É Possível Ajuizar Ação de Prestação de Contas Por Quem Paga Pensão Alimentícia?

A pensão alimentícia (juridicamente denominada como “alimentos”) é o valor pago a uma pessoa para o suprimento de suas necessidades básicas de sobrevivência e manutenção, devendo abranger, também, os custos com moradia, vestuário, educação, saúde, entre outras despesas. Em Direito de Família a obrigação de prestar alimentos é decorrente do parentesco ou da formação de uma família (matrimonial ou união estável, sendo devida àqueles que não possuem bens suficientes, nem podem prover, pelo seu trabalho, à própria mantença. No que se refere à pensão alimentícia paga aos filhos menores, recentemente o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu ser possível que o alimentante (quem paga a pensão alimentícia) promova ação para exigir contas (prestação de contas) contra o guardião do menor/alimentado (quem recebe a pensão alimentícia) para obtenção de informações acerca da destinação da pensão paga mensalmente. O Código Civil dispõe que a guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos. Veja, portanto, que o objetivo da norma consiste em assegurar a obtenção de informações e/ou prestação de contas sobre o destino da verba prestada mensalmente por quem não detém a guarda do alimentado. Desse modo, não se pode negar ao alimentante não-guardião o direito de averiguar se os valores que paga a título de pensão alimentícia estão sendo realmente dirigidos ao beneficiário e voltados ao pagamento de suas despesas e ao atendimento dos seus interesses básicos fundamentais, sob pena de se impedir o exercício pleno do poder familiar. Não se trata de apenas interesse jurídico, mas também de um dever legal do genitor alimentante de acompanhar os gastos com o filho alimentado que não se encontra sob a sua guarda, fiscalizando o atendimento integral de suas necessidades, materiais e imateriais, essenciais ao seu desenvolvimento físico e psicológico, aferindo o real destino do emprego da verba alimentar que paga mensalmente. Com isso, é possível ver como esse dinheiro está sendo aplicado para atender as necessidades do filho. Ou seja, não justifica a propositura de ação dessa natureza para o eventual acertamento de contas, perseguições, provocações ou picuinhas com o guardião, devendo ela ser dosada (frise-se: a finalidade deve ser a obtenção de informações sobre a destinação da pensão paga mensalmente), ficando vedada a possibilidade de apuração de créditos, pois os alimentos são irrepetíveis, ou seja, é impossível juridicamente a restituição, caso sejam considerados indevidos. Em suma, o STJ firmou entendimento no sentido de que a pessoa (alimentante) pode ajuizar a ação de exigir contas em desfavor do guardião, mas não com o objetivo de obter o reconhecimento de eventual crédito. Mesmo que fique demonstrado que a mãe/pai não estava empregando todo o dinheiro para o filho, isso não gerará um crédito em favor do pai/mãe. Isso porque o objetivo é resguardar os interesses do alimentando, corrigindo os rumos, dali por diante, caso ele esteja sendo desassistido. David Roque Dias, associado de Carlos de Souza Advogados, especializado em Direito Civil, Contratos e Assuntos Societários. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2021/12/27/e-possivel-ajuizar-acao-de-prestacao-de-contas-por-quem-paga-pensao-alimenticia-2/

O Salário Pode Ser Penhorado Por Dívidas?

