Tirando Dúvidas da Legalidade do Passaporte da Vacina

Em 10 de junho, o Senado aprovou o projeto de lei n° 1.674/2021, que institui o Certificado de Imunização e Segurança Sanitária (CSS), uma espécie de “passaporte sanitário” ou “passaporte da vacina” que, na prática, permitirá a circulação exclusivamente de pessoas imunizadas ou que testaram negativo para Covid-19 ou outras doenças infectocontagiosas em ambientes públicos ou privados que implementem restrições de acesso durante a pandemia. O texto prevê que o titular do certificado não poderá, desde que respeitadas as medidas sanitárias, ser impedido de entrar, circular ou utilizar qualquer espaço público ou privado, assim como não poderá sofrer sanções caso o faça. O estabelecimento, público ou privado, assumirá a responsabilidade de exercer o controle de entrada, mediante a apresentação do CSS válido por cada pessoa, na versão eletrônica ou em papel, e quem não apresentar será impedido de ali entrar, circular ou utilizar. Nesse sentido, diante da pandemia da Covid-19, medidas restritivas como a limitação do acesso e da circulação de pessoas têm sido tomadas a fim de evitar a propagação do vírus, oportunidade em que se observa a atuação conjunta entre os entes federativos. Estas medidas impulsionam o debate sobre os limites da interferência do Estado nas liberdades dos indivíduos em contrapartida com o dever estabelecido na Constituição Federal, de cuidar da saúde, garantindo medidas que visem a redução do risco de doença. Neste quadro, a Constituição Federal traz em seu art. 5º, XV a liberdade de locomoção dentro do território brasileiro, que consiste no direito fundamental de ir e vir. Trata-se de um direito de primeira dimensão que trouxe obrigações negativas para o Estado, ou seja, obrigação de não intervir, a fim de proteger a esfera da autonomia pessoal frente às eventuais arbitrariedades cometidas pelo Estado. A sua importância é reforçada pela existência do Habeas Corpus, remédio constitucional dirigido à tutela da liberdade de locomoção, o qual é considerado cláusula pétrea. Dessa forma, havendo concorrência entre bens jurídicos tutelados, deve-se adotar uma solução que seja menos gravosa e que busque a maior realização dos direitos envolvidos. Assim, põe-se em análise as restrições estabelecidas frente à autonomia do Estado, à própria dignidade da pessoa humana e às liberdades e competências constitucionalmente estabelecidas. E, portanto, a criação de um documento capaz de proibir a circulação, em determinados locais, da parcela da população que não foi vacinada contra a Covid-19 é alvo de ressalvas por parte de vários juristas. Alguns afirmam que a implementação da medida fora de um contexto concreto de restrição dos direitos fundamentais, como é o caso do estado de sítio, é abusiva. Parte dos juristas explicam que a finalidade da medida é positiva, uma vez que busca evitar contaminações, mas a forma como está sendo conduzida é inconstitucional, já que restringe o direito de ir e vir de uma parcela da população. Entretanto, nenhum direito fundamental pode ser considerado absoluto, posto que pode ser objeto de limitação, devendo ser analisado à luz da proporcionalidade, que estabelece que as medidas tomadas devem estar respaldadas pela adequação, necessidade e análise do custo-benefício, ou seja, os benefícios devem estar presentes em maior escala. Finalizando, faz-se importante ressaltar que a saúde é um direito social, expressamente resguardado pela Constituição em seus artigos 6º e 196, tratando-se de direito de segunda dimensão, que estabelece uma prestação positiva do Estado, se relacionando diretamente com os objetivos de justiça social e com o direito à vida. Rodrigo Carlos de Souza, sócio e fundador de Carlos de Souza Advogados, Secretário Geral Adjunto e Corregedor Geral da OAB/ES, Vice-Presidente da Comissão Nacional de Compliance Eleitoral e Partidário da OAB e Diretor do CESA – Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Seccional Espírito Santo). Letícia Stein Carlos de Souza, Acadêmica do 4º. Período da Faculdade de Direito de Vitória e Estagiária de Direito. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2021/09/08/tirando-duvidas-da-legalidade-do-passaporte-da-vacina/

