Salvação para os Superendividados

Tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei que inova e altera disposições do Código de Defesa do Consumidor, com o objetivo de prevenir o superendividamento e ajudar os que já estiverem superendividados. Apesar de ser somente um projeto de lei (nº 3.515 – Câmara Federal), é importante a sociedade tomar conhecimento do seu teor e, aos que com ele concordarem, fazer a devida gestão junto aos deputados federais e senadores para uma célere tramitação da proposta legislativa. Não é raro encontrarmos os que se endividam de forma premeditada, com má-fé, obtendo créditos com o planejamento anterior de não pagar. Contra esses a lei deve ser rigorosa. A lei também deve sempre proteger os interesses dos credores; caso contrário, os investidores no mercado produtivo não terão segurança jurídica para disponibilizar os seus recursos. Contudo, como quase tudo na vida há casos e casos. A possível futura legislação trata exatamente de questões excepcionais, sensíveis, além de trazer mecanismos de incentivo à prevenção de grandes dívidas. Pela proposição, entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor, pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial. Destaco alguns pontos do projeto: – Prevenção e tratamento do superendividamento como forma de evitar a exclusão social do consumidor: Uma expressão nova, ao menos nesse sentido, evitar a exclusão social significa envidar todos os esforços para que o consumidor não esteja alijado da massa que consiga adquirir bens de consumo em geral. – Instituição de mecanismos de prevenção e tratamento extrajudicial e judicial do superendividamento e de proteção do consumidor pessoa natural: A norma poderá trazer uma novidade que estimulará credores e devedores na busca por uma conciliação, desde que dentro de parâmetros aceitáveis para ambos. – Mínimo existencial: Outra expressão inovadora, traz em si o dever de que o consumidor superendividado tenha assegurada, minimamente, a preservação de condições básicas para subsistência sua e da família. Na repactuação de dívidas, o mínimo existencial deverá sempre ser observado. – Ilegalidade de qualquer tipo de contratação que tenha como efeito a renúncia, pelo consumidor ou fiador, da impenhorabilidade de bem de família. – Processo de recuperação judicial do devedor superendividado: Segundo o projeto, a requerimento do consumidor superendividado pessoa natural, o juiz poderá instaurar processo de repactuação de dívidas, visando à realização de audiência conciliatória, presidida por ele ou por conciliador credenciado no juízo, com a presença de todos os credores, em que o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento com prazo máximo de 5 (cinco) anos, preservados o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, e as garantias e as formas de pagamento originalmente pactuadas. – No processo judicial de repactuação de dívidas, o consumidor será excluído de bancos de dados e cadastros de inadimplentes, ficando, entretanto, a permanência dos efeitos do plano de renegociação, condicionada à abstenção, pelo consumidor, de condutas que importem o agravamento de sua situação de superendividamento. – Diferentemente de um processo de recuperação judicial de uma pessoa jurídica, caso aprovado o projeto de lei, ficará estabelecido que, inexitosa a conciliação em relação a quaisquer credores, o juiz, a pedido do consumidor, instaurará processo por superendividamento para revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas remanescentes mediante plano judicial compulsório, procedendo à citação de todos os credores cujos créditos não tenham integrado o acordo porventura celebrado.

Acusação de Pirâmide Financeira

É comumente usual algumas empresas serem rotuladas como Pirâmides Financeiras, principalmente nas redes sociais, apesar de muitas vezes não serem, tornando-se alvo de acusações injustas. Por isso percebe-se a importância de, ao se criar um Plano de Ação para um novo negócio, tomar os devidos cuidados na modelagem jurídica e financeira de maneira a se respeitar os aspectos legais inerentes ao novo empreendimento. Planejamento e prevenção são palavras-chave!