A lei diz que o salário é impenhorável, isto é, mesmo que a pessoa possua dívidas o seu salário não pode ser alcançado por bloqueio judicial para pagar aos credores. É o que diz a lei. Porém, a Justiça tem dado uma interpretação nova à lei e está determinando a penhora de parte dos salários para pagamento de credores. De acordo com o Código de Processo Civil, são absolutamente impenhoráveis os vencimentos, os salários, os proventos de aposentadoria e as pensões, com exceção de dívida oriunda de pagamento de pensão alimentícia. Se a lei é tão taxativa, como o Judiciário está determinando a penhora dos salários? O Judiciário não deveria se restringir à aplicação da lei? A verdade, a meu ver infeliz, é que o Poder Judiciário, não raramente, pratica aquilo que se convencionou chamar de ativismo judicial, que é a decisão da Justiça que busca “inserir” no ordenamento jurídico aquilo que não está previsto na lei. O Brasil adotou a divisão tripartite do poder, isto é, Executivo, Legislativo e Judiciário devem funcionar de forma harmônica e independente, cada um na sua função. Contudo, o fato é que, como dito, o Judiciário algumas vezes invade a competência do Legislativo e “cria normas” que não estão em nenhuma lei, ou muda o sentido de leis, que é o que acontece no caso da penhora de salários. Seria mais justo permitir que, em alguns casos, parte dos salários dos devedores fosse penhorado? Bem, isto deve ser discutido no âmbito do Poder Legislativo, no caso o Congresso Nacional, e de lá sair uma eventual mudança da lei que reflita as aspirações da sociedade. Ao Legislativo cabe ouvir a voz das ruas; ao Judiciário cabe aplicar a lei, somente. A impenhorabilidade do salário do trabalhador representa uma das mais relevantes garantias à sobrevivência deste. Sabe-se, sem muito esforço, que o credor tem direito ao recebimento de seu crédito, mas também, que o trabalhador tem direito à vida e à dignidade pessoal. Todo empregado trabalha em razão do salário, pois vive dele e é com ele que consegue adquirir produtos para sua sobrevivência. O salário goza do privilégio da impenhorabilidade, até mesmo nos casos de execução para recebimento de crédito tributário. Isto se dá porque o crédito tributário está em nível abaixo da escala de preferência em relação ao salário. A medida de penhora de salários já foi autorizada até por decisões do Superior Tribunal de Justiça – STJ e tem sido usada nas mais diversas situações, geralmente quando se esgotam todos os meios de recebimento e o devedor efetivamente não possui bens que possam pagar a dívida. A aplicação dos percentuais vai de 15% a 30% sobre os salários. No entendimento do STJ, parte de um salário pode ser alvo de penhora quando for observado percentual que assegure a dignidade do devedor e de sua família, isto é, nos casos em que o juiz entende que há dinheiro de sobra no salário do devedor, determina a penhora salarial. Em muitos casos em que a penhora de salários foi determinada pela Justiça, o juiz ressaltou que, apesar do que diz a lei, o credor também não pode ficar de mãos abanando, e por esta razão se a penhora de parte do salário não configurar a ruína financeira do devedor, não há porque deixar de bloquear um percentual para pagar a dívida. O assunto é muito polêmico e, a meu ver, o Brasil trilhará um caminho perigoso se essa orientação passar a ser aplicada de forma irrestrita. Esperemos que o Congresso Nacional faça a sua parte! Sérgio Carlos de Souza, fundador e sócio de Carlos de Souza Advogados, autor dos livros “101 Respostas Sobre Direito Ambiental” e “Guia Jurídico de Marketing Multinível”, especializado em Direito Empresarial, Recuperação de Empresas e Ambiental. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2021/12/23/o-salario-pode-ser-penhorado-por-dividas-2/