O Direito-Dever do Empregado ser Vacinado

A Covid-19 chegou ao Brasil no final de 2019, entretanto, a pandemia se instalou aqui, realmente, entre fevereiro e março de 2020. Inicialmente pouco se sabia sobre como tratar a doença e seus reflexos, assim como não se sabia, ao certo, como verdadeiramente evita-la, assuntos que, na realidade, são polêmicos até o presente momento, embora os métodos terapêuticos tenham avançado bastante, mas não o suficiente para que o coronavírus deixe de assombrar a população não apenas brasileira, mas mundial. Há poucos dias o estado da Florida, nos Estado Unidos, retornou com a obrigatoriedade do uso de máscaras, devido à extremamente contagiosa variante Delta, que aliás, ontem, o Governador Renato Casagrande confirmou a existência, até então, de sete casos aqui no Espírito Santo, com base em dados do Ministério da Saúde. Registra-se que um estudioso em epidemiologia, o professor universitário Edwin Michael, que leciona numa universidade da própria Florida, afirmou que a retomada do aumento de casos de Covid-19 é consequência da redução da vacinação naquele estado. Debaixo de muitas discussões quanto ao time do início da vacinação aqui no Brasil, esta tem avançado e os casos, pelo menos por ora, têm diminuído, bem como os óbitos, a despeito da confirmação da chegada da variante Delta. Contudo, algumas pessoas, por questões filosóficas, religiosas, morais e existenciais, têm recusado a vacina. Ocorre, porém, que o Supremo Tribunal Federal (Tema de Repercussão Geral 1.103 e Recurso Extraordinário 1267879) decidiu, albergado na Lei 13.979/20, que o Estado tem o poder de impor a vacinação compulsória ou coercitiva. Diz-se compulsória ou coercitiva porque ao desobedecer à determinação estatal, o cidadão poderá ser sujeitado a medidas restritivas previstas em lei, tais como multa, impedimento de frequentar determinados lugares e matricular-se em escola. Note-se que o Estado não está autorizado a aplicar a vacina à força. A decisão do STF partiu do pressuposto de que o direito da sociedade, ou seja, da coletividade, sobrepõe-se ao direito individual protegido pela Constituição Federal, do cidadão ter suas convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais. No caso das relações de emprego não é diferente, ou seja, o empregado pode ser “obrigado” pelo empregador a se submeter à vacinação, sob pena de ser demitido por justa causa, afinal, o direito à saúde é um direito fundamental com dupla face, assim já conceituado pelo Ministério Público do Trabalho, que entende, com muita propriedade, que a imunização é direito-dever de empregadores e empregados. O MPT acentuou também que é dever dos empregadores esclarecerem aos trabalhadores a importância da imunização por meio da vacinação, tanto para a proteção individual quanto para a proteção coletiva. O Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo confirmou sentença de primeiro grau, proferida pelo juízo da 2ª Vara do Trabalho de São Caetano do Sul, que julgou improcedente o pedido de insubsistência de justa causa aplicada contra uma trabalhadora da área de limpeza de um hospital, que havia se recusado a ser vacinada, sem qualquer justificativa, em duas oportunidades. Vale ressaltar que as justificativas não podem ser de ordens filosóficas, religiosas, morais e existenciais, como já dito alhures. A princípio, as únicas justificativas válidas seriam eventos relacionados à saúde do trabalhador, como uma alergia ou intolerância a qualquer das vacinas disponibilizadas, com comprovação por meio de laudo médico. Justifica-se a decisão do TRT/SP e o entendimento do MPT, tanto pelos precedentes do STF quanto pelas disposições contidas no Art. 7º, inciso XXII, da CF, que prevê que é direito do trabalhador “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”, e no Art. 158, da CLT, que prevê que os empregados devem “observar as normas de segurança e medicina do trabalho”, sob pena de incorrer em ato faltoso, inclusive no tocante à recusa injustificada. Empregados ou não, todos somos cidadãos ou cidadãs e devemos exercer o nosso direito-dever de nos imunizarmos por meio da vacinação, cada qual por respeito à sua própria vida e à vida do próximo, já que o antídoto sob comento é registrado em órgão de vigilância sanitária incluído no Programa Nacional de Imunização, do Ministério da Saúde. Isto é um ato de cidadania. Rodrigo Carlos de Souza, sócio e fundador de Carlos de Souza Advogados, Secretário Geral Adjunto e Corregedor Geral da OAB/ES, Vice-Presidente da Comissão Nacional de Compliance Eleitoral e Partidário da OAB e Diretor do CESA – Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Seccional Espírito Santo). Letícia Stein Carlos de Souza, Acadêmica do 4º. Período da Faculdade de Direito de Vitória e Estagiária de Direito. Artigo publicado no Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2021/08/11/o-direito-dever-do-empregado-ser-vacinado/

