Quando o assunto é planejar a vida, metas profissionais, viagens, estudo, festas, aposentadoria, enfim, organizar as tarefas do dia a dia, muitos se animam ou se empenham. Mas poucos desejam ou se sentem confortáveis em pensar nos planos para a morte. Esta é a primeira barreira ou obstáculo para que se busque um profissional apto ao planejamento sucessório. Apesar de o assunto ser indigesto para a maioria, é importante pensar na morte e nas suas consequências para a família. O planejamento sucessório também se mostra importante para que ocorra a redução dos custos tributários, sendo ainda apto a proteger os herdeiros e o patrimônio, sendo até mesmo possível evitar o inventário em caso de morte. Há muitas maneiras de se planejar a sucessão em vida, a exemplo da doação com usufruto, criação de holdings familiares, testamento e outras opções que podem ser apresentadas dentro dos limites da lei e sem prejudicar os herdeiros necessários. Aconselha-se a consultar um profissional com conhecimento específico que apresente alternativas, possibilidades e, principalmente, vantagens econômicas e tributárias, que certamente trarão segurança e conforto aos sucessores e beneficiados num momento delicado e difícil da perda de um ente querido. Além disso, conflitos familiares são evitados quando há um planejamento sucessório efetivo. É um ato de pacificação e amor à família. Chrisciana Oliveira Mello, sócia de Carlos de Souza Advogados, aluna especial do curso de mestrado em Processo Civil da Universidade Federal do Espírito Santo. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2021/11/01/a-importancia-do-planejamento-sucessorio/
Há hipóteses no Código Civil Brasileiro que o único regime de bens que o casal pode adotar é o de separação de bens, é o chamado regime de separação obrigatória. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento: das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento (art. 1.523); da pessoa maior de 70 (setenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 12.344, de 2010); de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial. Importante pontuar que a regra também vale para a união estável. Contudo, há uma lacuna a ser preenchida no direito no que se refere aos bens adquiridos pelos casais durante a união sob este regime quando do falecimento de um deles. A dúvida consiste na prova do esforço comum na aquisição deste patrimônio pelo cônjuge sobrevivente. Seria necessário produzir esta prova, ou o esforço comum do casal para aquisição desses bens seria presumido. Havia clara divergência entre as turmas do Superior Tribunal de Justiça quanto a esta questão. Ao decidir que o cônjuge supérstite (ou sobrevivente), casado sob o regime de separação legal de bens, faz juz à meação de bem adquirido na constância do casamento, independentemente da prova de esforço comum, o TJSP se alinhou ao entendimento do STJ (REsp 1593663/DF, 3ª T., DJe 20/09/2016 e AgRg no REsp 1008684/RJ, 4ª T., DJe 02/05/2012), no entanto, “há julgados tanto da 4ª Turma quanto da 3ª Turma no sentido de que o esforço comum do casal para adquirir um bem para fins de que o cônjuge sobrevivente receba sua meação deverá por este ser comprovado, nos casos de casamentos sob o regime de separação obrigatória de bens, sob pena de não ser reconhecido tal direito. Para decidir a divergência, inaugurada no EREsp 1623858, se fez necessário efetuar a releitura da antiga Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal, remanescente da época em que cabia à Suprema Corte decidir em última instância acerca da interpretação da legislação federal (naquele período inserida no art. 259 do Código Civil de 1916), hoje a cargo do Superior Tribunal de Justiça, a qual afirmava que “no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”, pois, adotado este entendimento, seria desnecessário provar o esforço comum, portanto presumido. Após intenso debate, sanando a divergência, o STJ decidiu que deve ser reafirmada a tese de que, “no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição”. Chrisciana Oliveira Mello, sócia de Carlos de Souza Advogados, aluna especial do curso de mestrado em Processo Civil da Universidade Federal do Espírito Santo. Artigo publicado no Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2021/10/04/a-prova-do-esforco-comum-na-aquisicao-de-bens-no-casamento-de-separacao-obrigatoria/
