A aplicação do instituto do dano moral no ordenamento jurídico brasileiro tem assumido contornos preocupantes, uma vez que a jurisprudência dos tribunais, inclusive das cortes superiores, tem fomentado, talvez sem perceber, a sua mercantilização e, assim, tornado o assunto cada vez mais corriqueiro no meio forense.

O enorme volume de demandas judiciais relativas a dano moral deve conduzir os operadores do Direito a uma reflexão – Será que a popularização do instituto decorre da sua correta aplicação? Será que o tema em pauta deveria ser algo tão comum nos fóruns brasileiros? A análise das questões suscitadas merece uma singela abordagem conceitual.

A efetiva compreensão do que vem a ser dano moral e de quais são as funções essenciais de sua respectiva indenização, talvez, nunca tenha ocupado um lugar de destaque tão relevante no cenário acadêmico quanto o que se percebe nos dias de hoje.

Alguns autores se limitaram durante anos a explicar o assunto a partir de uma ótica residual (ou negativa), qual seja, a de que dano moral seria a ofensa que não apresenta caráter patrimonial, o revés do dano material. Diferentemente, outros ilustres juristas preferiram adotar uma indicação positiva, de modo que o dano moral estaria vinculado aos sentimentos de dor, sofrimento, angústia, humilhação, entre outros.

Porém, à luz da atual Constituição Federal, os conceitos supramencionados tornaram-se um tanto quanto insuficientes, uma vez que não refletem o vínculo inseparável existente entre o estudo do dano moral e a proteção dos direitos da personalidade evidenciada no artigo 5º, incisos V e X, da Constituição de 1988.

Assim, na direção do que preleciona o renomado professor Sérgio Cavalieri Filho, afirma-se que o dano moral não está necessariamente vinculado a alguma reação psíquica da vítima, visto que é possível a afetação de algum atributo da personalidade sem que haja dor, vexame ou sofrimento e, de modo inverso, nem sempre a presença de um reflexo emocional será suficiente para a configuração do dano moral. Na verdade, o dano moral apresenta natureza imaterial e deve ser compreendido como uma agressão a um bem ou atributo da personalidade, insusceptível de avaliação pecuniária, passível de ser compensado por uma obrigação imposta ao seu causador.

Inclusive, a função compensatória costuma ser apontada por muitos como a vertente principal da indenização por dano moral, uma vez que, diante da impossibilidade de reparação integral da lesão causada, haja vista o seu caráter imaterial, o ofensor deve ser compelido a compensar a vítima da forma mais satisfatória possível. Neste ponto, portanto, fica claro que o ofendido assume o papel central, de forma que a indenização deve ser arbitrada pelo julgador em valor tal que seja capaz de satisfazê-lo.

Por outro lado, não se pode olvidar que a indenização por danos morais também possui uma face punitiva, por força da qual o agente deve ser sancionado pela prática de atos considerados essencialmente lesivos tanto ao indivíduo, quanto à sociedade.

Entretanto, não obstante a evidente importância dos aspectos mencionados acima, nesta exposição merece maior destaque a função pedagógica da indenização por dano moral, segundo a qual a condenação tem a finalidade de inibir ou desestimular o agente causador do dano em relação à prática de novos atos lesivos.

Observa-se que a função em voga guarda estreita relação com a função social do instituto estudado, visto que, neste ponto, a vítima perde seu posto de protagonista e cede espaço para uma preocupação coletiva, qual seja, a de que o ato lesivo cometido pelo ofensor não seja repetido em detrimento de outras pessoas.

Esse é o viés que, atualmente, precisa galgar passos mais largos no cenário brasileiro, pois o que se tem observado com frequência, especialmente em atenção à jurisprudência do STJ – Superior Tribunal de Justiça, é que os critérios de fixação do valor indenizatório do dano moral estão apoiados, principalmente, nas condições do ofendido e na grande preocupação de que não haja enriquecimento da vítima. Os tribunais têm sido exaustivos em afirmar que a indenização por danos morais não tem o condão de enriquecer o ofendido, mas apenas de compensá-lo em virtude do dano sofrido.

Como se vê, o sistema indenizatório percebido no Brasil parece se preocupar mais com a condição financeira da vítima e a consequente cautela de não gerar o seu enriquecimento sem causa do que com a gravidade da conduta do ofensor, o que, naturalmente, conduz os julgadores a serem conservadores quando da fixação das condenações.

Além disso, é de se observar que o critério em questão pode abrir margem a situações inadmissíveis, pois, se a realidade econômica da vítima é fator determinante do quantum indenizatório, será possível conceder indenizações diferentes para pessoas que foram submetidas à mesma lesão moral. Para piorar, tudo leva a crer que o indivíduo mais abastado receberá uma indenização maior que a do cidadão menos favorecido, o que não pode ser admitido.

Além do mais, trazendo o debate para um campo mais específico, especialmente relacionado ao direito do consumidor, em que são percebidas condutas reiteradas e abusivas por parte das grandes empresas, verifica-se que o sistema fomentado no Brasil acaba por alimentar a chamada “indústria do dano moral”, uma vez que as condenações não se revelam fortes o suficiente para desestimular a postura reprovável adotada pelas instituições ofensoras.

Neste ponto, com o corte metodológico feito no parágrafo anterior, percebe-se que, possivelmente, a mercantilização do instituto não é decorrente das grandes condenações, mas, ao contrário, do enorme volume de indenizações financeiramente insignificantes, incapazes de desestimular a postura adotada pelos ofensores contumazes.

Sobre isso, merece destaque a “teoria do desestímulo”, ainda tímida no Brasil e trazida a partir do estudo dos punitive damages do sistema jurídico americano, segundo a qual, em situações onde estiverem presentes requisitos bem definidos, autorizadores de uma condenação de maior repercussão, o órgão julgador poderá fixar indenizações mais rigorosas, capazes de alterar efetivamente a conduta social do ofensor, desestimulando a prática de novas agressões.

Imprescindível dizer que, segundo a doutrina moderna, os requisitos em questão são: a) conduta reincidente do ofensor ou b) a alta gravidade do dano – ambos somados, naturalmente, aos contornos de cada caso concreto e ao grau de hipossuficiência da vítima. Como é de se perceber, não há necessidade de cumulação dos requisitos em pauta, de modo que a presença de um deles, acrescidos às peculiaridades autorizadoras de cada caso, parece ser o bastante para aplicação da teoria do desestímulo.

Pela prática forense, não é difícil perceber, exemplificativamente, que empresas de telefonia, companhias aéreas, instituições financeiras, dentre tantas outras, não terão o menor interesse de corrigir as abusividades praticadas em detrimento dos consumidores enquanto as condenações judiciais estiverem dentro das suas margens de tolerância e planejamento interno. Nesse cenário, a teoria do desestímulo surge como uma interessante alternativa de mudança do sistema indenizatório brasileiro, de modo que, quando presentes os requisitos de sua aplicação, poderão ser fixadas indenizações mais altas, cuja referência principal deixará de ser o aspecto compensatório da vítima e passará a mirar no poderio econômico do agente, tudo com vistas a uma efetiva proteção dos direitos da personalidade.