O Aumento do Fundo de Campanha e o Salário Mínimo

O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), popularmente conhecido como Fundo de Campanha, segundo se extrai da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2022, poderá ser aumentado de R$ 2,03 bilhões em 2020, para R$ 5,3 bilhões, valor este que depende, ainda, da definição que será trazida pela Lei Orçamentária Anual (LOA), a ser votada pelo Congresso Nacional após o retorno do recesso. Irresignados com a aprovação, em 15/07/2021, da LDO para 2022, seis Deputados Federais e um Senador da República impetraram um Mandado de Segurança contra ato atribuído à Mesa Diretora do Congresso Nacional, ao Presidente da câmara dos Deputados e ao Presidente do Senado Federal. O inconformismo desses parlamentares decorre do fato de que a verba aprovada é quase o triplo da já elástica verba aprovada em 2018 e 2020. A fundamentação jurídica do Mandado de Segurança sob comento foi pautada na alegação de que a majoração não atendeu prazo razoável para discussão de questão de tanta relevância, tanto assim que segundo consta na inicial, mais de duas mil e seiscentas emendas parlamentares ao projeto teriam sido analisadas em apenas uma sessão, o que nos permite presumir, para dizer o mínimo, que a questão não foi tratada com o relevo que merece. Também irresignado, o Senador Álvaro Dias, solitariamente, impetrou Mandado de Segurança contra ato atribuído ao Presidente e ao Vice-Presidente da Mesa do Congresso Nacional e, preventivamente, ao Presidente da República, sob o fundamento de que a LDO careceu de analisar vários vetos presidenciais, o que contraria o Art. 66, parágrafo 6º, da Constituição Federal. Alegou-se também que foi vedado destaque automático de partes de texto substitutivo, requerido por líder de bancada, o que afronta o Art. 49, parágrafo 5º, do Regimento Comum do Congresso Nacional, o que, por corolário teria desrespeitado o Art. 166 da Carta Magna. Nos dois Mandados de Segurança a Ministra Rosa Weber, Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal, no exercício da Presidência, não apreciou os pedidos liminares de plano, o primeiro com a pretensão de anular as votações que aprovaram a LDO-2022 e que quando houver novas votações, sejam proibidos aumentos do FEFC enquanto durar a pandemia, já foi sustentado que com R$ 5,7 bilhões dá para adquirir mais de 350 milhões de doses de vacinas. No segundo MS, buscou-se suspender a aprovação do projeto de lei do Congresso Nacional nº 3 de 2021-CN, liminarmente, e no mérito, pugnou-se pela nulidade da aprovação da LDO. Em ambos Mandados de Segurança a Ministra Rosa Weber determinou a notificação das autoridades impetradas, bem como a União, esta, para caso queira, ingresse na lide. Por fim, determinou que os dois processos sejam remetidos ao Ministro Nunes Marques, relator de ambos. Num momento de pandemia, ainda que mais amena neste momento, parece-me um escárnio a fixação de um valor em torno de R$ 5,7 bilhões para Fundo de Campanha, ao passo que com tal verba conseguiríamos acelerar a vacinação da população brasileira contra a Covid-19. O isolamento social que nos foi imposto pela pandemia que ainda estamos vivendo nos ensinou a nos comunicarmos e nos relacionarmos virtualmente. São reuniões, confraternizações, audiências judiciais, sessões solenes, entre outras, de forma on-line, que tem dado certo. Não é desarrazoado pensar em manter o Fundo de Campanha com o valor de 2018/2020 e direcionar a diferença para aprimorar o combate à pandemia, principalmente diante da expectativa do que poderá ser a variante Delta, cada dia mais próxima. E em meio a tudo isso, a LDO-2022 prevê que o atual salário mínimo de R$ 1.100,00 suba para R$ 1.147,00 em 2022 e para R$ 1.188,00 em 2023. Alguma coisa está errada! Rodrigo Carlos de Souza, sócio e fundador de Carlos de Souza Advogados, Secretário Geral Adjunto e Corregedor Geral da OAB/ES, Vice-Presidente da Comissão Nacional de Compliance Eleitoral e Partidário da OAB e Diretor do CESA – Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Seccional Espírito Santo). Letícia Stein Carlos de Souza, Acadêmica do 4º. Período da Faculdade de Direito de Vitória e Estagiária de Direito. Artigo publicado no Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2021/07/28/o-aumento-do-fundo-de-campanha-e-o-salario-minimo/