Decisão recente do Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial n. 1.903.273, foi no sentido de que as conversas travadas por intermédio do aplicativo WhatsApp, em princípio, não podem ser divulgadas, razão pela qual confirmou o direito da vítima, que teve conversa compartilhada por outrem, a ser indenizada a título de danos morais. Porém, não é sempre que a divulgação da conversa, mediante os chamados prints, ou até mesmo áudios, poderão gerar o dever de indenizar! Alguns elementos precisam estar presentes no caso concreto para que ocorra a obrigação indenizatória, que pode se dar a título de danos morais e, por consequência lógica, materiais, se devidamente comprovados. Segundo o entendimento da relatora, Ministra Nancy Andrighi, acompanhada pelos demais membros da Terceira Turma, em unanimidade, a divulgação pública de mensagens trocadas via WhatsApp caracteriza ato ilícito apto a ensejar a responsabilização por eventuais danos decorrentes da publicização. Conforme a decisão, o sigilo das comunicações é fruto da liberdade de expressão e visa a resguardar o direito à intimidade e à privacidade. Em passado recente, não se cogitava de outras formas de comunicação que não pelo tradicional método das ligações telefônicas. Atualmente, contudo, desenvolveu-se a tecnologia digital, o que culminou na criação da internet e, mais recentemente, da rede social WhatsApp. Com efeito, o sigilo afeto à ligação telefônica se estende ao WhatsApp e demais aplicativos de mensagens, razão pela qual terceiros somente podem ter acesso às conversas de WhatsApp mediante consentimento dos participantes ou autorização judicial. Quando o conteúdo das conversas enviadas via WhatsApp possa, em tese, interessar a terceiros, haverá um conflito entre a privacidade e a liberdade de informação, revelando-se necessária a realização de um juízo de ponderação. Diante disso, deve-se considerar que as mensagens eletrônicas estão protegidas pelo sigilo em razão de o seu conteúdo ser privado e restrito aos interlocutores. Isso porque, o emissor tem a expectativa legítima de que ela não será lida por terceiros, quanto menos divulgada ao público, seja por meio de rede social ou da mídia. Portanto, muito cuidado! Ao levar a conhecimento público conversa privada, além da quebra da confidencialidade, estará configurada a violação à legítima expectativa, bem como à privacidade e à intimidade do emissor, sendo possível a responsabilização daquele que procedeu à divulgação se configurado o dano. Perceba que a ilicitude da exposição pública de mensagens privadas poderá ser descaracterizada quando a exposição das mensagens tiver o propósito de resguardar um direito próprio do receptor. No caso analisado pelo STJ, o recorrente divulgou mensagens enviadas pelo recorrido em grupo do WhatsApp sem o objetivo de defender direito próprio, mas com a finalidade de expor as opiniões manifestadas pelo emissor. Além disso, essa exposição causou danos à vítima que teve a mensagem divulgada, restando caracterizado o nexo de causalidade entre o ato ilícito perpetrado pelo divulgador da mensagem e o prejuízo experimentado pela vítima. Diante disso, o STJ concluiu que as mensagens enviadas pelo WhatsApp são sigilosas e têm caráter privado, e ao divulgá-las, portanto, o réu violou a privacidade do autor/vítima e quebrou a legítima expectativa de que as críticas e opiniões manifestadas no grupo de WhatsApp ficariam restritas aos seus membros, causando-lhe danos à imagem, passíveis de indenização. Todo cuidado, portanto, é pouco. É melhor não quebrar a confiança depositada em você ou nos membros dos grupos de WhatsApp, ou similar, sob pena de ter que indenizar a vítima de divulgação da conversa, caso esta divulgação lhe cause danos. Chrisciana Oliveira Mello, sócia de Carlos de Souza Advogados, aluna especial do curso de mestrado em Processo Civil da Universidade Federal do Espírito Santo. Artigo publicado pelo Blog Direito ao Direito do Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2021/09/06/indenizacao-por-prints-e-divulgacao-de-conversas-de-whatsapp/
