O Que Fazer em Caso de Perda ou Extravio da Carteira de Trabalho?

A Carteira de Trabalho e  Previdência Social – CTPS é um documento que registra a relação de emprego do trabalhador e por esta razão impacta na vida do cidadão das mais diversas formas, não somente para fins de registro do período do trabalho, salário, função mas também repercute na prática de vários atos da vida comum, como por exemplo, a realização de financiamentos de todo tipo, comprovação de renda para diversas finalidades, dentre outras inúmeras hipóteses, considerando que referido documento consta todo seu histórico de trabalho (tempo de permanência nos locais que passou, seu crescimento profissional, viabilizar recebimento do seguro-desemprego bem como FGTS). Porém, por ser um documento que muitos ainda o tem na modalidade física (impressa), é corriqueiro ocorrer a perda, extravio, furto, seja pelo trabalhador ou até mesmo pelo empregador que, por vezes, perde a CTPS ou não a devolve ao trabalhador, situação que pode inclusive gerar indenização por danos morais a depender da situação concreta e o prejuízo amargado pelo empregado, considerando ser dever do empregador cuidar da CTPS enquanto com ele estiver. Alguns Tribunais Trabalhistas entendem que o extravio de CTPS pelo empregador gera ofensa à dignidade do trabalhador, principalmente quando existe a perda das informações de todo o histórico profissional do empregado, atrapalhando, por exemplo, a imagem do empregado perante o comércio, bancos para financiamentos e até mesmo perante novo empregador. Nesse contexto, a primeira orientação que se dá é realizar o boletim de ocorrência. Feito isto, deverá providenciar a 2ª via que atualmente está sendo emitida de forma eletrônica, podendo ser consultada via aplicativo de celular ou site de internet. Então, o trabalhador baixará sua CTPS digital, sendo importante verificar se aparecem todos os registros dos locais em que o empregado trabalhou e, se porventura faltar algum dado ou se alguma informação não conferir com a realidade, poderá solicitar que o empregador ou antigo empregador faça/corrija o registro. A Instrução normativa nº 77/2015 do INSS no artigo 10º prevê que o empregado poderá separar/apresentar os documentos que comprovem o vínculo de emprego, tais como (ficha de registro, contrato de trabalho, termo de rescisão do contrato de trabalho, contracheque, extrato de FGTS, etc) e solicitar que o INSS averbe tais documentos para evitar que o empregado tenha prejuízo com a ausência de registro de algum período do contrato de trabalho, seja para fins de aposentadoria, recebimento de benefício previdenciário, entre outros. Por isso, é importante que o empregado sempre guarde seus documentos funcionais pois, caso não apareça alguma informação na nova CTPS digital, de posse dos mesmos, o empregado poderá solicitar a anotação diretamente no INSS caso o empregador não faça ou corrija determinado erro. Convém ainda lembrar que o artigo 55 da Lei 8213/91 permite a realização de prova testemunhal para a comprovação do período do vínculo de emprego, mas repita-se, importante que também se tenham documentos. Rodrigo Silva Mello e Roberta Conti R. Caliman, sócios de Carlos de Souza Advogados, são especializados em Direito Trabalhista. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/02/08/o-que-fazer-em-caso-de-perda-ou-extravio-da-carteira-de-trabalho-2/