Lei Maria da Penha: Caso Dj Ivis

Completando 15 anos de vigência, a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha, representou um marco importantíssimo na vida de todas as mulheres brasileiras, caracterizando um verdadeiro divisor de águas na abordagem jurídica brasileira na luta contra a violência baseada no gênero. Segundo o Art. 2° da referida lei: “Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.” Nesse sentido, no último domingo (11), um caso veio a público: as agressões do DJ Ivis, o qual agredia a sua esposa, Pamella Holanda, na presença da filha e de outras duas pessoas. A vítima compartilhou as imagens em rede social, gravados por câmeras de segurança interna, as quais mostram o produtor musical Iverson de Souza Araújo, conhecido como DJ Ivis, praticando o delito. Segundo a Secretaria de Segurança do estado do Ceará, foi instaurado um inquérito policial para apurar as agressões divulgadas. No entanto, não foi possível prender Ivis em flagrante, porque as agressões ocorreram no dia 1º de julho, e as denúncias feitas no dia 3. A detenção por flagrante delito ocorre em até 24 horas após a pratica do crime. Porém, a autoridade policial requereu à autoridade judiciária medidas protetivas de urgência em favor da vítima, que foram deferidas no dia 4. A violência doméstica e familiar constitui uma das formas de violação dos direitos humanos em todo o mundo. No Brasil, a já citada Lei Maria da Penha caracteriza e enquadra na lei cinco tipos de violência contra a mulher: física, psicológica, moral, sexual e patrimonial. A violência física se caracteriza por espancamento, tortura, lesões com objetos cortantes ou perfurantes ou atirar objetos, sacudir ou apertar os braços; a violência psicológica se constitui em ameaças, humilhação, isolamento (proibição de estudar ou falar com amigos); a violência sexual surge quando a mulher é obrigada a praticar atos sexuais, manter matrimônio, ter gravidez forçada, prostituir-se e também quando é submetida a estupro; violência patrimonial é deixar de pagar pensão alimentícia, controlar o dinheiro e praticar estelionato contra a mulher; por fim, a violência moral reside em críticas mentirosas, exposição da vida íntima, depreciação da mulher por meio de xingamentos sobre sua índole, ou pelo seu modo de vestir. Infelizmente, devido à pandemia, as pessoas se viram obrigadas a fazer isolamento social / quarentena, e, embora não justifique, o convívio mais assíduo entre homens e mulheres dentro de casa culminou no aumento da violência doméstica das mulheres brasileiras durante o ano de 2020, segundo divulgação feita pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. O Brasil registrou 105.821 denúncias de violência contra a mulherno ano passado. Qualquer agressão, contra quem quer que seja, sobretudo contra a mulher, que geralmente é detentora de menor força física do que o homem, é absolutamente reprovável e deve ser intolerável pela sociedade e autoridades competentes. Se houver tolerância em relação à agressão contra a mulher ou quem quer que seja, a sociedade machista jamais alcançará a evolução necessária para que haja uma verdadeira isonomia entre os gêneros. A mulher não pode ser vista como propriedade de um homem! A mulher precisa e merece ser respeitada pela sociedade, em todos os aspectos. Portanto, fechamos este texto divulgando as plataformas do Ligue 180 e do Disque 100, que servem de canal de denúncias de violência contra a mulher. Rodrigo Carlos de Souza, sócio e fundador de Carlos de Souza Advogados, Secretário Geral Adjunto e Corregedor Geral da OAB/ES, Vice-Presidente da Comissão Nacional de Compliance Eleitoral e Partidário da OAB e Diretor do CESA – Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Seccional Espírito Santo). Letícia Stein Carlos de Souza, Acadêmica do 4º. Período da Faculdade de Direito de Vitória e Estagiária de Direito. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2021/07/14/lei-maria-da-penha-caso-dj-ivis/

