STJ Afasta Crime Por Não Pagamento do ICMS

Em dezembro de 2019, no julgamento do Recurso em Habeas Corpus RHC nº 163334, o Supremo Tribunal Federal – STF fixou a seguinte tese: “O contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990”. Meses depois, instalou-se no Brasil uma crise econômica inédita gerada pelo enfrentamento da pandemia da COVID-19. Em decorrência disso, muitas empresas perderam a capacidade financeira para cumprir suas obrigações e recorreram ao Poder Judiciário em busca da prorrogação do pagamento de tributos, dentre eles o ICMS. Após algumas decisões favoráveis aos contribuintes, muitos juízes e Tribunais passaram a adotar o entendimento de que, diante da crise causada pela pandemia, o interesse público deveria prevalecer sobre o interesse do particular e o Poder Judiciário não poderia produzir normas e invadir a competência do Poder Legislativo. Portanto, 4 meses após a fixação pelo STF da tese que configura crime o não pagamento do ICMS declarado, várias empresas viram-se impossibilitadas de pagar tributos em razão da indisponibilidade financeira gerada pela brusca diminuição de suas atividades comerciais. Observe-se que na tese fixada, dois elementos são necessários para definição da conduta criminosa: a contumácia e o dolo de apropriação. Entretanto, não foram estabelecidos os limites que caracterizam tais elementos, restando ao julgador a análise caso a caso. Por sua vez, em agosto de 2020, o Superior Tribunal de Justiça – STJ analisou o caso em que o contribuinte foi denunciado por deixar de pagar o ICMS referente a um mês. O julgamento foi realizado no período em que a economia ainda estava sujeita aos nefastos efeitos da pandemia. O entendimento foi no sentido de que a ausência de contumácia, ou seja, do deliberado inadimplemento, afasta o tipo penal e o contribuinte foi absolvido. A decisão do STJ abre caminho para a discussão sobre os limites de aplicação da tese do STF. O empresário que declarou o ICMS e deixou de pagá-lo para honrar o pagamento dos salários de seus empregados, por exemplo, não poderia ser classificado como devedor contumaz. Diante da conjuntura econômica vigente, espera-se que as eventuais faltas ocorridas nesse período sejam analisadas à luz do entendimento do STJ, com a melhor aplicação do direito em cada caso.

Contribuintes Podem Ser Beneficiados Sem Oposição do Fisco

A Lei nº 13.874/2019, conhecida como Lei da Liberdade Econômica, abrange aspectos variados da atividade empresarial e tem como escopo a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica. Dentre suas disposições, estão significativas inserções no processo administrativo fiscal, aquele pelo qual são constituídos os créditos tributários. Também foram acrescentados dispositivos legais que determinam a atuação da advocacia pública nos processos judiciais que tenham por objeto a discussão de tributos. Tais alterações ocorreram em benefício dos contribuintes e podem contribuir para o descongestionamento do judicial, pois a União Federal é a litigante com maior número de ações. Por exemplo, os Auditores-Fiscais da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil – SRFB, foram autorizados a não constituir créditos tributados, ou seja, não lançar tributos em autos de infração ou de qualquer outra forma, sobre tema definitivamente decidido pelos tribunais superiores, quando for definido em sede repercussão geral ou recurso. Da mesma forma, foi ampliada a autorização dada à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional – PGFN, para dispensa de contestação, recurso e apresentação de contrarrazões em matérias já pacificadas. Nesse esteio, e para o cumprimento do artigo 19-A da Lei nº 10.522/2002, cujo regramento determina a manifestação prévia da PGFN, foram publicados despachos que autorizam os Auditores-Fiscais da SRFB a não exigirem o pagamento de tributos e dispensam a PGFN de recorrer ou contestar. Matérias como a extensão da isenção de imposto de renda instituída em benefício do portador de moléstia grave especificada na lei ao resgate das contribuições vertidas a plano de previdência complementar, e a não incidência de IPI sobre produto que tenha sido objeto de furto ou roubo ocorrido após a saída do estabelecimento comercial ou a ele equiparado e antes da efetiva entrega ao comprador, ressalvadas algumas hipóteses, não serão contestadas judicial e administrativamente. Os contribuintes poderão usufruir da não incidência dos tributos nas situações acima apontadas sem a oposição do Fisco. As alterações legais mencionadas acima contribuem para um melhor relacionamento entre o Fisco e os contribuintes e beneficiam, sobretudo, a União Federal com a redução de gastos com sucumbência e com processos administrativos e judiciais prolongados. Nesses casos em que há autorização, nos termos da lei, o contribuinte poderá usufruir das reduções de tributos a que estiverem sujeitos sem a oposição do Fisco e da PGFN.