Discordância dos Pais/Responsáveis com Respeito à Vacinação de Crianças

De acordo com a lei vigente no país, especificamente o Estatuto da Criança e do Adolescente o Sistema Único de Saúde promoverá programas de assistência médica para a prevenção das enfermidades que ordinariamente afetam a população infantil, e campanhas de educação sanitária para pais, educadores e alunos e ainda determina que é obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias. A Anvisa, recentemente, liberou o uso de vacinas contra a Covid19 para crianças e adolescentes, e ato contínuo o SUS disponibilizou as vacinas, incluindo-as no Plano Nacional de Imunização (PNI), sem, contudo, estabelecer expressamente qualquer obrigatoriedade e/ou recomendação que determine a imunização de tal grupo, razão pela qual é possível nos depararmos com debates e ainda litígios envolvendo os pais e responsáveis pelas crianças e adolescentes a respeito da decisão quanto à efetiva vacinação. O fato é que pode ocorrer discordância entre os pais, ou responsáveis, que compartilham as decisões a respeito de diversos aspectos da vida dos filhos comuns, e quanto à decisão de imunização contra a Covid19 não tem sido diferente. Como proceder quando esse tipo de conflito é constatado? Verificada a divergência a respeito da decisão, cumpre aos pais/responsáveis que compartilham a guarda (em caso de divórcio) e as decisões a respeito da vida das crianças e adolescentes, e não havendo acordo amigável, recorrer ao Poder Judiciário a fim de que um juiz decida, com base em aferição técnica – que pode ser por perícia médica, laudos pediátricos e artigos científicos, enfim, todo o arcabouço que auxilie a análise do caso específico pelo magistrado- quanto à vacinação da criança/adolescente no caso concreto. A mesma sistemática se aplica para as famílias que abrigam e têm a guarda comum da criança, quando não há divórcio, embora seja algum incomum. Vale lembrar que, em recente decisão proferida por magistrado de uma das varas de infância e juventude do estado de São Paulo, foi citado o Enunciado 26 do Fórum Nacional de Justiça Protetiva (estabelece que os pais podem responder por infração administrativa nos termos do ECA caso decidam não vacinar os filhos), bem como recente decisão do STF, que pontuou que “o poder familiar não autoriza que os pais, invocando convicção filosófica, coloquem em risco a saúde dos filhos (CF/1988, arts. 196, 227 e 229) (melhor interesse da criança)”, com a fixação da seguinte tese: “É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, (i) tenha sido incluída no Programa Nacional de Imunizações, ou (ii) tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei ou (iii) seja objeto de determinação da União, Estado, Distrito Federal ou Município, com base em consenso médico-científico. Em tais casos, não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar”. Diante do exposto, e sem fixar aqui qualquer tese ou argumento técnico científico a respeito da controvérsia, mas somente se atendo à abordagem jurídica desse conflito familiar, recomenda-se que na hipótese de ser estabelecido tal dissenso entre os pais seja esta questão, caso não haja solução amigável, conduzida à apreciação do Poder Judiciário. Chrisciana Oliveira Mello, sócia de Carlos de Souza Advogados, aluna especial do curso de mestrado em Processo Civil da Universidade Federal do Espírito Santo. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/02/07/discordancia-dos-pais-responsaveis-com-respeito-a-vacinacao-de-criancas/

Micro e Pequenos Empresários Devem Proteger Seu Patrimônio

De acordo com informações divulgadas pelo SEBRAE, a participação das as microempresas e empresas de pequeno porte nos negócios brasileiros aumentou em 30% até 2021 e tais empresas são responsáveis por 78% dos empregos gerados no Brasil. Da leitura dos dados depreende-se que as micro e pequenas empresas desempenham um relevante papel e contribuem para fazer girar a economia brasileira. Por outro lado, 6 em cada 10 empresas fecham nos primeiros 5 anos, muitas delas de forma irregular por mera falta de informação do empresário. Nesse cenário, principalmente o micro e o pequeno empresário devem ter a cultura da prevenção e tomar cuidados que podem evitar a invasão de seu patrimônio pessoal em caso de débitos tributários da pessoa jurídica. Isso porque, embora as empresas, em sua maioria, sejam constituídas com a responsabilidade limitada ao patrimônio da pessoa jurídica, algumas condutas podem levar à responsabilização do sócio. Assim, o empresário deve estar atento para que não haja confusão entre o patrimônio do sócio e da empresa, evitando-se o pagamento de contas pessoais com o caixa da empresa, e vice-versa, evitando-se a configuração da fraude e, até mesmo, de crime contra a ordem tributária. A contabilidade deve ser mantida em boa ordem e os documentos que fundamentaram a apuração dos impostos, contribuições devidos, bem como as obrigações acessórias, devem ser guardados pelo prazo decadencial e enquanto não tiver decorrido o prazo prescricional. Tais medidas têm como objetivo afastar a responsabilidade do sócio por eventual débito tributário. De acordo com o Código Tributário, a responsabilidade será transmitida ao sócio administrador quando o crédito corresponder a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos. Aconselha-se que todos os atos sejam documentados para que não se configure excesso de poderes ou infração por parte do sócio. Outro fato que leva à responsabilidade pessoal do sócio é a dissolução irregular da sociedade, que se configura quando a empresa fecha as portas sem que seja feita a devida baixa. Poucos sabem que a microempresa ou empresa de pequeno porte pode ser baixada regularmente mesmo que possua dívidas tributárias, previdenciárias ou trabalhistas, principais ou acessórias, do empresário, da sociedade, dos sócios, dos administradores ou de empresas de que participem, nos termos previstos no artigo 9o da Lei Complementar no 123/2006. Dessa forma, a proteção mais eficaz para o patrimônio do sócio é a adoção de medidas no cotidiano da atividade empresarial, que previnam a transferência da responsabilidade tributária pelas obrigações de titularidade da pessoa jurídica para a pessoa física. Mariana Martins Barros é advogada tributária, sócia coordenadora da área tributária do Escritório Carlos de Souza Advogados e membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/ES. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/02/04/micro-e-pequenos-empresarios-devem-proteger-seu-patrimonio-2/

