Os tribunais do país devem conceder prisão domiciliar ou liberdade provisória aos presos que estão em locais acima da sua capacidade, que sejam de grupos de risco para a Covid-19 e não tenham praticado crimes com violência ou grave ameaça.
A determinação foi do ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, ao conceder Habeas Corpus coletivo alguns dias atrás. Ao analisar o pedido, Fachin levou em consideração o cenário carcerário brasileiro e afirmou que o perigo à saúde do preso é ainda maior quando a pessoa se insere no grupo de risco para a Covid-19, já que há um “cenário de falhas sistêmicas e de superlotação carcerária”.
Apesar de muitos torcerem o nariz para a possibilidade de soltura coletiva de presos, fato é que, já passou da hora da sociedade discutir a superlotação de presídios e as péssimas condições a que presos estão submetidos em grande parte de lugares que mais parecem masmorras medievais.
É princípio da Constituição Federal a dignidade da pessoa humana. O princípio da dignidade humana busca assegurar a todo ser humano, pelo simples fato de ser humano, as condições mínimas e indispensáveis para existência digna. No caso do preso, o que é cumprir pena de forma digna?
É por todos sabida a precariedade do sistema prisional brasileiro, na maioria de suas unidades prisionais. Celas superlotadas; condições subumanas de habitabilidade e higiene; violência; maus-tratos; deficiência no atendimento à saúde e às necessidades básicas; ausência de programas de recuperação e ressocialização.
Muitos têm a (errada, a meu ver) ideia de que o preso não deve pesar na balança de despesas dos governos e que, portanto, o custeio com essa população precisa ser minimizado. O erro desse pensamento, inicialmente, consiste no fato de que o maior problema não é a quantidade do que se gasta, mas a forma como o gasto é realizado. A falta de gestão eficaz é o maior problema do sistema prisional brasileiro. Gestão ineficiente tanto com o dinheiro destinado ao sistema, como na operação das unidades prisionais e seus ocupantes. Portanto, a modernização e a elevação do coeficiente de gestão do sistema prisional já́ resolverão grande parte dos problemas descritos, e certamente com menos dinheiro.
Mas há algo mais que a sociedade precisa ter consciência: quando se fala da obrigatoriedade de dar, ao preso, o direito ao cumprimento de sua pena de forma digna, isso vem ao encontro da escolha que essa mesma sociedade fez em separar, do convívio social, os infratores condenados ou recolhidos por ordem judicial preventiva.
A sociedade poderia ter optado por deixar os criminosos soltos, cometendo os seus delitos; logicamente que isso seria o ápice da desordem e do total caos, com consequências danosas imprevisíveis. Exatamente por isso a lei, feita pelos legisladores escolhidos por voto popular, prevê penas restritivas de liberdade, a prisão.
Bem, se a sociedade quer ter a segurança e o conforto de apenar e tirar a liberdade de pessoas delinquentes, visando a aumentar a harmonia e a paz, deve pagar o preço financeiro por essa escolha, garantindo ao preso o direito a cumprir sua pena de forma digna.
A Lei de Execuções Penais assegura a assistência ao preso, determinando que o recluso tenha direito à alimentação, vestuário, instalações higiênicas, além de atendimentos de saúde – médico, odontológico e farmacêutico, assistência jurídica, educacional, social e religiosa, além de acompanhamento ao egresso e assistência à família. Entretanto, o que se vê em realidade são constantes ofensas a esses preceitos.
Não dar dignidade ao preso é explicitar uma contradição na opção feita pela sociedade brasileira. Mais: não custa lembrar que, por trás de um preso, na quase totalidade das vezes há uma família inocente e sofredora com as atitudes do criminoso; não dar a mínima dignidade ao preso no cumprimento da pena resulta em elevar exponencialmente a agrura daquela família.