A Recuperação Judicial e o Risco da Falência

Apresentar excelente plano de recuperação judicial e ele ser aprovado pelos credores, demonstrando ao juiz da causa que sua empresa preenche os requisitos legais para continuar ativa naquele momento, mantendo empregos e gerando renda, é uma das notícias mais aguardadas pelo empresário em crise. Contudo, por razões diversas, muitas pessoas e no meio delas os próprios empresários acreditam fielmente que depois de vencida a batalha pela aprovação do plano, que é, sem dúvida, um dos momentos de maior trabalho e tensão dentro do sistema falimentar brasileiro, é chegada a hora de “descansar” e flexibilizar as coisas. Ou seja, alimentam a crença de que a partir deste momento é possível deixar de cumprir à risca o plano formatado à superação da crise, haja vista que como a causa está “na justiça ou “sob a proteção judicial”, termos bastante utilizados por aquele que possui processo no Poder Judiciário, pouco ou nada poderá ocorrer. Ledo engano! Para quem pensa assim, inclusive, por exemplo, sob o falso e mais atual pretexto, dentro desta perspectiva, de que a pandemia da Covid-19 é a grande vilã da economia, de nada adiantará cogitar propor ou mesmo já ter proposto o pedido de recuperação judicial, pois a falência é a única certeza que se pode ter nestas precárias condições. Na recuperação judicial não há fórmulas miraculosas para o devedor, razão pela qual não deve ele alimentar superstições sobre o que pode ou não fazer. Ali, será nomeado um administrador judicial que vai, dentre outras atribuições, literalmente fiscalizar a atividade empresária com vistas a saber se o plano de soerguimento está sendo cumprido ou não. Os relatórios descritivos do administrador judicial contendo todas as mais importantes informações da supracitada atividade são rotineiramente levados ao processo a título de informação ao juiz da causa e aos credores, e se diagnosticarem o descumprimento de qualquer obrigação prevista no indigitado plano, a lei diz que juiz convolará o estado de recuperação do devedor na por vezes traumática falência. Isso está previsto no texto inequívoco do artigo 73, IV, da Lei 11.101/2005, e serve para apontar a gravidade do problema que o empresário poderá enfrentar, independentemente do porte do seu negócio, arruinando sua vida e trajetória, por pensar sem maior reflexão e seriedade dentro do processo de recuperação judicial. Portanto, o ensinamento que podemos extrair deste artigo, é o de que o empresário não encontrará estabilidade dentro da recuperação judicial, e deverá trabalhar muito em prol de cumprir o plano meticulosamente elaborado, para poder com ele alcançar bom termo com a declaração de quitação do seu passivo. Raphael Wilson Loureiro Stein é Associado do Escritório desde abril de 2019 e atua nas áreas: Contencioso Civil, Comercial e Recuperação de Empresas e Falência. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2021/12/22/a-recuperacao-judicial-e-o-risco-da-falencia/

Hospital Pode Exercer Influência na Conduta Médica?

Algumas pessoas acreditam que, pelo fato do profissional médico exercer sua atividade profissional nas dependências do hospital, estaria obrigado a acatar as determinações da instituição no que tange à escolha do tratamento frente a determinado quadro clínico. Esse entendimento é errado. O Código de Ética Médica, em seus artigos 16 e 21, prevê, expressamente, que nenhuma disposição estatutária ou regimental, seja de hospital privado ou público, poderá limitar a escolha, por parte do profissional médico, das medidas que serão aplicadas para elaborar e concluir o diagnóstico e, também, para realizar o tratamento. Entretanto, na remota hipótese do entendimento adotado pelo profissional médico quanto ao fechamento do diagnóstico e a escolha do tratamento serem contrários à salva guarda do paciente, poderá a instituição hospitalar intervir. O diagnóstico estabelecido e a escolha do tratamento, ainda que sejam de livre escolha do profissional médico, deverão observar as práticas reconhecidas e aceitas, logicamente, observando também as normas legais que se encontrem em vigência no país. Outro direito concedido ao profissional médico consiste na possibilidade de internar e assistir seus pacientes em hospitais privados e públicos com caráter filantrópico ou não, mesmo que o profissional médico não faça parte do corpo clínico do referido hospital. Nesta hipótese, o que se deve observar é se o profissional médico está apto a exercer sua atividade profissional, se há vagas no nosocômio e se o referido hospital possui condições técnicas de receber e atender o paciente frente ao quadro clínico apresentado e procedimento que será efetivado. O direito apontado acima encontra amparo em 03 (três) princípios fundamentais do Código de Ética Médica: I – A Medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e será exercida sem discriminação de nenhuma natureza; II – O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional; III – Para exercer a Medicina com honra e dignidade, o médico necessita ter boas condições de trabalho e ser remunerado de forma justa; A autonomia concedida ao profissional médico de concluir sobre determinado diagnóstico, escolha do tratamento e direito de internar pacientes em hospitais da rede pública ou privada, conforme exposto acima, também se fundamenta no direito do paciente receber adequado serviço de saúde, não podendo receber tratamento/serviço aquém do necessário por critério diverso da busca da salva guarda. Portanto, é direito do médico, sem que sofra interferência externa, concluir sobre determinado diagnóstico e, principalmente, adotar os meios necessários para recuperar o paciente. Marcello Gonçalves Freire, sócio de Carlos de Souza Advogados, atua nas áreas do Direito Médico, Administrativo, Ambiental, Mineração, Regulatório e Previdenciário. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2021/12/21/hospital-pode-exercer-influencia-na-conduta-medica-2/