Prevenção Jurídica no Marketing Multinível

Sou um forte defensor da prevenção. No livro Guia Jurídico do Marketing Multinível, criei este título, Plano de Prevenção Jurídica – PPJ, para estimular o planejamento e a cautela envolvendo questões relacionadas ao campo do Direito. No marketing multinível, essa atenção deve ser ainda mais reforçada. Empresários, líderes e demais operadores do MMN sabem muito bem a repressão que comumente sofrem contra as suas atividades. Claro que isso, em grande parte, é causado por pessoas que cometeram atitudes ilegais e acabaram criando um certo estigma no segmento do MMN, como se tudo fosse ilegal. Indivíduos mal-intencionados existem em todos os setores da economia e profissões, nas esferas pública e privada. Contudo, no MMN, o cuidado a se tomar deve ser maior por conta de diversos problemas já ocorridos e da linha tênue que separa o MMN de uma pirâmide financeira. Por essa razão, é essencial que se adotem medidas preventivas e efetivos planos de legalidade. Diversos são os problemas advindos da atividade empresarial. Porém, a depender do ramo das operações exercidas, algumas demandas são muito mais constantes, e somente uma prevenção jurídica será capaz de estabelecer parâmetros e formas de modo a diminuir os riscos do negócio. Dados mostram que mais da metade das micro e pequenas empresas quebra por falta de um planejamento jurídico e empresarial, tornando a atividade inviável em decorrência de uma demanda judicial ou uma autuação administrativa com aplicação de pesadas penalidades por violação de diversas normas criminais, regulatórias, consumeristas, trabalhistas, tributárias, entre diversas outras. Portanto, ao que já desponta como empreendedor de atividade que utiliza o marketing multinível como estratégia, ou ao que está planejando lançar a sua empresa, o conselho é que faça um plano de prevenção jurídica. Sérgio Carlos de Souza, fundador e sócio de Carlos de Souza Advogados, autor dos livros “101 Respostas Sobre Direito Ambiental” e “Guia Jurídico de Marketing Multinível”, especializado em Direito Empresarial, Recuperação de Empresas e Ambiental. Artigo publicado no Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/02/03/prevencao-juridica-no-marketing-multinivel-3/