Abusividade de Cláusula Contratual Como Defesa em Recuperação Judicial

Na recuperação judicial, procedimento que tem por objetivo viabilizar a superação da crise econômico-financeira da empresa devedora, para permitir a manutenção de suas atividades produtivas, dos postos de trabalho e dos interesses dos credores, é possível à empresa recuperanda defender-se contra a habilitação de crédito originado em cláusulas contratuais abusivas. Isso porque no procedimento de impugnação de crédito são permitidos o pleno contraditório e a ampla instrução probatória, como ocorre em ações judiciais pelo procedimento comum. Essa foi a conclusão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ, ao examinar os artigos 13 e 15 da Lei nº 11.101/2005, que versam sobre o procedimento. Com efeito, poderá a empresa em recuperação judicial exercer seu direito de defesa, desde que se atenha aos temas que podem ser discutidos no incidente. Como a Lei nº 11.101/2005 não traz limitações ao contraditório e ao direito de defesa, se a recuperanda entende que o contrato que originou o crédito cobrado possui cláusulas abusivas e que, portanto, há margem para discussão do débito, deve apresentar o incidente de impugnação. Vale frisar que a recuperação judicial é regida pelo princípio da preservação da empresa e de sua função social, como a manutenção do emprego e o estímulo à atividade econômica. O reconhecimento da possibilidade de revisão de créditos originados em cláusulas contratuais abusivas, que podem existir em contratos de financiamento, contratos bancários ou em contratos mantidos com fornecedores, encontra respaldo, sobretudo, no texto constitucional, segundo o qual ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal. Logo, vê-se como acertado o posicionamento do STJ sobre a impossibilidade de restrição do exercício da ampla defesa quando a matéria de defesa da impugnação à habilitação do crédito for a alegação de abusividades em cláusulas dos contratos que deram origem ao crédito. Impede-se, com isso, o aprofundamento da crise financeira pela qual passa a empresa, e o pagamento indevido de débitos constituídos sob o mando da abusividade.

Diferencial de Alíquota do ICMS no Comércio Eletrônico

Temas de grande relevância da área tributária estão sendo apreciados pelo Supremo Tribunal Federal – STF nesse mês de novembro. Está pautado para a próxima semana o julgamento do Recurso Extraordinário RE 1287019, que definirá sobre a necessidade de lei complementar para a aplicação do diferencial da alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (DIFAL/ICMS) nas operações interestaduais que destinem bens a consumidores finais. O DIFAL consiste na diferença entre a alíquota do ICMS exigida pelo Estado de origem da mercadoria e a alíquota aplicada pelo Estado de destino. O DIFAL incidia apenas sobre as operações destinadas a consumidores finais que fossem contribuintes do ICMS. A partir de 2015, os Estados destinatários das mercadorias adquiridas por consumidores finais não contribuintes do ICMS foram autorizados a cobrarem o DIFAL, nos termos da Emenda Constitucional nº 87/2015. Para efetivação da cobrança, os Estados firmaram o Convênio nº 93/2015. Embora o DIFAL já existisse, sua incidência sobre as operações com consumidores não contribuintes é uma novidade no sistema tributário, motivo pelo qual deveria ser precedida por uma lei complementar específica que discipline a matéria. Isso porque a Constituição Federal prevê que as normas gerais que definem os tributos, principalmente no que diz respeito aos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes, devem estar previstas em lei complementar. É ela, também que deverá dispor sobre conflitos de competência entre os Estados, já que o ICMS é um imposto estadual. Nada disso foi observado. O assunto merece atenção geral, pois, principalmente nesse ano de 2020, o comércio eletrônico experimentou um crescimento exponencial, tornando quase obrigatória a adesão a essa modalidade para os mais diversos seguimentos. Empresas que não aderirem às vendas rêmoras estão sujeitas ao desaparecimento do próprio negócio. Portanto, nesse tipo de operação, em que o consumidor adquire bens, geralmente, em outros Estados, a exigência do o DIFAL poderá resultar no aumento dos preços praticados. Até agora, votou o Ministro Marco Aurélio no sentido de reconhecer a necessidade de lei complementar, motivo pelo qual a cobrança do DIFAL, na forma do Convênio nº 93/2015, é inválida, o que parece ser o juízo mais acertado. Mais uma vez, as expectativas voltam-se para o STF para que a Constituição Federal prevaleça sobre a sanha arrecadatória dos Estados.