Proibição da Venda de Produtos “Não Essenciais”

No dia 18/03/2021 entrou em vigor o Decreto Estadual n.º 4838-R, que dispõe sobre as medidas extraordinárias para o enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do novo coronavírus (COVID-19), pelo prazo de 14 (quatorze) dias, em todos os municípios do Estado do Espírito Santo. Dentre outras disposições, o referido Decreto estabeleceu um rol apontando os serviços e atividades essenciais, aqueles que atendem às necessidades inadiáveis da comunidade. Estão inseridos nestas atividades a “produção, distribuição, comercialização e entrega realizadas presencialmente ou por meio eletrônico de produtos de saúde, higiene e gêneros alimentícios, incluindo atividade agropecuária, farmácias, comércio atacadista, hipermercados, supermercados, minimercados, hortifrútis, padarias e lojas de produtos alimentícios” (vide art.2º, VI, do Decreto n.º 4838). Em edição extra do Diário Oficial do Espírito Santo publicada no dia 20/03/2021, o Decreto n.º 4838 sofreu modificações, sendo destaque a proibição da venda de produtos considerados não essenciais. De acordo com o referido regramento, um hipermercado, por exemplo está proibido de vender “eletrodomésticos, eletrônicos, equipamentos de informática, ferramentas, vestuário e acessórios, calçados, artigos de cama, itens de decoração e equivalentes”. Ainda segundo a norma, tais produtos classificados como “não essenciais” deverão ser “retirados dos mostruários ou segregados dos demais produtos vendidos com o uso de fitas ou outros mecanismos de separação”. Pois bem, analisando a modificação levada a efeito no último dia 20/03/2021, observa-se que de um lado a medida foi “justa” para com os empresários que trabalham no comércio de produtos “não essenciais” e foram obrigados a suspender suas atividades, na medida em que poderão atender a demanda outrora reprimida a partir do momento em que houver a retomada das atividades. Por outro lado, privou-se a liberdade dos consumidores de terem acesso a produtos que verdadeiramente são essenciais, sobretudo em tempos de quarentena. Afinal, a aquisição de um eletrônico ou um equipamento de informática, por exemplo, para aprimorar o trabalho em casa ou as aulas virtuais passou a ser uma necessidade corriqueira e, por vezes, inadiável, uma vez que a disponibilidade e acesso a tais ferramentas passou a ser um requisito para o exercício da atividade profissional e acadêmica. Em verdade, resumir num rol taxativo as atividades tidas como essenciais é uma tarefa difícil, pois, toda atividade empresarial exerce sua função social, cada uma representando um importante papel à coletividade. Contudo, em período de grave crise sanitária, restrições devem ser impostas primando um bem maior: a vida.

É Possível Cobrar Valores Diferentes de Acordo com a Forma de Pagamento?

Um tema que tem gerado dúvidas entre os comerciantes e consumidores refere-se à possibilidade de se diferenciar preços de bens e serviços oferecidos ao público em função do prazo ou do instrumento de pagamento utilizado. Ou seja, é possível a cobrança diferenciada para compras no dinheiro, no cartão, no Picpay, no Pix? Em 2017 entrou em vigor a Lei nº 13.455/2017 que passou a permitir expressamente a diferenciação de preços de bens e serviços em função do prazo (Ex: pagamentos à vista podem ser mais baratos que os realizados a prazo); ou do instrumento de pagamento utilizado (Ex: é permitido que o lojista cobre um preço mais caro se o consumidor optar por pagar em cheque ou cartão em vez de dinheiro). Importante registrar que antes da entrada em vigor da referida Lei, o entendimento jurisprudencial sobre o tema era no sentido de que a diferenciação entre o pagamento em dinheiro, cheque ou cartão de crédito caracterizava prática abusiva no mercado de consumo, nociva ao equilíbrio contratual (STJ. 2ª Turma. REsp 1.479.039-MG, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 6/10/2015). Com a vigência da Lei nº 13.455/2017, os dispositivos legais que antes eram utilizados como fundamento legal para se proibir a diferenciação de preços (destacamos aqui o art. 39, V e X do Código de Defesa do Consumidor e art. 36, §3º, X e XI, da Lei n.º 12.529/2011), foram derrogados e a interpretação que passou a ser dada é a de que não mais é proibida a diferenciação de preços de bens e serviços oferecidos ao público em função do prazo ou do instrumento de pagamento utilizado. Contudo, não podemos deixar de salientar que se o lojista praticar a diferenciação de preços de acordo com o prazo ou instrumento de pagamento deverá afixar nas dependências do estabelecimento comercial essas informações e condições, em local e formato visível ao consumidor (vide art. 5º-A da Lei nº 13.455/2017), sendo que a não observância dessa determinação acarretará a aplicação de sanções previstas no Código de Defesa do Consumidor, em decorrência da falta de informação ao consumidor. Portanto, é lícito aos comerciantes praticarem preços diferenciados de acordo com o instrumento de pagamento ou o prazo, desde que essa informação conste visivelmente nas dependências do estabelecimento sob pena de ferir a legislação consumerista e estar suscetível à fiscalização e penalidades impostas pelo PROCON.

