 35, I, “d”, da Lei nº 11.101/2005 – visou trazer mais seriedade ao sistema falimentar brasileiro, corrigindo impropriedades de legislações passadas. Desse modo, é extremamente importante ao empreendedor não só ter o direito de pedir a recuperação judicial para poder “dar a volta por cima” e superar a crise econômico-financeira em que se metera, outrossim, saber como e quando poderá desistir sem maiores complicações. Raphael Wilson Loureiro Stein é Associado do Escritório desde abril de 2019 e atua nas áreas: Contencioso Civil, Comercial e Recuperação de Empresas e Falência. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/04/13/e-possivel-desistir-do-processo-de-recuperacao-judicial/

Indenização Por Fraude Em Aplicativos

Os aplicativos, ou somente “apps”, invadiram a vida dos brasileiros. Finanças, redes sociais, comunicação, viagens, ginástica, saúde, lazer, jogos, compras, quase tudo é possível ser feito a partir de um aplicativo baixado num celular ou tablet. Com a mudança no consumo, na maneira como as pessoas fazem negócios e, de certa forma, vivem, cada vez mais de forma eletrônica, o crime não poderia deixar de avançar para os aplicativos. São fraudes cada vez mais sofisticadas e que deixam os usuários completamente expostos a perderem dinheiro e amargarem prejuízos. A questão que surge, portanto, é: quem responde por fraudes em aplicativos? Será que o usuário tem que sofrer todos os prejuízos que experimentar por conta de fraudes em aplicativos que utiliza, nas ocasiões em que criminosos surrupiam os seus dados pessoais e financeiros e aplicam golpes que, não raramente, exterminam economias, valores e até levam as pessoas a ficarem com dívidas elevadas? Naturalmente cada caso precisa ser analisado à luz de todas as suas particularidades e nuances. Contudo, o que a Justiça tem entendido, em grande parte dos processos, é que, ao disponibilizar um aplicativo que coleta dados financeiros ou custodia valores, a empresa deve garantir a segurança das operações realizadas em tal plataforma, sendo responsável, portanto, por eventuais falhas e invasões. As fraudes ocorrem, em sua grande maioria, por invasões executadas pelos chamados “hackers” do submundo da tecnologia, que, mesmo com travas de segurança implantadas pelas empresas donas dos aplicativos, conseguem ultrapassar as barreiras, entrar na privacidade patrimonial do usuário e roubar dados, dinheiro e utilizar como bem quiser. Outro tipo de fraude acontece quando um celular é furtado ou roubado, não sendo difícil um bandido conseguir burlar senhas e acessar os aplicativos existentes no dispositivo. Tem sido muito comum as pessoas receberem links através de mensagens por SMS e WhatsApp. Outro golpe também usual é o criminoso enviar mensagens se passando pela pessoa vitimada e pedindo dinheiro para os seus contatos. Em quaisquer hipóteses, a defesa das empresas donas dos “apps” se sustenta no fato de que o usuário não tomou os devidos cuidados ao guardar os seus dados e dispositivos, ou até mesmo quando clicou em um link desconhecido e permitiu a invasão. A defesa dos empresários não é desarrazoada. Há sentido e bom senso em parte do que afirmam as empresas, que também não podem ficar inteiramente à mercê do crime eletrônico cada vez mais aperfeiçoado. Entretanto, a Justiça tem pendido muito para o lado mais fraco, o do usuário. Segundo a posição de diversas decisões judiciais, cabe sempre à empresa dona do aplicativo a obrigação de comprovar que a causa da fraude foi algum tipo de descuido do usuário, e não a ausência de segurança na tecnologia do aplicativo. Qual a importância da questão do ônus da prova em toda essa discussão? Valendo o entendimento de juízes como exposto no parágrafo anterior, a empresa, e não o usuário, é que terá o dever de demonstrar que a culpa pelo ocorrido foi uma falha do próprio cliente, e não da segurança do aplicativo. Empresas de e-commerce também têm sido condenadas com base no entendimento de que os sistemas de utilização e de pagamentos digitais devem propiciar segurança. E, dentro dessa expectativa, devem também ser capazes de evitar fraudes e golpes. Se a empresa não conseguir demonstrar a culpa do usuário, poderá atrair para si o risco de arcar com todos os prejuízos das fraudes executadas em desfavor do cliente, já que, de fato, o que existe é uma relação de consumo sujeita ao Código de Defesa do Consumidor, que remete ao cliente a situação de lado mais fraco. As fraudes eletrônicas são um preço que está sendo pago pela modernidade. Vale a pena pagar? Acredito fortemente que sim, já que, sem os aplicativos e a vida eletrônica, muitos dos benefícios hoje alcançados não estariam disponíveis. Sérgio Carlos de Souza, fundador e sócio de Carlos de Souza Advogados, autor dos livros “101 Respostas Sobre Direito Ambiental” e “Guia Jurídico de Marketing Multinível”, especializado em Direito Empresarial, Recuperação de Empresas e Ambiental. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/04/12/indenizacao-por-fraude-em-aplicativos/