Durante anos os tribunais brasileiros se debruçaram sobre o tema do dano moral causado pelo abandono afetivo de crianças e adolescentes. De fato, indignados com o tratamento dispensado por parte dos pais e/ou mães, que foram completamente ausentes em todas as fases da vida dessas pessoas, alguns se dirigiram ao Poder Judiciário pleiteando indenização por danos de ordem moral por abandono afetivo. Significa que essas pessoas se sentiram, de algum modo, desprezadas e prejudicadas com a ausência de seus pais, gerando um sentimento de angústia e, em alguns casos, danos de ordem psicológica que, no entendimento de certos tribunais, se compara ao dano moral. O dano moral se constitui na “lesão de direitos cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro. É o dano que lesiona a esfera personalíssima da pessoa (seus direitos de personalidade), violando, por exemplo, sua intimidade, vida privada, honra e imagem, bens jurídicos tutelados constitucionalmente”. O artigo 1°, inciso III da Constituição, que menciona a dignidade da pessoa humana como bem juridicamente tutelado, e o artigo 5°, incisos V e X, também da Constituição Federal, se referem ao dano moral como indenizável quando violado. Muito embora da análise do dano de ordem moral, sob a luz da Constituição Federal, pareça evidente que o abandono afetivo de uma criança possa constituir em danos psicológicos e até a sua dignidade, como pessoa que deseja pertencer a um núcleo familiar saudável, ser alvo do amor paternal, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que o abandono afetivo, em si, não gera dano moral indenizável. Conforme se manifestou a Ministra Maria Isabel Galotti em decisão com força de precedente da Corte em questão, em tese o dano moral na seara do direito de família é cabível, no entanto, é necessário que se configure um ato ilícito. Desta forma, ainda segundo a ministra, a indenização por dano moral, no âmbito das relações familiares, pressupõe a prática de ato ilícito; o dever de cuidado compreende o dever de sustento, guarda e educação dos filhos, porém, não há dever jurídico de cuidar afetuosamente, de modo que o abandono afetivo, se cumpridos os deveres de sustento, guarda e educação da prole, ou de prover as necessidades de filhos maiores e pais, em situação de vulnerabilidade, não configura dano moral indenizável. Nesta esteira, em recentíssima decisão do STJ o Ministro Marco Aurélio Belizze pontuou “a falta de afetividade no âmbito familiar, via de regra, não traduz ato ilícito reparável pecuniariamente; o ordenamento jurídico não prevê a obrigatoriedade de sentimentos que normalmente vinculam um pai a seu filho; isso porque não há lei que gere tal dever, tendo em vista que afeto é sentimento imensurável materialmente; tal circunstância, inclusive, refoge do âmbito jurídico, não desafiando dano moral indenizável à suposta vítima de desamor”. Com efeito, a falta do afeto ou dedicação do pais, traduzida pela palavra “desamor”, embora devastadora na construção da personalidade do ser humano, não é suficiente para que haja indenização por danos morais. Porém, o descumprimento de um dos deveres legais de sustento, guarda e/ou educação, caracteriza o ato ilícito, este sim, indenizável e causador dos danos de ordem moral, no entendimento do STJ. Chrisciana Oliveira Mello, sócia de Carlos de Souza Advogados, aluna especial do curso de mestrado em Processo Civil da Universidade Federal do Espírito Santo. Artigo publicado no Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2021/08/12/dano-moral-por-abandono-afetivo/
A pessoa comprou um imóvel de outra, que é o vendedor; pagou o preço integralmente, mas ainda não transferiu a propriedade no registro de imóveis, seja porque não possui condições financeiras para arcar com as despesas, seja por comodidade. Ocorre que o vendedor, anos depois da venda, recebe a citação para responder perante o condomínio por débitos acumulados após a venda. Ora, quem é parte legítima para responder pelo débito se o compromisso de compra e venda nem sequer foi registrado? A situação é mais comum do que se imagina, e por serem muitos os processos que abordam o tema, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) pacificou a questão com o julgamento de um recurso em que o Condomínio tentava receber o que lhe era devido. Conforme o entendimento do STJ, o que determina a responsabilidade pelo pagamento das obrigações perante o condomínio (cotas condominiais, taxas extras e tudo que se refere ao imóvel) não é o registro do compromisso de compra e venda, mas a relação jurídica material com o imóvel, que é aferida pela imissão na posse pelo promissário comprador e pela ciência inequívoca do condomínio sobre a transação de compra e venda realizada. Assim, havendo compromisso de compra e venda não levado a registro, a responsabilidade pelas despesas de condomínio pode recair tanto sobre o promitente vendedor (que permanece figurando