É Possível a Penhora de Bem de Família dado em Caução Imobiliária?

Imaginemos a seguinte situação: Arthur alugou um imóvel de propriedade de uma empresa e, como garantia deste contrato de locação, Henrique (amigo do locatário) ofereceu a sua própria casa como caução. Diante da inadimplência de Arthur, pode o imóvel de Henrique ser penhorado? A questão foi recentemente submetida à análise do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que decidiu que as hipóteses de exceção à regra da impenhorabilidade do bem de família, previstas na lei, são taxativas, não comportando interpretação extensiva, de modo que o bem imóvel ofertado em caução imobiliária para garantia locatícia é impenhorável, por não constar dentre as hipóteses legais que autorizam a penhora. O referido Diploma Legal mencionado é a Lei nº 8.009/90, que prevê a impenhorabilidade do bem de família. Via de regra, o bem de família legal é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam (art. 1º). Excepcionalmente (art. 3º da Lei nº 8.009/90), o bem de família poderá ser penhorado. Para o presente artigo, analisaremos apenas duas destas exceções: a primeira é para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar; e a segunda por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. Veja que se foi constituída hipoteca, com anuência do casal, sobre um imóvel bem de família, e, posteriormente a hipoteca venha a ser executada, o casal não poderá alegar a impenhorabilidade do imóvel. De igual modo, o fiador demandado numa ação de cobrança de alugueis não pagos. Caso seu único imóvel (aquele que serve de residência própria e de sua família) venha a ser penhorado, não poderá sustentar que o bem é impenhorável. Assim é por expressa disposição legal. Retornando à análise, para o Superior Tribunal de Justiça, a caução imobiliária não se confunde com a hipoteca, tampouco com a fiança em contrato de locação. Logo, não sendo a caução imobiliária oferecida em contrato de locação como uma situação excepcional da Lei n.º 8.009/90 que autoriza a penhora do bem de família, o bem será impenhorável. Observe que a decisão do Superior Tribunal de Justiça reforça a interpretação restritiva quanto as hipóteses de exceção à regra de impenhorabilidade de bem de família. Assim, devem os locadores ficarem atentos à garantia prevista no contrato de locação, pois, eventualmente, poderá não ser aquela que efetivamente irá garantir o recebimento do aluguel bem como dos consectários legais e contratuais.

‘Redução das Mensalidades Escolares Durante a Pandemia: Inconstitucionalidade de Leis Estaduais’

