A pandemia tem trazido um novo tipo de conflito entre casais separados e com filhos: vez por outra, um dos dois entende que, devido aos riscos da contaminação, o outro não pode ter acesso ao filho. Vários são os argumentos, destacando-se como principais, (1) que este outro não está vacinado e/ou (2) que sai de casa, seja para o trabalho ou para socializar, e não toma os devidos cuidados. Os Tribunais brasileiros têm se pautado pela preservação da segurança do menor e muitas são as decisões impedindo que a criança tenha contato com o genitor que não seja aquele que habita em seu lar de referência. Aliás, esse tipo de entendimento tem prevalecido em relação ao contrário, ou seja, há entendimento jurisprudencial de que não poderia haver tal proibição, entretanto, o número de decisões neste sentido é bem menor, neste momento excepcional de pandemia. É dito neste momento porque o Direito é uma ciência mutante, que depende do sentimento do julgador, e isto pode ser que mude até num curto espaço de tempo. Uma decisão judicial que atenda esse tipo de pedido, de proibição de que um dos genitores visite o filho presencialmente, é muito extrema e fere a primazia da guarda compartilhada dos filhos e o direito de convivência entre genitor e filho. Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos, sendo que a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos, quando pai e mãe morarem em cidades distintas. Decisões que impedem a visitação ou convivência de um genitor com o filho podem, ainda, ser consideradas uma interferência indevida do Judiciário no direito / dever que existe nessa convivência, uma vez que suspendem (sabe-se lá por quanto tempo…) o relacionamento afetivo que existe no relacionamento presencial e físico, de fato uma das melhores formas de expressão. De qualquer forma, justa ou injusta, o fato é que essa interferência judicial tem sido comum sob o argumento de que o direito à saúde da criança não pode ser desprezado, devendo o genitor impedido do convívio limitar-se a “visitas virtuais”. O que se vê, neste tipo de discussão e inclinação judicial, é que a vontade da criança, sempre tão prevalente nos casos de separação em que não há um acordo entre os pais quanto à guarda do filho, é relativizada com fundamento no fato de que a criança não tem como compreender e dimensionar os riscos causados pela pandemia. Há de se destacar que a avaliação dos potenciais riscos que um dos genitores pode representar à criança, por não respeitar devidamente as normas sanitárias, é algo extremamente subjetivo em certos aspectos e, se não adotados os devidos cuidados, pode se tornar injusto. Uma vez existente o perigo potencial, o genitor que busca a proteção judicial terá que provar, na Justiça, as atitudes e rotinas do outro que representem o risco. Esse tipo de prova pode se dar pelas mais diversas maneiras, inclusive postagens em redes sociais, conversas por meios eletrônicos e testemunhas. Sérgio Carlos de Souza, fundador e sócio de Carlos de Souza Advogados, autor dos livros “101 Respostas Sobre Direito Ambiental” e “Guia Jurídico de Marketing Multinível”, especializado em Direito Empresarial, Recuperação de Empresas e Ambiental. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2021/05/20/conflitos-nas-visitas-aos-filhos-em-tempos-de-pandemia/
O Código de Ética Médica (CEM) prevê que “a medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e será exercida sem discriminação de nenhuma natureza”. Estende-se isso para o médico e para seu paciente, guardando absoluto respeito pelo ser humano e atuando sempre em seu benefício. Vale destacar, também, a previsão de que “O médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente.” Assim, o referido Código, acatando o pensamento mundial que rege a matéria, estabeleceu um canal de comunicação verdadeiro e ativo entre o médico e o paciente. É notório que o médico é dotado de conhecimento especializado sobre determinada área e sua palavra é de vital importância para a solução da moléstia apresentada, mas às pode não coincidir com a opinião do paciente, que opta por outro procedimento. O CEM também faz inserções pontuais nas diversas restrições à ação do médico, de interesse relevante para o tema abordado. Traz uma regulamentação destinada à proteção dos Direitos Humanos e estabelece que é vedado ao médico “deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte” e “deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo”. Ademais, é direito do médico indicar o procedimento adequado ao paciente, observadas as práticas cientificamente reconhecidas e respeitada a legislação vigente. Por outro lado, é vedado ao médico deixar de usar todos os meios disponíveis de promoção de saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente. A autonomia do paciente também não pode ser esquecida, uma vez que sua vontade deve ser respeitada no tratamento, desde que adequada ao caso e cientificamente reconhecida e, sobretudo, quando não põe em jogo a sua vida. Nesse sentido foi o Parecer nº 4/2020, do CFM, que discorreu sobre o uso da cloroquina e hidroxicloroquina, em condições excepcionais, para o tratamento da COVID-19. No documento, o Conselho deixou claro que a decisão sobre o uso dos medicamentos fica a critério do médico assistente, em decisão compartilhada com o paciente, sendo ele obrigado a relatar ao doente que não existe, até o momento, nenhum trabalho que comprove o benefício do uso da droga para o tratamento da COVID-19, explicando os efeitos colaterais possíveis, e obtendo o consentimento livre e esclarecido do paciente ou dos familiares. Quando o paciente revela sua opção por um determinado tratamento, o médico deve, sempre que possível e adequado ao caso concreto, assegurar que a sua vontade será respeitada por ele ou por profissional substituto, nos casos de objeção de consciência. Humanização e respeito à autonomia do médico e do paciente – cada uma com seus limites, informação detalhada e registrada, bem como atualização científica do profissional – são os pilares de uma relação médico-paciente de sucesso, seja dentro ou fora do contexto atual de pandemia. Os riscos para o médico, quando esses princípios são observados, não desaparecem, mas também não assombram. É um direito e também um dever do médico prescrever o melhor tratamento, de acordo com as práticas cientificamente reconhecidas. Porém, o fato é que ainda não houve tempo hábil para que a ciência determinasse com segurança qual o melhor tratamento para a COVID-19. Por esse motivo, o Conselho Federal de Medicina (CFM) se manifestou, através do parecer nº 4/2020. Através desse documento, o CFM, apesar de não recomendar, autoriza que o médico prescreva a cloroquina e hidroxicloroquina, mesmo em pacientes com sintomas leves, desde que sob decisão compartilhada com o paciente. Para isso, não basta que o médico obtenha do paciente o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, é necessário que cumpra, de maneira efetiva, o dever de informar. É preciso deixar claro (e não apenas formalizar no papel), que se trata de um tratamento sem eficácia comprovada, bem como explicar sobre os possíveis efeitos colaterais, os riscos e os benefícios. Ademais, é preciso ter em mente que o Termo de Consentimento não serve como blindagem jurídica para o médico. A obtenção do consentimento, em decisão compartilhada, não exime o profissional de responsabilidade por eventuais danos ocasionados ao paciente. Em 20/05/2020, o Ministério da Saúde divulgou sua recomendação para uso da cloroquina e hidroxicloroquina em pacientes de COVID-19, mesmo em caso de sintomas leves. Trata-se de uma orientação, que não afeta a autonomia do médico assistente para prescrever o tratamento que entender adequado. Em suma, tem-se resguardada a autonomia do médico para deliberar sobre qual o tratamento entende ser o mais adequado, com base nos estudos já divulgados e sempre respeitando o princípio da beneficência. Além disso, deve ser criterioso no que tange a autonomia do paciente e o dever de informação, para que a tomada de decisão compartilhada seja feita de modo consciente. Rodrigo Carlos de Souza, sócio e fundador de Carlos de Souza Advogados, Secretário Geral Adjunto e Corregedor Geral da OAB/ES, Vice-Presidente da Comissão Nacional de Compliance Eleitoral e Partidário da OAB e Diretor do CESA – Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Seccional Espírito Santo). Letícia Stein Carlos de Souza, Acadêmica do 3º. Período da Faculdade de Direito de Vitória e Estagiária de Direito. Artigo publicado no Jornal Online Folha Vitória : https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2021/05/19/autonomia-do-medico-e-o-tratamento-do-paciente-em-casos-de-covid-19/