Modelação Jurídica das Startups

Conceituação Muitas pessoas dizem que qualquer pequena empresa em seu período inicial pode ser considerada uma startup. Outros defendem que uma startup é uma empresa com custos de manutenção muito baixos, mas que consegue crescer rapidamente e gerar lucros cada vez maiores. Mas há uma definição mais atual, que parece satisfazer a diversos especialistas e investidores: uma startup é um grupo de pessoas à procura de um modelo de negócios repetível e escalável, trabalhando em condições de extrema incerteza. – Um cenário de incerteza significa que não há como afirmar se aquela ideia e projeto de empresa irão realmente dar certo – ou ao menos se provarem sustentáveis. Ser repetível significa ser capaz de entregar o mesmo produto novamente em escala potencialmente ilimitada, sem muitas customizações ou adaptações para cada cliente. Isso pode ser feito tanto ao vender a mesma unidade do produto várias vezes, ou tendo-os sempre disponíveis independentemente da demanda. (Revista Exame – Editora Abril – 01 de março de 2018) Tecnologia Há um natural – mas não totalmente correto – atrelamento das startups à tecnologia, levando-se ao pensamento de que uma startup deve ser necessariamente uma empresa de tecnologia. Isso se dá pelo fato de que, na maioria das vezes, uma startup é empreendida pela chamada geração dos millennials, que são aquelas pessoas que hoje têm entre 18 e 35 anos. É a geração da tecnologia e que tende a inovar sempre levando para esse lado. Modelação Jurídica O universo das startups está em crescimento no Brasil, tornando-se um segmento representativo do empreendedorismo nacional. Esse fato foi comprovado pela pesquisa realizada pelo Sebrae de São Paulo, que mostrou como as startups brasileiras movimentaram R$ 784 milhões entre 2014 e 2015, representando um crescimento de 14% em relação ao período de 2013 a 2014. Apesar do bom momento, os empreendedores devem tomar alguns cuidados ao levar seus projetos inovadores adiante. O principal deles diz respeito à legislação brasileira, complexa por natureza, que deve ser respeitada em todos os seus detalhes. Só assim as startups conseguirão se desenvolver de maneira adequada. Dicas essenciais para startups Startups têm a possibilidade de rápido crescimento, por serem empresas inovadoras que buscam escalar produtos e serviços. É importante que exista a preocupação em estabelecer uma estrutura legal adequada para sustentar esse desenvolvimento, evitando perdas de oportunidades de negócios. O primeiro passo é estudar a legislação em que as startups estão inseridas. Esse conhecimento deve abranger direito do consumidor, legislação de entidades de classes e resoluções das agências regulatórias. O ideal é que essa análise seja feita antes de iniciar o seu negócio, pois qualquer disposição legal em contrário pode inviabilizá-lo. Por exemplo, algumas classes, como médicos e advogados, não têm permissão para fazer propaganda de seus serviços. Neste caso, se você quiser criar um serviço eletrônico para ajudar esses profissionais, deverá observar os limites éticos previstos nos códigos de suas entidades de classe. Uma das decisões mais importantes que o empreendedor deve considerar é a escolha do tipo jurídico da sua startup e as suas implicações legais. Atualmente, existem diversos tipos, mas, caso as startups tenham dois ou mais sócios, o mais indicado é o modelo de responsabilidade limitada. Como o próprio nome indica, a responsabilidade dos sócios fica limitada à quantidade de cotas que eles têm no contrato social da empresa. Tal sociedade apresenta a nomenclatura Ltda. e será inscrita na Junta Comercial do Estado em que a startup se encontra estabelecida. A sua principal função é proteger os bens pessoais dos sócios, separando-os do patrimônio da sociedade, que será o único recurso usado para cumprir as responsabilidades da empresa, com algumas exceções previstas em lei. Caso a startup seja o projeto de um empreendedor apenas, a legislação atual prevê a figura da empresa individual de responsabilidade limitada (Eireli). Nesse caso, é possível o desenvolvimento de atividades empresariais por uma única pessoa, no mesmo formato de uma sociedade limitada. Vale ressaltar que, mesmo começando como sociedade limitada, caso a startup receba um aporte de investidores, provavelmente considerarão a transformação para o regime de Sociedade Anônima, que é outro tipo jurídico existente. Depois que o empreendedor decidiu o melhor desenho jurídico, é preciso obter os registros necessários para o funcionamento da empresa. É comum que as startups comecem de maneira informal, com a participação de amigos e pessoas próximas. No entanto, os empreendedores devem providenciar o registro da empresa, evitando problemas no futuro. A falta de um contrato social ou um acordo de quotistas impossibilita a comprovação da situação da empresa. Isso dificulta a solução de qualquer problema ou atrito. A formalização dá mais segurança aos empreendedores, aumentando, inclusive, as chances de receberem a atenção dos investidores. Por isso, após a definição do desenho jurídico das startups, o próximo passo é o registro da sociedade na Junta Comercial do estado em que a empresa atuará. Com isso, a empresa obtém também a Inscrição Estadual ou Municipal, conforme o caso. Só a partir dessas ações que a constituição da empresa será válida. O próximo passo será providenciar a inscrição da startup no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas. Isto é realizado junto à Receita Federal. Também será preciso requerer as demais inscrições, dependendo do tipo de atividade. Além desses registros, é necessário que o empreendedor verifique a necessidade de alguma autorização ou permissão administrativa específica. Isto é necessário, pois a atuação da startup pode estar sujeita a algum tipo de regulação específica. Isto se deve à natureza da sua atividade. A marca de uma startup representa a forma como a empresa será reconhecida pelo mercado. Ela ajuda a garantir que as horas dedicadas ao seu projeto — estudando o mercado, desenvolvendo o modelo de negócios e divulgando o seu produto — não sejam desperdiçadas. Além disso, o registro garantirá a identificação da sua empresa diante da concorrência, aumentando a sua credibilidade frente o mercado. O registro da marca é efetuado junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Ele possibilita ao empresário seu uso em todo o Brasil. Também permite a geração de receitas […]