A Abusividade da Cobrança de Tarifas em Contas Bancárias Inativas

A manutenção da conta corrente, mesmo sem o interesse do correntista, se tornou prática recorrente de alguns bancos com o objetivo de evolução de eventual saldo devedor. Não é raro encontrar instituições financeiras que, aproveitando da conta corrente inativa, começam a cobrar do cliente mensalidades de seguros ou outros produtos e serviços não contratados, lançando os débitos no cheque especial da conta corrente não movimentada. É recomendado que o consumidor, para evitar esse tipo de problema, providencie o encerramento da conta corrente que não está sendo utilizada. Entretanto, importante mencionar que Ato Normativo 002/2008, do Sistema de Autorregulação Bancária da Federação Brasileira de Bancos (SARB), bem como a Resolução nº 2025 do Banco Central regulam as situações de inatividade das contas bancárias. Segundo referidas normas, ao se constatar ausência de movimentação na conta do consumidor pelo prazo de 90 dias, o banco deverá emitir comunicado alertando sobre a incidência de tarifa relativa a eventual pacote de serviços vinculados à conta, mesmo que continue sem movimentação, e informar que a conta poderá ser encerrada quando completados 06 meses de inatividade. Ainda, constatada a paralisação por mais de 06 meses, o banco deve suspender a cobrança de tarifas, bem como de encargos sobre o saldo devedor caso ultrapasse o saldo disponível. Logo, não podem incidir tarifas em contas inativas por mais de 06 meses, uma vez que não há prestação de serviços. A cobrança de tarifas nesses casos caracteriza prática abusiva e cobrança de serviços não prestados. O Poder Judiciário tem reconhecido a abusividade da cobrança de tarifas bancárias de conta corrente inativa e determinado a baixa do débito. Considera, assim, ilícita a manutenção da conta corrente pela instituição financeira com o simples objetivo de evolução do saldo devedor do cliente. Também tem concedido indenização por dano moral quando o nome do consumidor é inscrito indevidamente em cadastros de inadimplentes, como SPC e SERASA, por tarifas e débitos lançados em conta corrente não movimentada. Giselle Duarte Poltronieri, associada de Carlos de Souza Advogados, atua nas áreas Contencioso Civil e Comercial. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2021/12/20/a-abusividade-da-cobranca-de-tarifas-em-contas-bancarias-inativas/

