A Lei 11.101, de 2005, mais conhecida como lei de recuperação de empresas, trouxe grande evolução ao ordenamento jurídico brasileiro, mais precisamente nas relações entre credores e devedores.

Segundo estabelecido o artigo 47, o objetivo da lei é “viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.

Esse objetivo, sem dúvidas, foi alcançado se analisarmos a lei sob uma ótica geral, com olhos voltados para as relações de mercado. A lei permite que devedor e credores tenham liberdade de negociar as condições para preservação da empresa que tenha algum tipo de viabilidade, o que possibilita a concessão de descontos, carência para início dos pagamentos e extensão dos prazos até por vários anos.

No entanto, o legislador, a meu ver, foi infeliz ao não contemplar, nos créditos amparados pela possibilidade de negociação dentro de uma recuperação judicial, aqueles de natureza fiscal. Justifico: é comum que uma empresa, vendo-se diante de dificuldades econômicas ou financeiras, opte de pronto em postergar o pagamento de tributos para, num ato de desespero, gerar algum tipo de fluxo extra de caixa. Aliás, numa ordem de preferência, normalmente o empresário em dificuldades vai deixando de pagar tributos, bancos, fornecedores e empregados.

O problema é que, ao ingressar com um pedido de recuperação judicial, a empresa pode incluir dívidas e compromissos com fornecedores, relações trabalhistas e bancos, mas não pode englobar as dívidas fiscais. Ou seja, com muito esforço, grande negociação e reestruturação, a empresa consegue viabilizar a continuidade do negócio, mas acaba esbarrando nas dívidas fiscais, já que, em muitos casos, um parcelamento normal, de 60 meses – que poderia ser aceito pelo autoridade fiscal -, nem sempre é suficiente para devolver a geração de fluxo de caixa e dar fôlego ao negócio.

Passados poucos mais de 07 anos de vigência da lei, porém, o Poder Judiciário vem dando abrigo às necessiddes das empresas em recuperação judicial, quanto às dívidas fiscais.

Já no ano de 2009, o Superior Tribunal de Justiça – STJ atendeu o requerimento de uma empresa que estava em recuperação judicial e que, na negociação com os credores, conseguiu chegar a um acordo para pagamento de suas dívidas. Entretanto, a empresa, do ramo industrial, continuava a sofrer por conta das dívidas fiscais, já que, no ápice de suas agruras financeiras, não conseguiu honrar com o pagamento do parcelamento federal especial (PAES, na época), e havia sido excluída do programa. A exclusão do programa de parcelamento gerou execuções fiscais e isto ameaçou desestabilizar a reestruturação do negócio. O STJ, contudo, determinou que a empresa fosse reincluída no parcelamento especial. Para os ministros do STJ, “as companhias em dificuldades devem ter garantido o direito de acesso a planos de parcelamento para que possam manter seu ciclo produtivo, os empregos e a satisfação de interesses econômicos e consumo da comunidade”. O relator da decisão foi o ministro Luiz Fux, hoje integrante do Supremo Tribunal Federal – STF.

Mais recentemente, uma empresa do interior de São Paulo, que teve deferido o seu pedido de processamento da recuperação judicial, conseguiu, na Justiça, uma decisão para parcelar todas as suas dívidas fiscais em 180 meses, prazo equivalente ao do REFIS, último programa especial de parcelamento federal. Isto abre um caminho também para tributos estaduais e municipais.

Para conseguir esse tipo de benefício, as empresas têm recorrido ao próprio juiz que preside o processo de recuperação judicial, usando o argumento de que, apesar da lei não ter incluído de forma expressa o parcelamento especial de dívidas fiscais, o juiz tem esse poder já que, para atender ao objetivo da lei (preservação do negócio), em muitos casos pode se fazer necessário estender uma benesse quanto às dívidas fiscais.

Essa tendência do Poder Judiciário é um novo e relevante avanço na recuperação e reestruturação de empresas.