Contrato de Trabalho Verde e Amarelo

Semana passada foi publicada a Medida Provisória nº 905, que instituiu o Contrato de Trabalho Verde e Amarelo. Destinada à criação de novos postos de trabalho para as pessoas entre dezoito e vinte e nove anos de idade, a MP inova ao trazer estímulos visando ao recrutamento de jovens e movimentação da economia. Claro que, por ser somente uma MP, ainda estará sujeita ao escrutínio do Congresso Nacional, podendo sofrer alterações ou mesmo se tornar sem efeito pelo decurso do tempo. Contudo, dada o potencial benéfico da medida, já vale destacar os seus pontos mais importantes. A verdade é que há muitas barreiras para o jovem conseguir o seu primeiro emprego, a começar pela falta de experiência. De outro lado, o empresariado vive sob o grande peso tributário existente no Brasil. Os impostos, além de alcançarem fortemente a atividade econômica em si (ICMS, ISS, IPI etc.), ainda sobrecarregam a folha de pagamento, o que, por óbvio, desestimula o empreendedor a contratar novos postos de trabalho. É um círculo vicioso. O empresário não contrata com medo dos custos. Não contratando, a empresa acaba por não ter como executar novos projetos e ideias que poderiam trazer crescimento ao negócio. No atual ambiente de ferrenha competição, vence quem cria, inova e executa. Tudo isso depende de novas cabeças e pessoas, que não são admitidas pelo temor. Está instalado o círculo vicioso. O público-alvo da MP são jovens da faixa etária indicada e que precisam, ainda, do primeiro emprego. Algumas características do Contrato Verde e Amarelo: – Limitação de 20% do total de empregados em tal modalidade, sendo que, para as empresas com até dez empregados, o total no Verde e Amarelo poderá ser de até dois empregados; – Salário-base mensal de até um salário-mínimo e meio; – O Contrato deverá se dar por prazo determinado, com vigência máxima de vinte e quatro meses. Para o jovem, a maior vantagem é a esperança de uma grande movimentação no mercado de trabalho em seu favor, diante do estímulo que as empresas terão. Principais benefícios ao empresário que admitir jovens na modalidade do Contrato Verde e Amarelo: – Possibilidade de pagar mensalmente, de forma antecipada, o décimo terceiro salário e as férias proporcionais, com diluição temporal dos custos; – Recolhimento do FGTS na alíquota de 2%; – Opção por antecipar o pagamento da indenização do FGTS, mensalmente ou em outra periodicidade acordada com o empregado, cujo percentual será a metade do que é vigente hoje; – Isenção da contribuição previdenciária, do salário-educação e da contribuição social do Sistema S e do Incra; – Liberação de pagamento da indenização do artigo 479 da CLT, no caso de demissão antes de expirado o prazo determinado no Contrato Verde e Amarelo; – No caso de atividades sujeitas ao adicional de periculosidade, a empresa poderá contratar um seguro de acidentes pessoais (que é relativamente barato) e pagar um adicional de apenas 5%. Acompanhemos os debates no Parlamento e torçamos para que, mesmo que com alterações aqui e acolá, a essência da MP seja mantida. O Brasil precisa de inovações legislativas que movam a economia, estimulem o empreendedorismo e, neste caso específico, abram portas para os jovens.

Vitória da Constituição!