Desoneração da Folha de Pagamento foi Aprovada Pelo Senado

As empresas de tecnologia da informação (TI), tecnologia da informação e da comunicação (TIC), construção civil, transporte de passageiros, e outros, serão beneficiadas com a prorrogação da desoneração da folha de pagamento. Esse regime previdenciário permite que empresas dos setores elencados na lei optem por pagar a Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB), sob alíquotas que variam entre 1,5% e 4%, em substituição à contribuição previdenciária sobre a folha de salários, cuja alíquota é de 20%. Em princípio, o regime chegaria ao fim no dia 31 de dezembro de 2021, mas o Projeto de Lei n° 2541, de 2021, aprovado pelo Senado Federal, prorroga a desoneração da folha de pagamento até 31 de dezembro de 2023. O texto vai para sanção presidencial antes de ser publicado. A medida alcança setores em franca expansão como o de tecnologia, que contempla atividades de análise e desenvolvimento de sistemas, programação, processamento de dados, elaboração de programas de computadores, inclusive de jogos eletrônicos, licenciamento ou cessão de direito de uso de programas, planejamento, confecção, manutenção e atualização de páginas eletrônicas e execução continuada de procedimentos de preparação ou processamento de dados de gestão empresarial. Entretanto, é necessário que a empresa verifique qual o melhor regime para pagamento das contribuições previdenciárias a partir da análise de sua folha de pagamento de empregados e de seu faturamento bruto. Há casos em que a opção pela contribuição incidente sobre a receita bruta mostra-se extremamente vantajosa, assim como há outros em que o pagamento da contribuição sobre a folha de salário apresenta-se mais econômica. Efetivamente, se a folha de salários representa um custo substancial para a empresa, o regime de desoneração pode ser o mais benéfico; se a folha de salários representar baixo custo diante do faturamento bruto, a tributação sobre a folha terá maior vantagem. Portanto, sendo prorrogado o prazo do regime de desoneração da folha, as empresas contempladas devem incluir no planejamento para os próximos dois anos o regime de pagamento da contribuição previdenciária para alcançar a maior economia tributária. Mariana Martins Barros é advogada tributária, sócia coordenadora da área tributária do Escritório Carlos de Souza Advogados e membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/ES. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2021/12/17/desoneracao-da-folha-de-pagamento-foi-aprovada-pelo-senado/

Desvios Nas Compras Feitas Pelo Poder Público

A história mundial mostra que agentes públicos sempre se envolveram em desvios e corrupções. Felizmente, a parcela dos criminosos é muito pequena diante da esmagadora maioria dos exemplares servidores públicos. Há muitas formas que criminosos, agentes públicos e privados, utilizam para se aproveitar da máquina estatal e surrupiar o dinheiro que deveria ser empregado em saúde, educação, segurança, obras e investimentos. Um dos meios mais sorrateiros é a chamada “dispensa de licitação”. O ato de licitar em si, e que leva a um processo de licitação, é aquele através do qual os interessados oferecem os seus produtos e serviços para que o governo os adquira em atendimento às necessidades sociais. Segundo a lei brasileira, a licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e será processada com os princípios básicos da legalidade, da moralidade e da publicidade, entre outros. Na prática: um órgão público publica que quer adquirir veículos para a polícia, construir um hospital ou obter serviços de manutenção de equipamentos, entre incontáveis exemplos. Na divulgação, chamada de edital, qualquer pessoa ou empresa pode participar nas mesmas condições, desde que atenda às exigências mínimas estabelecidas pela lei e o edital respectivo. Ganha quem ofertar o melhor preço ou, em alguns casos, também a melhor técnica. Esta é a regra. Entretanto, há muitos casos de “dispensa de licitação”, ou seja, em que o governante pode comprar sem passar por esse processo de seleção rigoroso, como por exemplo na ocorrência de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens. Esses casos de compras de produtos e serviços sem licitação foram e continuam muito presentes na pandemia que vivemos. Construções de hospitais, aquisição de medicamentos, vacinas e equipamentos diversos sem licitação foram muito constantes durante a pandemia. Pandemia à parte, as compras sem licitação também ocorrem, entre várias outras hipóteses, por tragédias causadas por fortes chuvas e inundações, que destroem vidas, casas, estradas e tantas outras coisas. Faz total sentido, sem dúvidas, que a lei permita ao agente público desprezar o lento, burocrático e formal processo de licitação quando calamidades acontecem. Uma licitação em seu procedimento normal não dura menos do que sessenta dias. Como esperar sequer um dia para contratar helicópteros, hospitais e tantos outros itens para salvar uma cidade atingida por uma inundação? Dispensar a licitação, entretanto, não pode ser sinal verde para desmandos, desvios e corrupção. Os preços dos serviços e produtos jamais podem ser inflacionados sob o argumento de que “não houve tempo” para pesquisar o mercado. Mesmo dispensada a licitação, os órgãos de controle dos atos de agentes públicos devem estar atentos, já que, por lei, esse tipo de compra não exime o servidor público de motivar a razão da escolha do fornecedor e justificar o preço. Havendo indícios de superfaturamento e outros crimes quaisquer, a lei recebeu uma recente reformulação que acrescentou vários artigos ao Código Penal e estabeleceu penas de até oito anos de cadeia para casos de infrações criminosas em compras governamentais. Sérgio Carlos de Souza, fundador e sócio de Carlos de Souza Advogados, autor dos livros “101 Respostas Sobre Direito Ambiental” e “Guia Jurídico de Marketing Multinível”, especializado em Direito Empresarial, Recuperação de Empresas e Ambiental. Letícia Stein Carlos de Souza, Acadêmica do 5º. Período da Faculdade de Direito de Vitória e Estagiária de Direito. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2021/12/16/desvios-nas-compras-feitas-pelo-poder-publico/