Os Efeitos da Ausência ou Insuficiência de Bens do Devedor na Falência

Uma vez decretada a falência, seus efeitos incidem diretamente sobre a pessoa jurídica e a sociedade falida. A partir disto, esforços deverão ser concentrados para reunir e transformar o patrimônio arrecadado do devedor em dinheiro, através do processo de realização do ativo, para pagar os credores. Por isso, o processo falimentar precisa ser célere, visando evitar que a passagem do tempo impeça a falência de alcançar seu bom termo, que, em linhas gerais, é forjada na ideia justa da necessidade de se pagar os credores. Entretanto, indagamos: como fica o processo falimentar se não existirem bens para serem arrecadados/vendidos, ou os que existirem forem insuficientes ao pagamento dos credores? Esta pergunta tem tudo a ver com a realidade existente no sistema falimentar brasileiro, no qual nem sempre é possível olhar a falência com a certeza de que através dela créditos serão pagos. Anteriormente, o Decreto-Lei nº 7.661/45 trazia dispositivo abordando este assunto. A Lei nº 11.101/2005, que o substituiu, hoje em vigor, nada previu a respeito, senão até a chegada da recente Lei nº 14.112/2020, trazendo tratamento da matéria no artigo 114-A. Portanto, hoje a regra legal é a de que se o administrador judicial não encontrar bens suficientes do devedor dentro da falência, após ouvido o Ministério Público, será publicado edital com prazo de 10 dias para que qualquer interessado apresente manifestação sobre a arrecadação de bens. Dentro deste período, um ou mais credores poderão requerer o prosseguimento da falência, desde que paguem caução, isto é, apresentem ao juiz da causa quantia necessária para as despesas decorrente do trabalho a ser desempenhado pelo administrador judicial. Esta quantia é fixada pelo próprio juiz. Sem que seja prestada esta caução, e o processo de falência não se paga sozinho, considerando-se a suspeita de que não existam ativos pelo devedor falido, o entendimento legal é o de que, neste caso, inexistem recursos necessários ao custeio das despesas do processo de arrecadação de bens na falência, hipótese que porá fim ao seu processamento. A falta da prestação da caução não revoga a falência anteriormente decretada ao devedor. A condição de devedor falido se mantém. Porém, além de gerar, como visto, a finalização do seu processo falimentar, também constitui causa de eliminação de suas obrigações, conforme prevê o inciso VI, do artigo 158, conjugado com o artigo 159, ambos da Lei nº 11.101/2005, desde consiga demonstrar a ausência de dívida tributária, na forma do artigo 191, da Lei nº 5.172/1966. Raphael Wilson Loureiro Stein é Associado do Escritório desde abril de 2019 e atua nas áreas: Contencioso Civil, Comercial e Recuperação de Empresas e Falência. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/02/02/os-efeitos-da-ausencia-ou-insuficiencia-de-bens-do-devedor-na-falencia/

Condenação Criminal de Executivos

Há diversos tipos penais que podem alcançar sócios e gestores no desempenho de suas funções empresariais. Crimes ambientais, licitatórios, de informática, lavagem de capitais, contra a ordem econômica, o sistema financeiro, a ordem tributária, as relações de consumo, a propriedade industrial e o mercado de capitais são alguns ligados à atividade empresarial. Como medida preventiva, o primeiro passo é os executivos buscarem estar informados a respeito desse arcabouço legal que, não raramente, afeta pessoas que, ignorando a legislação, agiram sem saber que estavam cometendo um delito penal. A questão é que não há escusa legal por desconhecimento da norma. Portanto, no veio preventivo, é importante sócios e gestores terem informações legais sobre tudo o que envolve as suas respectivas atividades no contexto empresarial. Umas das ferramentas que podem ser utilizadas é o compliance criminal. Leia-se como compliance criminal, o trabalho de advogados destinado a analisar o modus operandi da empresa, seus executivos e prepostos, identificar eventuais brechas no cumprimento da lei criminal e propor as correções necessárias. O compliance criminal deve se constituir num sistema de contínua avaliação de condutas. É importante destacar que, com exceção de crimes ambientais, na esfera penal a empresa jamais pode ser ré (acusada) num processo; a responsabilidade cai sempre sobre a pessoa física, notadamente os gestores e sócios. Pior: mesmo que o delito tenha sido praticado por um empregado, é possível que o gestor também seja responsabilizado criminalmente, como tem entendido a jurisprudência. Como exemplo, cito decisão do Tribunal Federal da 4ª Região : “(…) a responsabilidade penal dos administradores pode resultar tanto de haverem praticado o fato delituoso quanto de haverem permitido que ele ocorresse, se tinham a obrigação e a possibilidade concreta de evita-lo”. Pesquisa feita pelo escritório Viseu Advogados, de São Paulo, traçou um retrato de ações criminais envolvendo executivos em questões ligadas à atividade empresarial. A pesquisa fez a análise de 216 decisões de tribunais brasileiros, verificando o alto índice de condenações: foram 176 condenações, 24 absolvições e 16 prescrições. Para a coordenadora da pesquisa, Carla Rahal, “a exigência de agilidade na tomada de decisões, expõe os administradores e executivos a riscos que podem comprometer, além do seu patrimônio pessoal, a sua liberdade”. Naturalmente que, mesmo adotando as medidas preventivas necessárias, o executivo sempre estará sujeito a acusações injustas ou que deixem de observar o devido processo legal. Fato é que, tendo ou não cometido um erro, a pessoa sempre deve ter em seu favor a firme observância do princípio do Direito de Defesa: o princípio do Direito de Defesa estabelece que todos têm direito a uma defesa de qualidade, à observância do princípio da presunção da inocência, ao pleno acesso à Justiça e a um processo justo. Tudo isso independentemente de ser culpado ou inocente, ou do fato pelo qual está sendo acusado. A presunção de inocência é a garantia de que ninguém, mesmo diante das mais fortes evidências, poderá ser tido como culpado ou condenado antes do julgamento final do processo. Sérgio Carlos de Souza, fundador e sócio de Carlos de Souza Advogados, autor dos livros “101 Respostas Sobre Direito Ambiental” e “Guia Jurídico de Marketing Multinível”, especializado em Direito Empresarial, Recuperação de Empresas e Ambiental. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2021/12/30/condenacao-criminal-de-executivos-2/