Senado Aprova Projeto Que Proíbe Despejo de Imóveis Até Final de 2021

Na última quarta-feira (23/06), por 38 votos favoráveis e 36 votos contrários, o Plenário do Senado aprovou o PL 827/2020, o qual suspende medidas judiciais de despejo ou desocupação de imóveis até o fim de 2021 por conta da crise provocada pelo Coronavírus no país. O PL 827/2020, da Câmara dos Deputados, teve parecer favorável do Senador Jean Paul Terra Prates (PT- RN) e segue para sanção presidencial. O texto aprovado pelos Senadores prevê que, em razão do estado de calamidade pública decorrente da pandemia da Covid-19, será suspenso até o dia 31 de dezembro de 2021 o cumprimento da medida judicial, extrajudicial ou administrativa que resulte em ato ou decisão de despejo, desocupação ou remoção forçada coletiva de imóvel privado ou público, urbano ou rural, seja os de moradia ou para produção. A suspensão também é válida para concessão de liminar em ação de despejo. É importante ressaltar que o texto suspende os atos praticados desde 20 de março de 2020, com exceção dos já concluídos. A suspensão dos despejos irá valer para contratos de aluguel cujo valor seja de até R$ 600 para imóveis residenciais e R$ 1,2 mil para imóveis não residenciais. Destaca-se, contudo, que as decisões somente serão suspensas se (i) versarem sobre desocupação ou remoção forçada coletiva, (ii) tiverem por objeto imóvel que sirva de moradia ou represente área produtiva ao trabalhador individual ou à família, e (iii) a ocupação tiver ocorrido antes de 31/03/2021. A medida perde a validade nos casos em que o imóvel alvo da ação seja a única propriedade do locador e o dinheiro do aluguel for a sua única fonte de renda. O texto irá retornar à Câmara dos Deputados para votação do destaque do senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), que visa excluir os imóveis rurais do escopo do projeto. Segundo o parlamentar, os efeitos negativos da economia na renda das famílias se concentraram no meio urbano e não em regiões rurais. Por fim, o PL ainda dispensa o locatário de pagamento de multa nos casos de encerramento de locação de imóvel decorrente de perda de capacidade econômica. Entretanto, há quem cogite a inconstitucionalidade do PL 827/2020, sob o argumento de que o direito a propriedade é uma garantia constitucional assegurada pelo Art. 5º, XXII da Carta Magna. Realmente, o direito a propriedade é uma garantia constitucional, mas o PL sob comento não agride o direito de propriedade, mas somente resguarda um direito fundamental, previsto no Art. 6º da Constituição Federal, razão pela qual não há que se falar em inconstitucionalidade da pretensa lei. A nova lei, se sancionada for pelo presidente da república, afetará sim, por tempo determinado, o direito de posse do proprietário de bem imóvel cuja situação seja qualquer das retratadas neste texto. Rodrigo Carlos de Souza, sócio e fundador de Carlos de Souza Advogados, Secretário Geral Adjunto e Corregedor Geral da OAB/ES, Vice-Presidente da Comissão Nacional de Compliance Eleitoral e Partidário da OAB e Diretor do CESA – Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Seccional Espírito Santo). Letícia Stein Carlos de Souza, Acadêmica do 4º. Período da Faculdade de Direito de Vitória e Estagiária de Direito. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2021/06/30/senado-aprova-projeto-que-proibe-despejo-de-imoveis-ate-final-de-2021/