Estelionato Sentimental

Primeiramente, faz-se importante salientar que o estelionato sentimental se dá quando um dos parceiros da relação se utiliza da confiança conquistada com o relacionamento, visando obter unilateralmente vantagens econômico-financeiras às custas do outro. Nesse contexto, em virtude de seus elementos constitutivos, o estelionato sentimental é preciso ser analisado tanto da perspectiva cível, quanto da penal, já que a referida conduta é caracterizada como crime, conforme o que prega o Art. 171 do Código Penal: “Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa”. Dessa forma, deve-se levar em conta que, na maioria dos casos, as relações afetivas, mesmo que não formalizadas, podem produzir efeitos financeiros e patrimoniais. Assim, o estelionatário sentimental, independentemente do gênero, aproveita-se do fato de a vítima se encontrar apaixonada e iludida, passando esta a ser objeto de extorsão, pedidos de ajuda financeira e bens materiais, às vezes com a promessa de recompensa e ressarcimento futuro. Para que se caracterize o estelionato afetivo, conforme o Art. 171 do Código Penal, é necessário analisar e identificar quando existe a intenção de tirar proveito da boa-fé, induzindo com dolo a outra parte em erro, com a intenção de se sair bem, causando assim grande prejuízo e endividamento do parceiro que concedeu ajuda financeira para o bem-estar da outra. Nesses casos, é possível pleitear ação de danos morais e materiais. Para que possa se pleitear a reparação civil, é necessário comprovar os repasses de valores e bens que houverem ocorrido. Igualmente, a vítima deve provar que sofreu indução a erro, iludida em sua boa-fé e confiança, advindas do afeto simulado, da parte do estelionatário, que repetimos, independe do gênero. Portanto, deve-se buscar comprovar a existência do golpe para, então, alcançar a condenação do criminoso, tanto na esfera cível com o ressarcimento dos prejuízos havidos e das indenizações cabíveis, tanto de ordem material quanto ordem moral, quanto na esfera criminal, nesta em conformidade, no mínimo, com o Art. 171 do Código Penal. Contudo, faz-se necessário destacar que esse tipo de situação é bem mais complexa do que se possa imaginar, sendo necessário uma análise muito profícua, a fim de identificar a real intenção do agente se aproveitar da confiança e boa-fé da vítima para obter vantagens e com a clara intenção de nenhum tipo de benefício recíproco. Rodrigo Carlos de Souza, sócio e fundador de Carlos de Souza Advogados, Secretário Geral Adjunto e Corregedor Geral da OAB/ES, Vice-Presidente da Comissão Nacional de Compliance Eleitoral e Partidário da OAB e Diretor do CESA – Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Seccional Espírito Santo). Letícia Stein Carlos de Souza, Acadêmica do 5º. Período da Faculdade de Direito de Vitória e Estagiária de Direito. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2021/12/15/estelionato-sentimental-2/