Boa parte do país assistiu, nesta última quinta-feira, à conclusão do julgamento sobre a prisão após condenação em segunda instância. Os debates foram acalorados entre os ministros do Supremo Tribunal Federal, e continuam fortes nas vozes das mais diversas pessoas e pelos corredores dos fóruns e tribunais. Eu não entrarei, aqui, na análise do que é justo ou injusto. Estarei limitado a falar sobre a nossa Lei Maior. E sobre ela, não tenho dúvidas, a decisão do STF foi uma vitória da Constituição! O artigo 5º, LVII da Constituição Federal diz que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Com exceção das prisões preventivas e temporárias, se a Constituição diz que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, como seria possível ocorrer uma execução antecipada da pena se o acusado ainda não era considerado culpado? Vamos esmiuçar o texto constitucional: (a) ninguém é ninguém; (b) considerado culpado é considerado culpado; (c) trânsito em julgado é quando não cabe mais nenhum tipo de recurso, no momento em que o processo penal de acusação tiver efetivamente terminado. Alguma dúvida da clareza da Constituição? Contudo, alguns “intérpretes” sempre tentaram dar um jeito de dizer que seria possível começar a executar uma pena (prender uma pessoa, em muitos casos) mesmo sem a pessoa ser considerada culpada. Uma aberração! Para encerrar essa discussão, o legislador, em 2011, criou uma nova redação ao artigo 283 do Código de Processo Penal: “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”. Esse artigo clareou ainda mais o que já era muito claro, ao impor que a prisão como execução de pena somente poderia se dar depois do trânsito em julgado. A Constituição já falava que ninguém seria tido como culpado e o novo artigo esclareceu que também não poderia ser preso. Os defensores dos desvios jurídicos, então, partiram para dizer que o artigo 283 do CPP era inconstitucional. Dá para entender? E o pior: o argumento inadmissível venceu por certo tempo. Nesta quinta, porém, finalmente o Supremo Tribunal Federal agiu com lucidez sobre o assunto e declarou que o artigo 283 do CPP é constitucional. Venceu o certo. Venceu a garantia aos direitos individuais. Venceu a sociedade. Venceu a Constituição! Parlamentares em Brasília, alguns, já se movimentam em torno de um projeto de emenda à constituição para inserir na Carta que a execução antecipada da pena pode se dar depois da condenação em segunda instância. Nada mais inócuo! O artigo 5º, LVII da Constituição Federal (“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”) é uma cláusula pétrea, ou seja, não pode ser mudado por emenda à Constituição, como garante o artigo 60 da Carta: Artigo 60 – Emenda à Constituição – § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV – os direitos e garantias individuais. Ou seja, apenas uma nova assembleia nacional constituinte poderia alterar a regra que hoje existe, jamais uma emenda à Carta.

‘Pena de Perdimento – Ilícito Penal’

A pena de perdimento é a punição aplicada sobre um bem envolvido em algum tipo de ilicitude na importação ao Brasil. Neste escrito trataremos da tentativa de aplicação, pela fiscalização, da pena de perdimento em função de ilicitude criminal. Ocorreu um caso concreto: determinadas mercadorias foram importadas de forma irregular. Ao chegarem ao Brasil, as mercadorias eram transportadas em veículos alugados de uma determinada locadora. Feita a operação policial de apreensão das mercadorias importadas, o veículo alugado foi incluído na penalidade de perdimento. A empresa locadora se insurgiu contra isso, tendo sido vencida em duas instâncias, mas felizmente teve o seu direito reconhecido no Superior Tribunal de Justiça – STJ. É lamentável que, comumente, o apetite fiscalizatório estatal se exceda. Utilizando um decreto-lei de 1966, o nº 37, a fiscalização federal aplicou ao veículo a pena de perdimento pelo simples fato do mesmo estar transportando as mercadorias objeto do crime. Entenderam a fiscalização e as duas primeiras instâncias da Justiça, que havia indícios “suficientes” de que a locadora sabia da prática criminosa. A aplicação da lei criminal não pode se dar com base em indícios. É preciso haver provas. Provas conclusivas e contundentes. O respeito ao estado democrático de direito passa pelo respeito aos mais basilares princípios constitucionais. Se o processo administrativo de perdimento trouxe somente indícios, o dono do veículo não tem como ser apenado com o perdimento. A locadora de automóveis não tem, legal ou contratualmente, nenhuma obrigação de sair investigando o que os locatários dos carros estão fazendo com os seus veículos. Não há como se admitir uma inversão de obrigações na esfera criminal, mesmo que algum caso esteja ligado a uma questão alfandegária. A liberdade, inclusive dos bens, é a regra. Apreensão e perdimento são exceções, que podem e devem ser usadas quando houver, em desfavor de seu proprietário, provas incontestáveis da participação no ilícito. Ao julgar o caso, o Superior Tribunal de Justiça restabeleceu o equilíbrio que deve existir entre o agente estatal, que tem o poder de polícia, e os cidadãos brasileiros. Segue um importante trecho do julgamento do recurso especial 1817179: “Só a lei pode prever a responsabilidade pela prática de atos ilícitos e estipular a competente penalidade para as hipóteses que determinar, ao mesmo tempo em que ninguém pode ser privado de seus bens sem a observância do devido processo legal. (…) A pena de perdimento do veículo só pode ser aplicada ao proprietário do bem quando, com dolo, proceder à internalização irregular de sua própria mercadoria. A pessoa jurídica, proprietária do veículo, que exerce a regular atividade de locação, com fim lucrativo, não pode sofrer a pena de perdimento em razão de ilícito praticado pelo condutor-locatário, salvo se tiver participação no ato ilícito para internalização de mercadoria própria, exceção que, à míngua de previsão legal, não pode ser equiparada à não investigação dos ´antecedentes´ do cliente.” Esperamos que esse julgamento sirva de paradigma para nortear ações fiscalizadoras e do próprio Poder Judiciário em suas instâncias menores, daqui por diante.