Nova Lei Mariana Ferrer e o “Estupro Culposo”

Em novembro do ano de 2021 foi publicada a nova Lei nº 14.245/2021, popularmente conhecida como a Lei Mariana Ferrer, que traz alterações no Código Penal Brasileiro, no Código de Processo Penal e na Lei dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/95). O principal intuito da lei é diminuir a prática de atos contra a dignidade da vítima e de testemunhas, bem como aumentar a pena de infrações de coação no curso do processo. Para melhor entendimento das alterações trazidas pela nova Lei, se faz necessário demonstrar o caso Mariana Ferrer. Em suma, Mariana acusou o empresário André de Camargo Aranha de dopa-la durante uma festa, em Florianópolis, no ano de 2018. Após dopa-la, foi acusado também de ter praticado relações sexuais enquanto Mariana estava sob o estado de vulnerabilidade sem qualquer capacidade de resistência. No julgamento, o empresário foi absolvido, tendo o Ministério Público, após apresentação de denúncia, mudado sua posição no decorrer do processo, sob o argumento de não haver provas suficientes da materialidade do delito, e por consequência, que o empresário era inocente, assim, não caracterizando o crime de estupro, em afirmação ao princípio do “in dubio pro reo”, isto é, na dúvida julga-se a favor do réu. Em contrapartida, a defesa se baseou na ocorrência do consentimento de Mariana Ferrer. Assim, se houvesse a caracterização do estupro, que fosse classificado na modalidade culposa, ou seja, sem qualquer intenção, popularmente conhecido como “estupro culposo”, expressão utilizada pela mídia nacional após conclusão das investigações, o que de fato não existe, visto que, o estupro somente acontece quando há intenção, ou seja, não havendo previsão na modalidade culposa. Assim, como não há possibilidade da ocorrência do estupro culposo na legislação brasileiro, não seria possível a condenação ao suposto crime. Em conclusão, a defesa argumentou não ser possível provar a vulnerabilidade da vítima, pelo fato de os exames toxicológicos demonstrarem que Mariana não estava embriagada, nem ao menos sob influência de alguma outra substância. Após contextualização breve do assunto, volta-se às alterações trazidas pela Lei Mariana Ferrer. Uma das alterações foi no Código Penal, no artigo 344, passando a vigorar o acréscimo do parágrafo único, onde de acordo com a nova redação, há o aumento de pena se o processo envolver crime contra a dignidade sexual. Outra alteração trazida foi no Código de Processo Penal, passando a vigorar os artigos 400-A e incisos e 474-A e incisos. Tais acréscimos tiveram como base o necessário cuidado com a integridade física e psicológica da vítima nos processos que envolvam os crimes contra a dignidade sexual, visto que, como ocorreu na audiência de instrução e julgamento do caso Mariana Ferrer, houve a suspeita do excesso por parte do advogado de defesa, bem como suposta omissão por parte do juiz. Com relação às alterações trazidas na Lei nº 9.099, de setembro de 1995, se demonstra o acréscimo do §1º-A, artigo 81, explicitando que durante a audiência, todas as partes envolvidas no processo deverão respeitar a dignidade da vítima, sob pena de responsabilização civil, penal e administrativa. Assim, a partir de um caso em específico se viu a necessidade da criação de uma lei que acrescentasse o cuidado com a vítima nos processos que envolvam assuntos relacionados à sua dignidade. Entretanto, essa não foi a primeira norma a tratar sobre o assunto, posto que, a lei nº 11.690 do ano de 2008, incluiu no Código de Processo Penal, no § 6, artigo 201, a proteção e garantia ao ofendido a preservação da sua intimidade, vida privada, honra e imagem, sendo considerada por alguns legisladores até mais objetiva que as previsões trazidas na Lei Mariana Ferrer. Samuel Lourenço Kao Yien, associado de Carlos de Souza Advogados, atua na área de Direito Criminal. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2021/12/29/nova-lei-mariana-ferrer-e-o-estupro-culposo/