Os efeitos da pandemia são cristalinos e, evidentemente, atingiram o dia-a-dia escolar. Em momento anterior, neste blog, abordamos sobre um tema que ganhou extrema relevância durante a pandemia: a redução das mensalidades escolares. Observamos que rapidamente as instituições de ensino adequaram-se a uma nova realidade e implementaram ferramentas tecnológicas para levar o conhecimento à distância. Ante a manutenção da prestação de serviços educacionais, muitos contratos de prestação de serviços foram conservados. Houve instituições também que não conseguiram (seja por razões de ordem técnica, prática ou financeira) manter a prestação dos serviços educacionais nas mesmas condições e com a qualidade das aulas presenciais, levando os consumidores a requererem a suspensão contratual, descontos no pagamento e, por vezes, até mesmo o término do contrato. Neste cenário, alguns estados a exemplo de Ceará, Maranhão e Bahia editaram leis que estabeleceram o desconto obrigatório nas mensalidades de toda a rede privada de ensino durante a pandemia da covid-19. No estado do Espírito Santo, em Junho, adveio a Lei n.º 11.144/2020 que dispôs sobre a matéria e obrigou as instituições de ensino a reduzir o valor das mensalidades dos consumidores no percentual de até 30% (trinta por cento), enquanto perdurar o estado de emergência em saúde pública decorrente do surto do novo coronavírus. A questão foi submetida à análise do Supremo Tribunal Federal (STF) após ações serem ajuizadas pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (CONFENEN). Ontem (28/12/2020), em plenário virtual, o STF julgou inconstitucionais as leis dos estados do Ceará, do Maranhão e da Bahia que estabeleceram desconto obrigatório nas mensalidades da rede privada de ensino durante a pandemia da covid-19. Para a Suprema Corte, os estados ao editarem leis que estabeleceram uma redução geral dos preços fixados nos contratos para os serviços educacionais, alteraram, de forma geral e abstrata, o conteúdo dos negócios jurídicos, o que as caracteriza como normas de Direito Civil. De acordo com o ministro Alexandre de Moraes, relator das Ações Diretas de Inconstitucionalidade n.º 6.423, 6.575 e 6.435, os efeitos da pandemia sobre os negócios jurídicos privados, inclusive decorrentes de relações de consumo, foram tratados pela Lei Federal 14.010/2020, que estabeleceu o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado para o período (RJET). A referida norma reduziu o espaço de competência complementar dos estados para legislar e não contém previsão geral de modificação dos contratos de prestação de serviços educacionais. Assim, considerando que apenas a União Federal detém competência constitucional para legislar sobre normas de Direito Civil, o Supremo Tribunal Federal declarou serem inconstitucionais as leis dos estados do Ceará, do Maranhão e da Bahia que estabeleceram desconto obrigatório nas mensalidades da rede privada de ensino durante a pandemia, não sendo, portanto, competência dos estados (por meio das Assembleias Legislativas) legislar sobre o tema.

É Possível Reconhecimento de Uniões Estáveis Simultâneas para Rateio de Pensão?

Imagine a seguinte situação: um homem manteve simultâneas e prolongadas relações equiparáveis à união estável com uma mulher e outro homem. Esta relação homoafetiva teria perdurado pelo menos 12 anos. Após a morte do companheiro, a mulher buscou a Justiça e obteve o reconhecimento judicial da união estável. Posteriormente, o outro parceiro também acionou o Poder Judiciário e obteve decisão de 1º grau que reconheceu a união estável. Indaga-se: é possível que a relação chamada “paralela” possa produzir efeitos previdenciários e concorrentes com aqueles oriundos de uma união estável preexistente e que se extinguiu pela morte do companheiro? A pensão deixada pelo falecido poderá ser dividida? Este caso foi submetido à apreciação do Supremo Tribunal Federal (RE 1.045.273/SE), que, em julgamento concluído em 14/12/2020, decidiu não ser possível o reconhecimento de duas uniões estáveis simultâneas para rateio de pensão. É importante esclarecer que, para que reste configurada a união estável, devem ser preenchidos alguns requisitos legais, quais sejam: a relação deve ser pública, contínua, duradoura, com o objetivo de constituir uma família, observando-se os deveres de lealdade, respeito e assistência, bem como da guarda, sustento e educação dos filhos, e, por fim, as partes não podem estar impedidas para o casamento. Preenchidos tais requisitos, a união estável poderá ser reconhecida, dando-se proteção estatal equiparada ao casamento, tanto nos direitos quanto nos deveres (artigo 226 da Constituição Federal). No que se referem aos direitos e deveres, cabe mencionar que quem está casado ou vive uma união estável não pode contrair novo casamento ou uma nova união estável, pois, em nosso ordenamento jurídico a bigamia é vedada (artigo 1.521, VI, do Código Civil), sendo até mesmo considerada conduta tipificada como crime (artigo 235 do Código Penal) Não raras as vezes, paralela e simultaneamente à união estável preexistente poderá haver outra relação com as mesmas características de uma união estável. Os Tribunais Pátrios, inclusive, já haviam enfrentado situações similares anteriormente, conferindo, em alguns casos a proteção e o reconhecimento de direitos da (o) companheira (o) do relacionamento paralelo. Acertadamente, com o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, a preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1.723, §1º do Código Civil, impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins previdenciários. Consagrou-se, portanto, o dever de fidelidade e da monogamia enraizado no ordenamento jurídico-constitucional brasileiro.