Verdade seja admitida: o instituto da colaboração premiada (ou delação premiada) chacoalhou o país. Justos ou injustos, morais ou imorais, o fato é que a partir dos acordos de colaborações premiadas na Operação Lava Jato estamos vendo o que jamais esperávamos ver. Impérios empresariais e de reputação foram – e continuam – caindo. Vidas criminosas de décadas vieram sendo apresentadas à sociedade, fartamente. Sem reservas.

Houve excessos por parte do Ministério Público e da Polícia para obter as delações? Ao que tudo indica, sim; entretanto, a resposta não pode ser tão simplória, apenas uma afirmação; é preciso ir mais a fundo no assunto. Há duas visões principais e antagônicas a respeito da colaboração premiada:

1ª. É meio eficaz de combate às organizações criminosas e deve ser alcançada a qualquer custo.

[Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.]

2ª. Delação premiada nada mais é do que o uso da força autoritária do Estado e sua aplicação incompatível com o estado democrático de direito.

[Estado democrático de direito é aquele em que se dá igualdade material a todos os cidadãos de um país, pois somente assim uma nação pode, verdadeiramente, atingir o seu ápice, pois só quando todos, tiverem iguais oportunidades e garantias de que os seus direitos não serão violados é que atingiremos o nosso objetivo que é uma sociedade, que siga o lega da Revolução Francesa: Liberté, Egalité, Fraternité.] [Julio Cesar Recantello Magalhães]

Colaboração premiada está prevista em lei. Em agosto de 2013 foi promulgada a Lei 12.850 com o objetivo de definir organização criminosa e dispor sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado. No artigo 3º a Lei 12.850 traz uma série de meios de obtenção de prova, entre eles a colaboração premiada. Importante nos determos neste ponto. A colaboração premiada tem como essência a obtenção de provas capazes de levar criminosos à condenação. E não deve passar disto. Isto significa que a colaboração somente deve ser utilizada se a autoridade investigativa não possuir outro meio de obtenção de provas. Delação premiada não pode ser um atalho ao trabalho do policial ou membro do Ministério Público. É preciso haver parâmetros mínimos de razoabilidade no uso do instituto.

Exigências para celebração de um acordo de colaboração premiada [artigo 4º Lei 12.850]:

I – a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;

II – a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;

III – a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;

IV – a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;

V – a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

O acordo de colaboração premiada pode ser conduzido pelo delegado de polícia, com a manifestação do Ministério Público, ou diretamente por membro do Ministério Público, e envolverá o investigado e seu advogado, obrigatoriamente. Há uma tentativa do Ministério Público de impedir que delegados de polícia conduzam acordos de colaboração premiada, mas que até o momento não surtiu efeito e certamente não surtirá.

Realizado o acordo, o respectivo termo, acompanhado das declarações do colaborador e de cópia da investigação, será remetido ao juiz para homologação, o qual deverá verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade, podendo para este fim, sigilosamente, ouvir o colaborador, na presença de seu advogado.

Como decidiu recentemente o Supremo Tribunal Federal, ao juiz não caberá interferir no acordo de colaboração premiada, em suas cláusulas propriamente ditas. Isto faz todo sentido, uma vez que o perseguidor do crime é quem efetivamente tem as melhores condições para negociar. Ao juiz incumbe aferir a legalidade da colaboração premiada e, quando da sentença, conferir se o investigado cumpriu aquilo a que se propôs. Os benefícios que podem ser alcançados pelo delator são extensos: perdão judicial, redução em até 2/3 (dois terços) da pena privativa de liberdade ou substituição por restritiva de direitos.

Também importa destacar que nenhuma sentença condenatória será proferida levando em conta apenas a palavra do delator. A delação é um norte, um caminho, mas não a conclusão de absolutamente nada. Os delatados não podem ficar à mercê somente das confissões do delator. Os acusadores precisarão ter provas adicionais da autoria dos crimes.

Muita indignação surgiu a partir dos termos da colaboração premiada dos donos do Grupo JBS. Como seria possível que pessoas que tão mal fizeram ao país saissem ilesas, sem passar nem um dia sequer na cadeia? Nem ao menos uma prisão domiciliar. Realmente esse acordo trouxe espanto. É até possível que os investigadores tenham tido motivos fortes para tantas benesses. Contudo, se os tiveram até agora isto não foi demonstrado à sociedade. Há muitas perguntas sem respostas nesse caso, e que precisam ser esclarecidas.

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