Retroatividade da Lei Penal

O crime de estelionato até o advento da Lei 13.964/19, conhecida como pacote anticrime, era objeto de ação pública incondicionada, ou seja, o Ministério Público, titular da ação penal não necessitava da expressão de vontade da vítima para judicializar a questão, exceto nas hipóteses previstas no art. 182 do mesmo diploma legal, que em suma prevê que o agente delituoso seja cônjuge, irmão, tio ou sobrinho, havendo no caso dos dois últimos a necessidade de coabitação. Entretanto, a Lei 13.964/19 acrescentou ao art. 171 do Código Penal, o parágrafo 5º, que prevê que o crime de estelionato “somente se procede mediante representação, salvo se a vítima for: I – a Administração Pública, direta ou indireta; II – criança ou adolescente; III – pessoa com deficiência mental; ou IV – maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz.” A partir de então a ação penal decorrente de crime de estelionato passou a depender de representação da vítima, excetuando-se as circunstâncias acima transcritas. Ocorre, porém, que a Lei 13.964/19 não fez nenhuma alusão aos processos já em andamento e, em assim sendo, existe uma grande discussão acerca da retroatividade ou não dos efeitos dessa norma. No geral, a lei não retroage no tempo, exceto quando se trata de lei penal, onde deve ser aplicada de forma mais benéfica para o réu. Entretanto, ação penal é um tema de natureza mista, ou seja, alcança matéria processual e material penal, porquanto é mais do que razoável pensar que deve retroagir no tempo para o fim de beneficiar o réu. Clareando a fala acima, salienta-se que o benefício do réu consiste no fato de que ao aplicar a retroatividade da lei, a vítima dirá se tem interesse ou não na ação penal pública, agora condicionada à sua representação. Em rápida analogia, há de ser lembrado que a Lei 9.099/95, em seu art. 91, previu expressamente que nos casos em que passou “a exigir representação para a propositura da ação penal pública, o ofendido ou seu representante legal será intimado para oferece-la no prazo de trinta dias, sob pena de decadência”. Observa-se, aí, que o legislador teve a intenção de exigir que o ofendido expressasse sua vontade por meio de representação dentro de determinado lapso temporal, sob pena de decadência. Já no texto da Lei 13.964/19, o legislador não expressou intenção da mesma natureza e isso, ao revés de muito entendimentos, não é crível que seja interpretado como uma restrição de direito tanto da vítima quanto do agente. A rigor, mesmo nos processos nascidos antes da vigência da Lei 13.964/19, é necessário que a vítima de estelionato seja instada a oferecer representação, salvo nas hipóteses das excepcionalidades previstas no parágrafo 5º do art. 171 do Código Penal e quando houver nos autos a manifesta intenção da vítima quanto à ação penal, ainda que na fase de inquérito. A jurisprudência, até aqui, tem firmado entendimento no sentido de que a lei sob comento não retroage e que a denúncia oferecida anteriormente à sua vigência é um ato jurídico perfeito, sobretudo por ter sido praticado sob a égide de lei anterior. Mas o imbróglio chegou ao Supremo Tribunal Federal por meio do Habeas Corpus (HC) 180421, que está sendo julgado pela 2ª Turma, sob a relatoria do Ministro Edson Fachin, que votou pela retroatividade da Lei 13.964/19 em ações penais já em curso, entendimento este já aderido pelos Ministros Gilmar Mendes e Nunes Marques, embora este, em seu voto, tenha fundamentado no sentido do trancamento da ação penal por ter entendido ser a denúncia inepta. Rodrigo Carlos de Souza, sócio e fundador de Carlos de Souza Advogados, Secretário Geral Adjunto e Corregedor Geral da OAB/ES, Vice-Presidente da Comissão Nacional de Compliance Eleitoral e Partidário da OAB e Diretor do CESA – Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Seccional Espírito Santo). Letícia Stein Carlos de Souza, Acadêmica do 3º. Período da Faculdade de Direito de Vitória e Estagiária de Direito. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2021/06/16/retroatividade-da-lei-penal/

