O STJ – Superior Tribunal de Justiça está tornando sólido o entendimento de que os sócios só podem ser responsabilizados por dívidas comuns ou civis da empresa, caso ocorra a confusão patrimonial entre os sócios e a empresa ou por desvio de finalidade.

Esse entendimento já era pacífico na 3ª e 4ª Turmas do STJ – Superior Tribunal de Justiça. E mais recentemente a 2ª Turma do Tribunal também adotou o mesmo entendimento.

A notícia é um grande alento para os empresários que estão lutando no turbulento ano de 2015; o corrente ano iniciou demonstrando uma profunda dificuldade econômica e política que já atravessa e que irá atravessar o país. Natural que, diante de tal cenário, mostra-se elevado o risco de que empresas apresentem dificuldades comerciais e financeiras e, por conseguinte, tenham que diminuir, suspender ou até encerrar as suas atividades.

Empresas até então sólidas, que honravam com seus compromissos, ou as cambaleantes que, mesmo com grandes dificuldades, ainda se mantinham de alguma maneira funcionando, poderão ser forçadas a fechar suas portas sem que todos os compromissos financeiros sejam saldados, como também poderão realizar o encerramento das atividades sem que procedam com a baixa formal diante da Junta Comercial.

O encerramento da atividade com a existência de pendências financeiras da empresa e/ou a ausência da baixa regular na Junta Comercial levaram à concessão de inúmeras decisões que promoviam a desconsideração da personalidade jurídica: os bens particulares dos sócios eram alcançados para saldar os prejuízos deixados pela empresa.

Entretanto, a mencionada recente decisão do Superior Tribunal de Justiça veio fortalecer o posicionamento favorável aos empresários e rechaçar as decisões de juízes de primeiro grau – e até de alguns tribunais -, determinando a rigorosa aplicação do já existente artigo 50 do Código Civil de 2002, ou seja, acabou com a possibilidade das interpretações subjetivas por parte dos julgadores.

E este é exatamente o cerne do problema: há um artigo de lei em vigor há mais de 10 anos, que é totalmente claro e explicativo, mas que veio sofrendo interpretações diversas e subjetivas por parte de muitos julgadores, criando um clima de insegurança jurídica. Afinal, o que vale? O artigo do Código Civil ou a interpretação subjetiva de um juiz? Ao juiz é devido observar a norma legal. Veja que o artigo 50 do Código Civil de 2002 é muito claro sobre a questão:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

O STJ – Superior Tribunal de Justiça, portanto, fixou e maximizou o entendimento de que, somente quando houver confusão patrimonial entre os bens dos sócios e da pessoa jurídica, ou quando houver desvio da finalidade da empresa, os bens dos sócios poderão ser alcançados para saldar débitos comuns ou civis gerados pela pessoa jurídica. Fora tais hipóteses, previstas legalmente, não há espaço para entendimentos que fujam daquilo que o legislador quis estabelecer.

Feitas as considerações anteriores, passarei a examinar as efetivas hipóteses, determinadas em lei, em que os bens dos sócios poderão ser alcançados pelo não pagamento de dívidas comuns das empresas.

Desvio de finalidade

O desvio de finalidade consiste na falta de correspondência entre o fim perseguido pelos sócios e o conteúdo que, segundo o ordenamento jurídico, é próprio da forma utilizada; ou pode se caracterizar pelo desejo – e sua execução – dos sócios que, deliberadamente, utilizem a sociedade para alcançar fins diversos daqueles previstos pelo legislador (conforme Suzy Elizabeth Cavalcante Koury). Isto acontece em empresas “de fachada” ou utilizadas para prática de atos ilícitos.

Confusão patrimonial

De acordo com o próprio termo, “confusão” é o ato ou efeito de confundir, de aparentar ser, em que há falta de uma ordem interna e de distinção entre coisas diferentes; ou seja, uma desordem, uma bagunça. Em termos patrimoniais, isto é, em termos de bens, direitos e obrigações, o Conselho Federal de Contabilidade, ao aprovar o Princípio da Entidade ou da Pessoa Jurídica, disse que o patrimônio da pessoa jurídica não pode jamais ser confundido com o patrimônio de seus sócios ou proprietários. Um exemplo não raro de confusão patrimonial ocorre quando os sócios compram, em nome da pessoa jurídica, veículos para uso particular seu e de seus familiares; e o gasto de manutenção desses veículos é contabilizado como despesa dessa pessoa jurídica. Isso caracteriza uma confusão patrimonial pois, além de os gestores se utilizarem da pessoa jurídica para obter benefícios particulares, confundem o seu patrimônio com o dela, ferindo a primazia da essência sobre a forma (conforme Salézio Dagostim).

Em assim sendo, pela adoção do entendimento anteriormente praticado por parte de inúmeros julgadores país afora, o simples fato de haver encerramento da atividade sem sua efetiva formalização na Junta Comercial ou, ainda, pelo fato da empresa fechar as portas com a presença de débito perante fornecedores/prestadores de serviço implicaria no deferimento da desconsideração da personalidade jurídica; agora isto não pode mais ser aceito.

A desconsideração da personalidade jurídica agora é tratada como medida excepcional, não se admitindo seu deferimento pela simples existência de débito ou por irregularidade formal diante da Junta Comercial.

A decisão adotada pelo STJ – Superior Tribunal de Justiça acompanha a norma contida no artigo 50 do Código Civil de 2002 e consagra o princípio da autonomia patrimonial, estabelecendo a separação entre a pessoa jurídica e os membros que a compõem.

Diante disso, aqueles que adotavam o entendimento e proferiam decisões que trafegavam no sentido de autorizar a desconsideração da personalidade jurídica quando não encontrados bens em nome da empresa para saldar os débitos vencidos ou, ainda, quando se apontava mediante, por exemplo, certidão de oficial de justiça de que determinada empresa não mais funcionava no endereço constante na Junta Comercial, não poderão mais continuar.

Observe-se que a distinção da personalidade jurídica da física é essencial, posto que atribui às pessoas jurídicas características próprias, tais como: 1) personalidade própria, não se confundindo com as de seus criadores ou sócios; 2) patrimônio próprio, o qual também não se confunde com os de seus sócios; 3) vida própria, que independe da vida de seus integrantes; 4) a pessoa jurídica pode exercer todos os atos que não sejam privativos das pessoas naturais, seja por natureza ou por força de lei.

A decisão em questão possui reflexos amplos, eis que impacta diretamente o desenvolvimento de atividades econômicas, da produção e circulação de bens e serviços, limitando a possibilidade de perdas nos investimentos mais arriscados; os empreendedores podem observar, junto ao Poder Judiciário, uma maior garantia de que não terão seus bens alcançados para saldar débitos comuns ou civis da pessoa jurídica, logicamente, se não incorrerem na exceção do artigo 50 do Código Civil de 2002.

Vale ponderar que o entendimento adotado pelo STJ se refere a obrigações financeiras que não tenham origem fiscal, pois, no caso de débitos tributários em nome das pessoas jurídicas e, havendo dissolução irregular da empresa, a desconsideração da personalidade jurídica é autorizada, diante do regramento previsto no Código Tributário Nacional (art. 134) e pela existência da Súmula 435 do STJ: Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.

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