Lavagem de Dinheiro X Demissão de Empregado Estável

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem, por maioria de votos, que o disposto no Art. 17-D da Lei 9.613/98 (Lei de Lavagem de Dinheiro), é inconstitucional. O referido dispositivo legal prevê que, “Em caso de indiciamento de servidor público, este será afastado, sem prejuízo de remuneração e demais direitos previstos em lei, até que o juiz competente autorize, em decisão fundamentada, o seu retorno”. Tal decisão foi provocada pela Ação Direto de Inconstitucionalidade (ADI) 4911, ajuizada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), cujo relator foi o Ministro Alexandre de Moraes, que aliás, teve a prevalência de seu voto. A ANPR defendeu a tese de que o mero indiciamento do servidor público não pode resultar no seu afastamento de plano de sua função, pois afronta princípios constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, presunção de inocência e inafastabilidade de jurisdição, assim como põe em cheque a titularidade do Ministério Público (MP) da ação penal pública e, completando asseverou também que o Art. 17-D da Lei 9.613/98 suprime do Poder Judiciário a competência para concessão de medida cautelar de afastamento do servidor público. É importante trazer à discussão uma situação similar e até mais complexa do que a prevista no Art. 17-D da Lei 9.613/98, que são as disposições contidas nos Artigos 494 e 495 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que assim rezam: Art. 494 – O empregado acusado de falta grave poderá ser suspenso de suas funções, mas a sua despedida só se tornará efetiva após o inquérito e que se verifique a procedência da acusação. Parágrafo único – A suspensão, no caso deste artigo, perdurará até a decisão final do processo. Art. 495 – Reconhecida a inexistência de falta grave praticada pelo empregado, fica o empregador obrigado a readmiti-lo no serviço e a pagar-lhe os salários a que teria direito no período da suspensão. Observa-se que a regra análoga, prevista no texto celetista, contém um rigor até maior do que o do Art. 17-D da Lei 9.613/98, já que além da suspensão de sua função laboral, o trabalhador tem a sua remuneração suspensa até o término do Inquérito Judicial e, no entanto, continua vigorando. A suspensão do empregado celetista e a submissão deste a Inquérito Judicial para apuração de falta grave (elencadas no Art. 482 da CLT), ocorre somente quando a empregadora se vê impedida de demitir o empregado supostamente infrator, em decorrência deste ser portador de estabilidade. Em nossa trajetória atuando tanto na área de improbidade administrativa quanto no direito empresarial, percebemos que é absolutamente incomum um empregador pretender demitir um empregado estável por mera perseguição. O que vemos, via de regra, são empregados que realmente cometeram falta grave e ficam suscetíveis a uma demissão por justa causa. Isto ocorrendo, caberá a nós, operadores do direito, exercermos o nosso dever de informar ao empregador/cliente a aplicabilidade da demissão por justa causa diante de cada caso concreto. Em certas situações, a justa causa não poderá ser aplicada, caso não se faça presente pelo menos algum dos requisitos previstos o artigo 482 da CLT, isto é, precisará haver prova robusta da infração, porque a Justiça do Trabalho é implacável na instrução processual e, no caso da fragilidade de prova, o Inquérito Judicial será julgado improcedente e o emprego do trabalhador mantido, devendo ainda, por consequência, o empregador ser condenado a indenizar o trabalhador por danos morais, caso este ingresse com este pedido, o que pode ocorrer no momento do oferecimento de sua defesa no Inquérito Judicial, através de um medida denominada reconvenção, sem prejuízo do direito aos salários e consectários legais não recebidos durante o período da suspensão. Portanto, entendemos pela manutenção da regra prevista no texto da CLT, acerca da matéria em voga.

Existe Justificativa Para Tanta Demora no Caso Gabriela Chermont?

Salta aos olhos o tempo decorrido desde a morte de Gabriela Chermont, ocorrida em setembro de 1996, sem que, até o momento, o acusado tenha sido julgado. Nada justifica tanto tempo sem que as autoridades tenham dado uma resposta à sociedade e, especialmente, à família vitimada. Por que há casos que demoram tanto tempo para serem julgados? Não existe uma resposta precisa, mas também não dá para simplesmente generalizar e dizer que “a culpa é das leis que acabam permitindo muitos recursos”. O Brasil tem um princípio constitucional valiosíssimo trazido pelo inciso LV do artigo 5º: aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Esse princípio é fundamental e jamais deve ser desprezado. Qualquer acusado tem a seu favor a presunção de inocência e deve ter o direito de usar todos os meios legais em sua defesa. Entretanto, isto não pode ser carta branca para um processo que jamais termina. É preciso haver firmeza dos juízes ao não aceitarem que o direito à ampla defesa supere os limites da razoabilidade. Todo juiz sabe (ou deveria saber!) quando uma das partes está protelando o processo criminal querendo valer-se da possibilidade de prescrição, e isto deve ser firmemente repelido. No caso específico de Gabriela Chermont, não se trata, aqui nestas minhas linhas, de dizer se o acusado é ou não culpado. Não tenho como fazer isto! Agora, é desumano e indigno que não tenha ocorrido um julgamento! Uma grande preocupação da sociedade e da família é a prescrição do crime. A prescrição é a perda do direito, em face do decurso do tempo, do estado-acusador punir um criminoso. Na prática, a pessoa acusada fica livre de qualquer acusação. No caso da Gabriela, o tempo de prescrição é de 20 anos, que é o máximo. Porém, existem causas que interrompem a contagem da prescrição, como por exemplo a deliberação para que este caso fosse levado a júri popular, o que se chama de sentença de pronúncia. Portanto, a prescrição de 20 anos ainda pode estar longe de ocorrer, a depender de quando foi decidido que o acusado seria julgado por júri popular. É inexplicável que o júri já tenha sido adiado 9 vezes. Nada permite entender algo dessa forma. Sem conhecer o processo não dá para dizer os motivos que ensejaram os constantes adiamentos, exceto o último, do início deste ano, que foi a pandemia, como noticiado pela imprensa. Quanto aos outros adiamentos, infelizmente é muito comum que diversos atos forcem o cancelamento de audiência, como a falta de intimação de testemunhas e do cumprimento de outras formalidades. Na essência, o que se vê é que a estrutura deficitária do Judiciário tem grande parcela de culpa ao não cumprir os ritos a seu tempo. O júri popular tem as características de uma audiência criminal como qualquer outra, com a oitiva de testemunhas e a exposição de argumentos por parte da acusação e defesa. O juiz preside a audiência e é quem tem a função de fazer com que tudo corra na forma da lei. A grande diferença é que, no momento de se tomar a decisão de absolver ou condenar o acusado, a deliberação é dos 7 jurados, que se reúnem, discutem e votam de acordo com o que tiverem se convencido. Como no Brasil vale a prisão somente depois de esgotados todos os recursos, a não ser que o acusado esteja preso preventivamente (o que não ocorre no caso de Gabriela Chermont), mesmo que o acusado seja condenado, ele sairá livre da sessão e poderá aguardar, em liberdade, a conclusão dos recursos, o que ainda poderá demandar muitos anos. Isto é: somente quando esgotados todos os recursos é que, se condenado, o acusado será preso, caso não ocorra a prescrição antes disto.