Direito ao Sossego em Home Office

De acordo com o Art. 42 do Decreto Lei nº 3.688 de 03 de Outubro de 1941: “Perturbar alguém o trabalho ou o sossego alheios: I – com gritaria ou algazarra; II – exercendo profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais; II – exercendo profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais; III – abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos; IV – provocando ou não procurando impedir barulho produzido por animal de que tem a guarda: Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.” Na atual conjuntura da sociedade, onde o recomendado é permanecer em casa por conta da Covid-19, o modelo home office, juntamente ao EAD (ensino a distância) tomou conta da realidade de grande parte dos brasileiros. Com isso, conflitos entre vizinhos tornaram-se ainda mais comuns e recorrentes, com os mais variados motivos. Nesse sentido, do dia 29 de maio deste ano, o juiz Vinícius Nocetti Caparelli, do Juizado Especial Cível e Criminal de Birigui/SP, condenou um homem a se abster de reproduzir som em volume alto de segunda a sexta-feira, das 12h10 às 20h22, e das 22 às 7 horas em todos os dias, enquanto a autora da ação estiver em home office e com aulas online. De acordo com os autos, devido à pandemia de Covid-19, a autora tem trabalhado em casa e, portanto, precisa de silêncio para realizar suas atividades, todavia, o vizinho da autora da ação, segundo se depreende dos autos, fazia muito barulho em diversos períodos ao longo do dia e da noite, violando, inclusive, a lei do silêncio, o que atrapalhava, além do seu trabalho, o descanso também. Exsurgiu do comando jurisdicional da Comarca de Birigui/SP que a realidade dos dias de hoje, isto é, a pandemia e o decorrente isolamento social demandam adequação não só daqueles que trabalham e estudam, mas também de familiares e vizinhos, que precisam, mais do que nunca, ser sensíveis às necessidades do próximo. Foge do razoável dizer que condutas como volume de som alto em horário comercial, assim como brincadeiras de crianças que causam barulho excessivo não resultam em transtornos pra quem está trabalhando, sobretudo para o profissional que necessita de raciocínio para desenvolver o seu mister. Aliás, mais que isso, tais condutas ultrapassam limites de mero incômodo ou aborrecimento, com privação do bem estar. Há um mito enraizado na sociedade, de que se permite todo e qualquer barulho, sem limite de ruídos, das 09h00 às 22h00 para quem reside em casa, e das 09h00 às 18h00 para quem reside em apartamento. Em qualquer horário que se faça barulho excessivo, perturbando o vizinho, é considerado contravenção penal, e o responsável pelo ato, poderá sofrer as consequências. Muitas pessoas trabalham em casa com home office, principalmente na quarentena, muitos professores dão aulas, muitos advogados fazem petições, muitos publicitários criam seus conteúdos, muitos alunos estudam, enfim, o lar é (ou deveria ser) um local de sossego e descanso. Rodrigo Carlos de Souza, sócio e fundador de Carlos de Souza Advogados, Secretário Geral Adjunto e Corregedor Geral da OAB/ES, Vice-Presidente da Comissão Nacional de Compliance Eleitoral e Partidário da OAB e Diretor do CESA – Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Seccional Espírito Santo). Letícia Stein Carlos de Souza, Acadêmica do 3º. Período da Faculdade de Direito de Vitória e Estagiária de Direito. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2021/06/02/direito-ao-sossego-em-home-office/