como proprietário no cartório de registro de imóveis) quanto sobre o promissário comprador (que apesar de ter pago integralmente o preço ainda não registrou o ato). Tudo vai depender das circunstâncias de cada caso concreto! Se ficar comprovado: (i) que o promissário comprador se imitiu na posse; e (ii) o condomínio teve ciência inequívoca da transação, afasta-se a legitimidade passiva do promitente vendedor para responder por despesas condominiais relativas a período em que a posse foi exercida pelo promissário comprador. Mas o que seria essa “ciência inequívoca”? Ora, quem participa das assembleias condominiais, assina as atas, recebe e-mails com informações, conversa com o síndico, recebe as correspondências, ou, ainda que aluga a unidade, e se apresenta como locador, é quem deve responder pelo pagamento de débitos perante o condomínio. Portanto, a situação de fato é que determina o responsável pelo pagamento de débitos condominiais, sendo indiferente se o compromisso de compra e venda foi ou não registrado. O ideal, portanto, é que o compromisso de compra e venda seja formalizado mediante contrato escrito e registrada no cartório competente, o que visa à proteção de todos os envolvidos, podendo, até mesmo, postergar-se, mas não tanto, o registro efetivo da escritura de compra e venda quando a situação financeira se mostrar favorável. Chrisciana Oliveira Mello, sócia de Carlos de Souza Advogados, aluna especial do curso de mestrado em Processo Civil da Universidade Federal do Espírito Santo. Artigo publicado no Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2021/07/20/quem-e-responsavel-pelo-pagamento-perante-o-condominio-o-proprietario-registrado-no-cartorio-ou-o-comprador-que-ainda-nao-registrou-a-propriedade/
Em março deste ano esta coluna informou que tramitava projeto de lei para a alteração do Código do Consumidor prevendo regras claras para evitar o superendividamento. Em 01 de julho foi publicada a Lei no.14.181 com a finalidade de aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor, chamado “crédito responsável” por alguns doutrinadores, sobretudo para dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento. A legislação brasileira carecia definir expressamente essas regras, pois os tribunais se deparavam com inúmeros processos intencionando a limitação de descontos de contratos de empréstimos pessoais, readequação de contrato, de modo e tempo de execução, redução de juros, enfim, toda sorte de demandas para proteção do consumidor superendividado, o que ganhou destaque pelo aumento do número de pessoas nesta condição, especialmente em consequência da pandemia, que tem gerado crise econômica, perdas de inúmeros postos de trabalho e meios de subsistência. Paralelamente, ocorre o aumento ainda mais expressivo do volume dessas dívidas pessoais, que têm gerado o chamado superendividamento, aquele que impede o indivíduo de arcar com o mínimo necessário para sua subsistência, vez que seus ganhos estão integralmente, ou quase totalmente, comprometidos com o pagamento de dívidas. A facilidade de acesso ao crédito tem criado, em todo o mundo, cada vez mais superendividamento pessoal, sendo que a legislação francesa já se adequou a esta realidade, e, agora, o direito brasileiro recepciona a lei que, em suma, incentiva a educação financeira e cria meios para impedir que o consumidor fique sem meios de sustentar-se, garantindo-lhe o “mínimo existencial”, que vem a ser o suficiente para suprir condições dignas de subsistência. Para evitar tal situação a lei cria algumas regras para a oferta do chamado crédito responsável. Resumidamente, no fornecimento de crédito e na venda a prazo, além das informações obrigatórias já contidas no Código de Defesa do Consumidor, o fornecedor ou o intermediário do crédito deverá informar previamente, ou seja, no momento da oferta, o custo efetivo total e a descrição dos elementos que o compõem; a taxa efetiva mensal de juros, bem como a taxa dos juros de mora e o total de encargos, de qualquer natureza, previstos para o atraso no pagamento; montante das prestações e o prazo de validade da oferta, que deve ser, no mínimo, de 2 (dois) dias; o nome e o endereço, inclusive o eletrônico, do fornecedor; o direito do consumidor à liquidação antecipada e não onerosa do débito, nos termos do § 2º do art. 52 do Código e da regulamentação em vigor. Tais informações devem constar de forma clara e resumida do próprio contrato, da fatura ou de