Isonomia de Direitos entre Gêneros

A Constituição Federal prevê, com status de direito fundamental, no inciso I do Art. 5º., que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”, de onde se extrai o princípio constitucional da isonomia entre os gêneros. Neste diapasão, recentemente o STF julgou o Recurso Extraordinário (RE) 659424, onde apreciou o tema 457 da repercussão geral e negou provimento ao apelo do Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul (IPERGS), que pretendia ver declarada a constitucionalidade de exigência de requisitos diferenciados em razão do gênero do beneficiário. Para tanto, o IPERGS invocou Lei Estadual nº. 7.672/82, ainda em vigor nas datas de ajuizamento da ação e interposição do RE, a qual previa, no inciso I do seu Art. 9º., que para efeito daquela lei, seriam dependentes do segurado, “a esposa; a ex-esposa divorciada; o marido inválido, os filhos de qualquer condição enquanto solteiros e menores de dezoito anos, ou inválidos, se do sexo masculino, e enquanto solteiros e menores de vinte e um anos, ou inválidos, se do sexo feminino” (negritos e grifos nossos). Embora o STF tenha sido instado apenas no tocante ao direito de pensão de marido não inválido e acertadamente declarado a inconstitucionalidade de requisitos distintos para gêneros masculino e feminino receberem o benefício, por ter restado entendido que a aplicação do texto legal transgrediria o princípio da isonomia entre homens e mulheres, vale refletir também sobre uma segunda inconstitucionalidade no mesmo texto, que reside na então previsão de direitos para filhos homens “enquanto solteiros e menores de dezoito anos”, ao passo logo adiante, no mesmo dispositivo, contemplava-se a filha solteira (sexo feminino) até vinte e um anos de idade, já que neste caso, de igual forma está ausente a isonomia entre os gêneros. Em 2018, antes mesmo do julgamento do RE 659424 pelo STF, o legislador gaúcho aprovou e o executivo sancionou e promulgou a Lei Complementar nº. 15.142/18, que finalmente contemplou os gêneros masculino e feminino com os mesmos direitos, em seus Artigo 4º. e 11. O Estado do Rio Grande do Sul, bem como o STF, foram implacáveis no enfretamento da matéria acima mencionada, dando tratamento isonômico a homens e mulheres. Em atenção ao princípio da isonomia entre os gêneros, o Legislativo e o Executivo federal inseriram na Lei nº. 9.504/97, alterada pela Lei nº 12.034/09, a regra prevista no § 3º do seu Art. 10, que dispõe sobre a denominada “cota de gênero”, que se traduz na obrigatoriedade de que a quantidade de vagas de cada Partido ou Coligação, seja preenchida com no mínimo 30% e o máximo de 70% por cada sexo, masculino e feminino, nas candidaturas. A lei das eleições buscou, com isto, dar mais espaço no meio político para as mulheres, notadamente minoria nesse ambiente, o que, a princípio, é válido, pelo menos até que a sociedade brasileira alcance maturidade suficiente para que, naturalmente, ambos os gêneros tenham participações e protagonismo similares. Portanto, respeitosamente, entendemos que a atual regra deve ser tida como uma regra de transição, já que a persistir a norma atual, não haverá, jamais, paridade entre homens e mulheres, na política brasileira, já que a previsão atual é que sempre haja 30% de um gênero contra 70% do outro. Os Ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), nos autos da Consulta nº. 0603816-39.2017.6.00.0000, entenderam, por unanimidade, que a proporção 30% x 70% deve ser aplicada também no âmbito das eleições intrapartidárias, ou seja, evoluiu para matéria interna corporis dos Partidos Políticos. Na mesma toada o TSE aprovou um apelo ao Congresso Nacional, para que a reserva de 30% x 70% nas candidaturas intrapartidárias seja incluída em lei, inclusive com previsão de sanção em caso de descumprimento. Concluindo, as autoridades brasileiras precisam saber discernir o momento correto de abandonar a imposição legal, para deixar fluir o equilíbrio natural, até porque o regramento que atualmente vigora, como já dito alhures, não oferece paridade entre os gêneros.