Autonomia do Médico e o Tratamento do Paciente em Casos de Covid-19

O Código de Ética Médica (CEM) prevê que “a medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e será exercida sem discriminação de nenhuma natureza”. Estende-se isso para o médico e para seu paciente, guardando absoluto respeito pelo ser humano e atuando sempre em seu benefício. Vale destacar, também, a previsão de que “O médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente.” Assim, o referido Código, acatando o pensamento mundial que rege a matéria, estabeleceu um canal de comunicação verdadeiro e ativo entre o médico e o paciente. É notório que o médico é dotado de conhecimento especializado sobre determinada área e sua palavra é de vital importância para a solução da moléstia apresentada, mas às pode não coincidir com a opinião do paciente, que opta por outro procedimento. O CEM também faz inserções pontuais nas diversas restrições à ação do médico, de interesse relevante para o tema abordado. Traz uma regulamentação destinada à proteção dos Direitos Humanos e estabelece que é vedado ao médico “deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte” e “deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo”. Ademais, é direito do médico indicar o procedimento adequado ao paciente, observadas as práticas cientificamente reconhecidas e respeitada a legislação vigente. Por outro lado, é vedado ao médico deixar de usar todos os meios disponíveis de promoção de saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente. A autonomia do paciente também não pode ser esquecida, uma vez que sua vontade deve ser respeitada no tratamento, desde que adequada ao caso e cientificamente reconhecida e, sobretudo, quando não põe em jogo a sua vida. Nesse sentido foi o Parecer nº 4/2020, do CFM, que discorreu sobre o uso da cloroquina e hidroxicloroquina, em condições excepcionais, para o tratamento da COVID-19. No documento, o Conselho deixou claro que a decisão sobre o uso dos medicamentos fica a critério do médico assistente, em decisão compartilhada com o paciente, sendo ele obrigado a relatar ao doente que não existe, até o momento, nenhum trabalho que comprove o benefício do uso da droga para o tratamento da COVID-19, explicando os efeitos colaterais possíveis, e obtendo o consentimento livre e esclarecido do paciente ou dos familiares. Quando o paciente revela sua opção por um determinado tratamento, o médico deve, sempre que possível e adequado ao caso concreto, assegurar que a sua vontade será respeitada por ele ou por profissional substituto, nos casos de objeção de consciência. Humanização e respeito à autonomia do médico e do paciente – cada uma com seus limites, informação detalhada e registrada, bem como atualização científica do profissional – são os pilares de uma relação médico-paciente de sucesso, seja dentro ou fora do contexto atual de pandemia. Os riscos para o médico, quando esses princípios são observados, não desaparecem, mas também não assombram. É um direito e também um dever do médico prescrever o melhor tratamento, de acordo com as práticas cientificamente reconhecidas. Porém, o fato é que ainda não houve tempo hábil para que a ciência determinasse com segurança qual o melhor tratamento para a COVID-19. Por esse motivo, o Conselho Federal de Medicina (CFM) se manifestou, através do parecer nº 4/2020. Através desse documento, o CFM, apesar de não recomendar, autoriza que o médico prescreva a cloroquina e hidroxicloroquina, mesmo em pacientes com sintomas leves, desde que sob decisão compartilhada com o paciente. Para isso, não basta que o médico obtenha do paciente o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, é necessário que cumpra, de maneira efetiva, o dever de informar. É preciso deixar claro (e não apenas formalizar no papel), que se trata de um tratamento sem eficácia comprovada, bem como explicar sobre os possíveis efeitos colaterais, os riscos e os benefícios. Ademais, é preciso ter em mente que o Termo de Consentimento não serve como blindagem jurídica para o médico. A obtenção do consentimento, em decisão compartilhada, não exime o profissional de responsabilidade por eventuais danos ocasionados ao paciente. Em 20/05/2020, o Ministério da Saúde divulgou sua recomendação para uso da cloroquina e hidroxicloroquina em pacientes de COVID-19, mesmo em caso de sintomas leves. Trata-se de uma orientação, que não afeta a autonomia do médico assistente para prescrever o tratamento que entender adequado. Em suma, tem-se resguardada a autonomia do médico para deliberar sobre qual o tratamento entende ser o mais adequado, com base nos estudos já divulgados e sempre respeitando o princípio da beneficência. Além disso, deve ser criterioso no que tange a autonomia do paciente e o dever de informação, para que a tomada de decisão compartilhada seja feita de modo consciente. Rodrigo Carlos de Souza, sócio e fundador de Carlos de Souza Advogados, Secretário Geral Adjunto e Corregedor Geral da OAB/ES, Vice-Presidente da Comissão Nacional de Compliance Eleitoral e Partidário da OAB e Diretor do CESA – Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Seccional Espírito Santo). Letícia Stein Carlos de Souza, Acadêmica do 3º. Período da Faculdade de Direito de Vitória e Estagiária de Direito. Artigo publicado no Jornal Online Folha Vitória : https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2021/05/19/autonomia-do-medico-e-o-tratamento-do-paciente-em-casos-de-covid-19/