O Credor Pode Apresentar Plano de Recuperação Judicial?

O plano da recuperação judicial configura peça obrigatória e fundamental ao devedor no processamento do pedido de recuperação judicial, e nele deverão constar os meios para a reestruturação do negócio, e também a viabilidade econômica com o laudo econômico-financeiro emitido por profissional ou empresa especializada/qualificada acerca de todos os bens ativos. A indicação de um plano consistente representa grande diferencial no caminho da recuperação que o empresário endividado tencione percorrer. Contudo, precisamos indagar: a classe credora pode oferecer o plano na recuperação judicial e, em caso positivo, como isso se dá no campo prático? Responderemos a essas indagações neste ensaio, agora. Entendemos que a resposta à primeira indagação é positiva, ou seja, não há vedação legal para o credor articular o plano de reestruturação, porém, o exercício deste direito não lhe é uma imposição legal, e sim uma faculdade condicionada, o que nem por isso lhe retira o status de grande player no sistema de insolvência brasileiro, afinal, é dele a palavra final sobre a aprovação ou não dos planos de recuperação propriamente ditos. No campo prático, antes mesmo do advento da nova lei recuperação judicial e falência, nº 14.112/20, o direito à apresentação do plano facultativo pelos credores já era algo que podia ser levado a cabo nas objeções ao plano formulado pelo devedor, sem exigência, contudo, do refazimento de laudo econômico-financeiro já apresentado. Com a chegada da nova lei acima mencionada, o cabimento do plano alternativo restou contextualizado sempre que for ultrapassado o prazo de 180 dias prorrogáveis por mais uma vez, chamado de stay period, fixado pelo juiz na decisão de deferimento do processamento da recuperação judicial do devedor, no qual estarão suspensas contra este ações e execuções no escopo de não se frustrar o seu plano de recuperação judicial, que deve ser apresentado em 60 dias da publicação desta decisão, sob pena de sua convolação em falência. Portanto, agora o plano alternativo tem expresso cabimento quando acabar o prazo em que as ações e execuções contra o devedor estarão suspensas por força de decisão judicial, sem que se tenha ainda deliberado sobre o plano de recuperação judicial do devedor, ou ele já tenha sido rejeitado pelos credores. Nesta hipótese, para finalizar o artigo, o Administrador Judicial submeterá aos credores a votação do (i) direito facultativo consistente no estabelecimento do plano alternativo, e (ii) o prazo para sua apresentação, que é de 30 dias, cuja aprovação só ocorrerá se contar com mais da metade (metade + 1) dos créditos representados na Assembleia Geral de Credores, na forma do artigo 56, da Lei 11.101/2005.

Financiamento para o Empresário em Recuperação Judicial

Sem nenhuma dúvida, o PL nº 4.458/2020, que alterou pontos importantes da Lei nº 11.101/2005, transformando-se na Lei nº 14.112/2020, por sua vez já aprovada e sancionada pela Presidência da República, que está em pleno vigor, trouxe grandes inovações ao sistema de insolvência brasileiro, onde se destaca a possibilidade de financiamento bancário ao empresário endividado, que atravessa o “mar de tormentas” dentro do processo de recuperação judicial. Estamos a falar do dip financing (debtor in possession financing), que é uma modalidade de empréstimo bancário, ainda muito pouco realizado pelos agentes financeiros brasileiros, por ser um negócio compreendido como de alto risco para o mutuante, mas que, por outro lado, já ajudou grandes corporações endividadas fora do Brasil, sendo exemplos as aviações Latam e Avianca, no sistema jurídico norte-americano. Quebrando indevidos dogmas e amarras do passado, alargando o leque de opções e meios não só para entender, tratar, e principalmente fornecer ao devedor efetivos meios para superar a crise e seguir com seu negócio, desde que pague suas dívidas, a nova norma brasileira em comento dedicou especial atenção a essa modalidade de financiamento. Na Lei nº 11.101/2005, antes da remodelagem implementada pela nova norma, embora não se vedasse tais operações de crédito, dificilmente elas ocorreriam na prática, pois, o cenário de segurança jurídica e garantias era praticamente nulo, e não raro o sistema financeiro demandava provisionamento na casa percentual de 100% do valor do crédito negociado, gerando mais dificuldades. Contudo, agora se chegou a um ponto de equilíbrio. O juiz poderá, após ouvido o Comitê de Credores, autorizar a celebração de contratos de financiamento com vistas a custear as atividades e despesas do devedor no processo de reestruturação e preservação do valor de seus ativos, desde que previsto no plano de recuperação judicial, e seja cercado da devida publicidade. Tudo isso traz segurança jurídica ao mutuante, porque no caso de insucesso do plano de recuperação judicial, ele terá à mão as garantias envolvidas no negócio, além do que seu crédito terá posição de extraconcursalidade qualificada, e na ordem de recebimento terá preferência em relação aos créditos fiscais e dos créditos com garantia real. Para finalizar, no sopro renovador de ideias que o legislador direciona para impulsionar “a embarcação dos empresários endividados e credores no processo de recuperação judicial”, tal financiamento poderá ser levado a efeito não apenas instituições financeiras, mas também por pessoas físicas ou jurídicas, sócios, familiares e integrantes do mesmo grupo da empresa devedora. O financiamento tratado nesse ensaio está contemplado mais diretamente nos artigos 69-A a 69-F da Lei nº 11.101/2005, cuja redação ficou a cargo da nova norma nº 14.112/2020, que dialoga com os principais vetores do sistema de reestruturação presentes no ordenamento jurídico pátrio, fortificando e alargando meios em prol de bem-sucedida recuperação judicial, com francas e efetivas garantias aos que participarem dessa empreitada, para que o negócio em crise volte a ter saúde financeira, pagando-se o que se deve aos credores.