‘Abuso do Poder Regulador – Análise da Lei da Liberdade Econômica (2)’

A Constituição Federal estabelece os princípios gerais da atividade econômica, trazendo a sua finalidade no artigo 170: A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios. A livre iniciativa, portanto, tem origem em princípio constitucional. Claro que o governo-Estado tem a missão de impor certas regulações para que o mercado não seja contaminado por atitudes que o prejudiquem. Não por outra razão, o artigo 174 da Carta estabelece a função no Estado diante do mercado: Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. O grande problema sempre residiu na intromissão estatal descabida, injustificável e, por óbvio, danosa ao mercado. Sempre foi comum que autoridades de plantão criassem entraves, normas em demasia e burocracia insuperável em face do mercado. Em todas as esferas, federal, estadual e municipal, víamos a todo tempo o governante da vez, talvez querendo deixar “a sua marca”, criar obrigações que engessavam o mercado, inviabilizavam a livre iniciativa. Atitudes desmotivadoras e sem nenhum propósito real e sensato. A lei da liberdade econômica, nº 13.784 de 2019, inovou com grande felicidade ao criar a figura do “abuso do poder regulatório”. Assim está estabelecido na lei nº 13.784, no artigo 4º: É dever da administração pública e das demais entidades que se vinculam a esta Lei, no exercício de regulamentação de norma pública pertencente à legislação sobre a qual esta Lei versa, exceto se em estrito cumprimento a previsão explícita em lei, evitar o abuso do poder regulatório de maneira a, indevidamente: I – criar reserva de mercado ao favorecer, na regulação, grupo econômico, ou profissional, em prejuízo dos demais concorrentes; II – redigir enunciados que impeçam a entrada de novos competidores nacionais ou estrangeiros no mercado; III – exigir especificação técnica que não seja necessária para atingir o fim desejado; IV – redigir enunciados que impeçam ou retardem a inovação e a adoção de novas tecnologias, processos ou modelos de negócios, ressalvadas as situações consideradas em regulamento como de alto risco; V – aumentar os custos de transação sem demonstração de benefícios; VI – criar demanda artificial ou compulsória de produto, serviço ou atividade profissional, inclusive de uso de cartórios, registros ou cadastros; VII – introduzir limites à livre formação de sociedades empresariais ou de atividades econômicas; VIII – restringir o uso e o exercício da publicidade e propaganda sobre um setor econômico, ressalvadas as hipóteses expressamente vedadas em lei federal; e IX – exigir, sob o pretexto de inscrição tributária, requerimentos de outra natureza de maneira a mitigar os efeitos do inciso I do caput do art. 3º desta Lei. Percebam que a nova norma tratou, de forma clara e direta, de vícios governamentais com os quais o mercado tinha que conviver há décadas. Está proibido abusar do direito de regular. Deve-se deixar o mercado ser o que ele é: mercado. Simples assim. Se queremos modernizar a economia brasileira, um grande passo foi dado com a imposição de limites ao poder regulador.