A recuperação judicial é um instrumento criado por lei para ajudar o devedor a superar uma crise econômico-financeira. A lei estabeleceu hipóteses e mecanismos em que uma empresa devedora, em vez de simplesmente fechar as portas, tem a chance de conseguir um fôlego e abrir negociações com os seus credores.
Não é, contudo, qualquer crédito que pode ser habilitado nas recuperações judiciais. Apenas créditos concretos e existentes até a data do protocolo do pedido de recuperação judicial pelo devedor no guichê da Justiça, que se propõe a pagar seus credores através de um plano, é que podem entrar ali para serem efetivamente negociados, aprovados, homologados pelo juiz e pagos.
Uma das grandes questões que surgem é sobre o crédito ilíquido: por crédito ilíquido deve-se entender aquele que ainda dependa de concretização judicial para se verificar a sua existência e quantificação, como ocorre nos processos onde se busca compensação por dano moral.
Por exemplo: se o credor processou o devedor que estava em recuperação judicial, visando obter contra ele direito à indenização por dano moral ao argumento de que seu nome foi anotado indevidamente no SPC e SERASA, este crédito apenas poderá ser habilitado na citada recuperação após a prolação da sentença reconhecendo o direito à indenização, desde que não seja modificada por recurso.
Entretanto, alguém poderá perguntar o seguinte: se apenas entrariam na recuperação judicial valores existentes até do seu protocolo formal na Justiça, como poderia entrar também um crédito decorrente de uma indenização apurada em uma sentença que lhe é posterior?
Resposta: porque o direito de crédito, nestes casos, retroagirá à data da prática do ato ilícito que o motivou, e quando a sentença garante esse direito, nada mais o faz do que declará-lo como existente desde então, não importando se isso ocorrerá antes ou depois do processamento do pedido de recuperação judicial. Assim entendem de forma reiterada os tribunais do país.
Vamos imaginar, por hipótese, que no processo de indenização acima mencionado a negativação indevida tenha ocorrido em janeiro de 2014, e a recuperação judicial da empresa devedora tenha se dado em dezembro de 2015. Neste caso, sem dificuldade, a sentença declarará direito de crédito que poderá ser tranquilamente habilitado na recuperação judicial. Em suma, este é o tratamento que os créditos ilíquidos têm dentro do processo de recuperação judicial.
Raphael Wilson Loureiro Stein é Associado do Escritório desde abril de 2019 e atua nas áreas: Contencioso Civil, Comercial e Recuperação de Empresas e Falência.
Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2021/09/15/recebimento-do-credito-na-recuperacao-judicial/