Existe uma legislação específica que define crimes contra a ordem tributária e econômica, a Lei 8.137, de 1990. Essa lei é bastante genérica em diversos aspectos, o que gerou e continua a gerar vários debates doutrinários e diante dos tribunais.

Um desses debates diz respeito ao não recolhimento do ICMS – Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços. Seria ou não crime deixar de recolher o ICMS?

Numa linha de pensamento acusatória, deu-se o entendimento de que, a partir do momento em que um consumidor vai a um estabelecimento comercial (um supermercado, por exemplo) e paga determinado valor (100 reais, digamos), no total já está embutido o ICMS (15 reais, suponhamos), que inclusive é destacado no cupom fiscal. Nessa linha acusatória, ao receber os 100 reais, o empresário é “dono” somente de 85 reais; a diferença, os 15 reais do ICMS, jamais pertenceram ao empresário, mas sim ao Fisco, e foram pagos efetivamente pelo consumidor, cabendo ao empresário apenas o encargo de realizar o ulterior recolhimento aos cofres públicos, através da respectiva guia.

Já a corrente de defesa via o fato com outros olhos. Os 100 reais pertenceriam integralmente ao empresário. Desse valor ele teria que arcar com os diversos custos: mercadoria, aluguel, empregados, impostos, investimentos etc. Se deixasse de pagar algum valor a que estivesse obrigado, isso se constituiria numa mera dívida, obrigação civil ou tributária, como fosse o caso, mas jamais infração criminal.

A polêmica ganhou ares de renhida batalha. Nos livros de juristas, nas peças de acusação de promotores, de defesa de advogados e em sentenças e acórdãos Brasil afora. Em meio aos debates, nem mesmo o STJ – Superior Tribunal de Justiça conseguia chegar a uma pacificação do entendimento. A 5ª Turma do STJ considerava a prática como criminosa; deixar de recolher o ICMS declarado é crime, para essa Turma. Já a 6ª Turma do mesmo STJ dizia que não; não seria crime, mas somente infração tributária, passível de cobrança, mas não de condenação penal.

Agora, contudo, por seis votos a três, os ministros da 3ª Seção do STJ uniformizaram o entendimento de que é crime não recolher valores declarados de ICMS. A prática foi considerada apropriação indébita tributária, com pena de seis meses a dois anos, além de multa. Alguns trechos da decisão do STJ merecem destaque:

(…) “3. A descrição típica do crime de apropriação indébita tributária contém a expressão descontado ou cobrado, o que, indiscutivelmente, restringe a abrangência do sujeito ativo do delito, porquanto nem todo sujeito passivo de obrigação tributária que deixa de recolher tributo ou contribuição social responde pelo crime do art. 2º, II, da Lei n. 8.137⁄1990, mas somente aqueles que descontam ou cobram o tributo ou contribuição. 4. A interpretação consentânea com a dogmática penal do termo descontado é a de que ele se refere aos tributos diretos quando há responsabilidade tributária por substituição, enquanto o termo cobrado deve ser compreendido nas relações tributárias havidas com tributos indiretos (incidentes sobre o consumo), de maneira que não possui relevância o fato de o ICMS ser próprio ou por substituição, porquanto, em qualquer hipótese, não haverá ônus financeiro para o contribuinte de direito.” (…)

Um dos argumentos que prevaleciam para que a prática não fosse tida como crime, era o de que o agente (empresário, sócio, administrador ou gerente) não agia com dolo (intenção de cometer o crime) ao deixar de recolher o ICMS declarado. Bastava demonstrar que o não recolhimento havia se dado por ausência de condições financeiras, por exemplo, para não ser condenado criminalmente. Entretanto, a 3ª Turma do STJ afastou essa tese de defesa, ao sustentar que o dolo (vontade criminosa) reside no simples fato do agente ter a consciência de que deveria fazer o recolhimento e não o ter realizado.

Vejo um perigoso precedente na decisão do Superior Tribunal de Justiça. Mormente com a infindável crise pela qual passa o país e a elevadíssima carga tributária sobre o setor produtivo. Criminalizar alguém por falta de dinheiro para cumprir parte de suas obrigações leva ao extremo do exagero. A meu ver, os empresários e administradores deverão continuar sustentando suas posições em casos semelhantes, na esperança de que haja uma rápida e necessária revisão desse entendimento.

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