A Constatação Prévia na Recuperação Judicial

A Lei nº 14.112/2020, cunhada como a nova lei de recuperação judicial e falência, entrou em vigor no último dia 23/01/2021, trazendo novidades à Lei nº 11.101/2005, que desde o início deste século regula o processo de recuperação judicial e de falência no Brasil. Dentro dessas novidades que a nova lei trouxe ao sistema jurídico e processual do Brasil, está a constatação prévia, conforme assim explicita o artigo 51-A, da Lei nº 11.101/2005, e que será o tema a ser explorado no corrente artigo. Pois bem, é correto dizer que se alguém quiser formular pedido judicial, batendo às portas do Poder Judiciário para isso, deverá demonstrar ao juiz deter legitimidade e interesse para fazê-lo. O interesse aqui é processual, ou seja, de que o pedido é realmente útil, necessário e está adequado, o que também se aplica aquele que pretenda formular pedido de recuperação judicial. No artigo 48 da já citada Lei nº 11.101/2005, está uma gama de pressupostos documentais que o empresário necessita reunir para efetivar o pedido de recuperação judicial no guichê de protocolo da justiça, sendo exemplos, dentre tantos: a relação dos credores, a prova da situação patrimonial e as razões da sua crise econômico-financeira. Como é possível que o juiz – de acordo com cada caso – entenda/decida que o pedido de recuperação judicial não atendeu às exigências legais, nesta hipótese não é deferido o pedido de concessão da recuperação judicial, e assim o processo é extinto ainda na sua fase inaugural. A depender das circunstâncias, sabendo-se que o direito não é uma ciência com precisão matemática, essa decisão tanto poderá prejudicar ainda mais o empresário que está “se afogando em suas dívidas”, e mesmo assim tenha um negócio viável/recuperável, quanto poderá livrar os credores de sofrerem dano, impedindo a prática de abuso de direito e fraude. O fato é que para aperfeiçoar esse ato decisório, o juiz agora poderá, e esse é o recém-chegado instituto da constatação prévia, nomear profissional de sua confiança, desde que possua capacidade técnica e idoneidade, no afã de apurar as reais condições de funcionamento da empresa, bem como a lisura dos documentos apresentados ao pedido de recuperação judicial, antes de decidir pelo seu deferimento ou indeferimento. Acreditamos que a constatação prévia é salutar, porque normatiza no ordenamento jurídico brasileiro o que não existia antes, suprindo, portanto, uma importante lacuna legal, para oferecer à magistratura brasileira boa ferramenta a ser explorada na construção das decisões sobre pedidos de recuperação judicial, ato humano do qual se espera sempre total equilíbrio e acerto. Em última análise, portanto, entendemos que essa novidade é reveladora da preocupação do legislador com a seriedade jurídica e social, que desde 2005 tem pautado o processo de reestruturação empresarial, por estarem em jogo ali não só a atividade econômica e empresária, mas também os postos de emprego e os interesses dos credores.

A Justiça Multiportas na Nova Lei de Recuperação Empresarial

No dia 24/12/2020, foi sancionada pela Presidência da República a Lei nº 14.112/2020, oriunda do Projeto de Lei (PL) nº 4.458/2020, que alterou pontos importantes da Lei nº 11.101/2005, que há mais de uma década regula os módulos de recuperação extrajudicial, judicial e também o processo falimentar no Brasil. Embora esteja em período de vacacio legis, isto é, aguardando o tempo devido para que tenha aplicabilidade no ordenamento jurídico pátrio, a nova lei foi bem recebida pela comunidade jurídica em geral, e não é por acaso, consoante tivemos a oportunidade de abordar neste blog, em artigo que explorou uma visão panorâmica do supracitado projeto de lei, após a sua aprovação pelo Senado Federal. Todavia, um estudo mais atento ao texto da nova lei permite compreender inúmeras preocupações do legislador, dentre elas a de formatar a Justiça Multiportas no direito voltado à solução dos conflitos de insolvência empresarial, o que até então não existia de forma direta e expressa, algo digno de destaque. Com vistas a situar os leitores deste ensaio, conceituamos a Justiça Multiportas como sendo, em uma feição mais simplista: a criação de métodos alternativos e consensuais de resolução de uma controvérsia, cada vez mais tendentes a desjudicialização, ou seja, a possibilitar que tudo se resolva num acordo entre as partes, por Autocomposição, fora das cercanias de um processo judicial. Na Lei nº 14.112/2020, fita-se todo o esmero do legislador nesta direção, com a elaboração de seção de direitos dedicada ao elevado grau de incentivo de métodos de conciliação e mediação em qualquer grau de jurisdição, o que inclui, com o perdão da redundância, para que fique mais notório, os Tribunais Superiores do país, Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal. A marca da Justiça Multiportas é tão evidente no novel texto normativo, que o legislador admite a conciliação e a mediação antes da deflagração do processo ou mesmo incidentalmente a ele, o que pode envolver até mesmo credores cujos créditos não se sujeitem à recuperação judicial, chamados de créditos extraconcusais. Essa inovação contribui de modo ímpar à ideia de se obter uma justiça mais célere, essencialmente pacificadora e menos judicial, especialmente em países de grande litigiosidade como é o Brasil, onde a Justiça Multiportas – cf. se confere das várias leis já em vigor – está deixando de ser coadjuvante, para ser, em sentido amplo, protagonista na cena de resolução de conflitos.