Uma empresa somente se vale da recuperação judicial no caso de, além da falência, não haver outra alternativa. A quebra da empresa (falência) é o pior dos cenários. A recuperação pode evitar esse cenário sombrio. O principal objetivo da recuperação judicial é viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Um dos grandes entraves num processo de recuperação judicial são as dívidas tributárias e fiscais. Deferido o processamento da recuperação judicial, a empresa devedora terá o prazo de 60 (sessenta) dias para apresentar o seu plano de recuperação. Nesse plano estarão contemplados eventuais descontos sobre as dívidas, carência, prazo de pagamento, redução de taxas de juros e correção monetária. A questão é que, a rigor, as dívidas fiscais não entrarão no plano de recuperação judicial. Isto significa que, na livre negociação aberta entre o devedor e os seus credores, não farão parte as dívidas fiscais. ICMS, ISS, PIS, COFINS, Imposto de Renda, taxas, enfim, nada disto poderá ser negociado dentro do plano de recuperação judicial.

O que pode então o devedor fazer, diante de um quadro em que a negociação com os demais credores está caminhando, porém, em paralelo, o Fisco está com a espada na cabeça do contribuinte, fazendo inscrições de dívidas, promovendo execuções fiscais e penhora de bens? Há alternativas a isto?

Antes da resposta, importante destacar que essa lacuna legal é injusta e merece reparo. Se a empresa recorreu à recuperação judicial é porque não tem como sobreviver não havendo total repactuação de seus compromissos. Normalmente, entre os credores, estão bancos, fornecedores e trabalhadores. As negociações são duras, extenuantes. Algumas conversas se prolongam e parecem não ter solução. Advogados, contadores, gestores, vários atores vão negociando tentando chegar a um ponto de equilíbrio para equacionar as dívidas da empresa. Em meio a tudo isto, o Fisco fica ao largo, numa situação confortável.

A Lei 13.043/2014 trouxe algum alento, mas ainda totalmente insuficiente às necessidades do devedor. Diz essa lei em seu artigo 43: A Lei no 10.522, de 19 de julho de 2002, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 10-A: Art. 10-A. O empresário ou a sociedade empresária que pleitear ou tiver deferido o processamento da recuperação judicial, nos termos dos arts. 51, 52 e 70 da Lei no 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, poderão parcelar seus débitos com a Fazenda Nacional, em 84 (oitenta e quatro) parcelas mensais e consecutivas, calculadas observando-se os seguintes percentuais mínimos, aplicados sobre o valor da dívida consolidada: I – da 1ª. à 12ª. prestação: 0,666% (seiscentos e sessenta e seis milésimos por cento); II – da 13ª. à 24ª. prestação: 1% (um por cento); III – da 25ª. à 83ª. prestação: 1,333% (um inteiro e trezentos e trinta e três milésimos por cento); e IV – 84ª. prestação: saldo devedor remanescente.

Quais são as fragilidades dessa norma? 1) Abrange somente débitos com a Fazenda Nacional, ou seja, federais. Portanto, ICMS e ISS, entre outros, não terão esse tratamento. 2) Prazos muito exíguos. A empresa já está na UTI; se não houver a concessão de prazos mais longos para pagamento, a recuperação poderá ser comprometida. 3) Ausência de descontos em juros e multas.

Claro que eventualmente saem os “refis”, que podem trazer condições mais favoráveis. Certo afirmar que qualquer empresa em recuperação judicial pode aderir a um plano de negociação fiscal federal, estadual ou municipal. Contudo, não há garantia de que, ao tempo da recuperação de determinada empresa haverá um “refis” disponível. Não raramente a abertura de um plano de negociação fiscal está sujeita aos humores dos chefes do Executivo.

Vamos então a uma alternativa plausível, se nenhuma hipótese anterior puder ser aplicada ou se mostrar viável.

Em fevereiro de 2017 o STJ – Superior Tribunal de Justiça adotou uma decisão que deixou um gancho para socorrer as empresas em recuperação judicial: 1. A Segunda Turma do STJ, em recente julgamento a respeito do tema controvertido (REsp 1.512.118/SP, de minha relatoria, publicado no DJe de 31.3.2015), revisitou a jurisprudência relativa ao tema, para concluir que, nos casos em que se verificar que a Recuperação Judicial foi concedida sem a observância dos arts. 57 e 58 da Lei 11.101/2005 (isto é, apresentação de CND ou CPEN), a Execução Fiscal poderá ter normal prosseguimento. Está ressalvada a possibilidade de o juiz competente, com base no art. 620 do CPC, concretamente aplicável a partir da prova produzida pela parte a quem a norma interessa, eventualmente obstar a efetivação de atos que inviabilizem o Plano de Recuperação Judicial. 2. Agravo Interno não provido. AgInt no Recurso Especial nº 1.602.001 – PE (2016/0131415-1). Relator : Ministro Herman Benjamin.

O STJ, portanto, deixou ao arbítrio do juiz adotar medidas contra as execuções fiscais, se estas inviabilizarem a recuperação judicial de uma empresa. Sim, isso é um grande e importante mecanismo de socorro às empresas em recuperação judicial. O que o juiz poderá fazer, exatamente? Considerando que a redação do entendimento do STJ é no sentido de que o juiz pode obstar a efetivação de atos que inviabilizem o plano de recuperação judicial, está aberta a possibilidade de uma análise subjetiva e ampla do juiz para cada caso concreto. Exemplo: uma empresa está em recuperação judicial; o plano está caminhando; a empresa tem uma luz no final do túnel; o obstáculo, porém, está exatamente nas cobranças do Fisco, que tenta obter bloqueio de contas correntes e faturas, além da penhora de outros bens; o juiz pode, sim, determinar a suspensão desses procedimentos e até determinar que o Fisco celebre uma espécie de “refis de recuperação judicial” com aquele devedor.

Caberá ao devedor, através de seus advogados na recuperação judicial, demonstrar ao juiz a imprescindibilidade de providências em relação ao Fisco para não fazer água no plano de recuperação judicial.

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