Atrasos de Pagamento do FGTS e a Rescisão Indireta do Contrato de Trabalho

Constantemente nos deparamos com situações em que o empregador, em razão de dificuldades financeiras, deixa de efetuar o depósito dos valores devidos a título de FGTS de seus empregados. No entanto, embora a prática seja comum, os efeitos negativos decorrentes do ato perpetrado pelo empregador, podem ser ainda mais nocivos e autorizarem, inclusive, a declaração de rescisão indireta do contrato de trabalho. Isso porque, o art. 483 da CLT prevê que o empregado poderá considerar rescindido o contrato de trabalho em diversas hipóteses, inclusive quando o empregador descumprir as obrigações do contrato (alínea “d”). Conforme disposto no art. 15 da Lei 8.036/1990, todos os empregadores estão obrigados a depositar, em conta bancária vinculada, a importância correspondente a 8% da remuneração paga ou devida, no mês anterior, a cada empregado. Logo, é evidente que a efetivação dos depósitos de FGTS na conta vinculada do empregado constitui obrigação do empregador em razão do contrato de trabalho. Assim, a ausência de regularidade de depósitos de FGTS na conta vinculada do empregado, pode autorizar o pedido de reconhecimento da rescisão indireta do contrato de trabalho com base no art. 483, “d” da CLT. É verdade que existem decisões proferidas pela Justiça do Trabalho no sentido de que eventuais atrasos de depósitos de FGTS não configuram a justa causa do empregador capaz de autorizar o reconhecimento da rescisão indireta do contrato de trabalho, sob o argumento de que a conta vinculada, de forma geral, somente poderá ser movimentada pelo trabalhador após a extinção do contrato de trabalho e, em sendo assim, a falta praticada pelo empregado não poderia ser considerar como grave o suficiente para tornar insuportável a manutenção do vínculo empregatício. No entanto, recente decisão proferia pela 8ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST RRAg 1176-08.2012.5.17.0077), reformando sentença proferida pelo Juízo da 77ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, que havia julgado improcedente o pedido de reconhecimento de rescisão indireta do contrato de trabalho formulado pelo empregado em razão do atraso de depósitos de FGTS, entendeu que, ao contrário, os atrasos nos depósitos de FGTS representam falta grave cometida pelo empregador capaz de ensejar a rescisão indireta do contrato de trabalho com base na alínea “d” do art. 483 da CLT. Na oportunidade, a Ministra Relatora ressaltou que a jurisprudência do TST se posiciona no sentido de que a ausência de regularidade no recolhimento dos depósitos de FGTS pelo empregador configura ato faltos, de gravidade suficiente para autorizar o reconhecimento da rescisão indireta do contrato de trabalho. Portanto, é importante que o empregador esteja atento ao fato de que a prática de atrasar depósitos de FGTS de seus empregados, além de representarem infração administrativa, ainda autorizam o pedido de reconhecimento de rescisão indireta do contrato de trabalho, devendo o empregador, uma vez reconhecida a rescisão indireta, efetuar os depósitos em atraso, além de realizar o pagamento das verbas rescisórias devidas ao empregado. Da mesma forma, é necessário que o empregado tenha o hábito de verificar a regularidade dos depósitos de FGTS em sua conta vinculada, uma vez que, como visto, a ausência de depósitos representa falta grave praticada pelo empregador capaz de autorizar o reconhecimento da rescisão indireta do contrato de trabalho, obrigando o empregador, além do pagamento dos depósitos em atraso, a efetuar o pagamento das verbas rescisórias devidas. Rodrigo Silva Mello e Roberta Conti R. Caliman, sócios de Carlos de Souza Advogados, são especializados em Direito Trabalhista. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2021/12/28/atrasos-de-pagamento-do-fgts-e-a-rescisao-indireta-do-contrato-de-trabalho/