instrumento apartado, de fácil acesso ao consumidor, e o custo efetivo total da operação de crédito ao consumidor consistirá em taxa percentual anual e compreenderá todos os valores cobrados do consumidor, sem prejuízo do cálculo padronizado pela autoridade reguladora do sistema financeiro. Além disso, a oferta de crédito ao consumidor e a oferta de venda a prazo, ou a fatura mensal, conforme o caso, devem indicar, no mínimo, o custo efetivo total, o agente financiador e a soma total a pagar, com e sem financiamento. Destaca-se ainda que a lei proíbe indicar na oferta do crédito que a operação poderá ser concluída sem consulta a serviços de proteção ao crédito ou sem avaliação da situação financeira do consumidor; proíbe ainda ocultar ou dificultar a compreensão sobre os ônus e os riscos da contratação do crédito ou da venda a prazo; bem como assediar ou pressionar o consumidor para contratar o fornecimento de produto, serviço ou crédito, principalmente no caso de consumidor idoso, analfabeto, doente ou em estado de vulnerabilidade agravada ou se a contratação envolver prêmio; condicionar o atendimento de pretensões do consumidor ou o início de tratativas à renúncia ou à desistência de demandas judiciais, ao pagamento de honorários advocatícios ou a depósitos judiciais. Vale frisar que os idosos se destacam entre os superendividados, e o STJ tem enfrentado demandas nas quais esse tema sensível foi abordado de diferentes formas: ora no sentido de que o idoso não deve ser tratado como “sem discernimento” ou “tolo”, vez que cada caso deve ser analisado individualmente; ora, como no caso do Resp 1.783.731, pela validade do limite etário para a contratação de empréstimo consignado, posto que justificado pelo princípio da razoabilidade e igualdade. A lei disciplina ainda o tempo e a forma do exercício do direito ao arrependimento; a contestação dos débitos efetuados diretamente na conta do consumidor; o acesso pleno aos contratos e suas vias; e ainda a prevenção do superendividamento por meio de audiências de conciliação e repactuação de débitos. A lei vem ao encontro do anseio a respeito das regras para evitar situações de insolvência total do consumidor, impondo claro regramento na oferta e contratação do crédito e ainda a facilidade de acesso ao Poder Judiciário para garantir condições dignas de subsistência ao consumidor. Chrisciana Oliveira Mello, sócia de Carlos de Souza Advogados, aluna especial do curso de mestrado em Processo Civil da Universidade Federal do Espírito Santo. Artigo publicado no Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2021/07/06/o-que-e-lei-do-superendividamento/
No Brasil já é possível o registro, pelo pai ou mãe socioafetivo, em qualquer fase da vida da criança, adolescente ou, ainda, na idade adulta. De acordo com a fase da vida esse registro pode ser feito até mesmo extrajudicialmente. Trata-se da formalização legal de uma situação de fato: o afeto e o amor construído ao longo da convivência entre esses pais e essa criança ou adulto, que culminam no desejo de externá-lo para toda a sociedade e para que os efeitos legais sejam, assim, reconhecidos. Esta filiação já estava prevista no art. 1.593 do Código Civil, mas as normas relativas a forma de estabelecimento do vínculo de maneira formal tem evoluído ao longo do tempo. É bom notar que o caso não se amolda ao recém-nascido, vez que a relação de socioafetividade é algo que precisa ser construído, o que não é possível no caso de um bebê de tenra idade. O que será alterado, de acordo com a idade, é a forma de realizar este registro: extrajudicialmente ou judicialmente. Neste cenário, e com vistas a acelerar e simplificar o reconhecimento e formalização de vínculos socioafetivos, o Conselho Nacional de Justiça editou os Provimentos nº 63/2017 e 83/2019, que alterou alguns pontos daquele, estabelecendo regras para o procedimento do registro extrajudicial da filiação socioafetiva. Atualmente, somente nos casos que objetivem alteração de registro de pessoas acima de 12(doze) anos, que consintam juntamente com seus pais biológicos, poderão as partes envolvidas se valer do registro da filiação socioafetiva pela via extrajudicial, restando aos casos que envolvam menores de 12 (doze) anos o procedimento judicial, sempre, em qualquer das vias, com participação do Ministério Público. Importante pontuar que neste registro extrajudicial é facultada a alteração de apenas um ascendente, sendo que, independentemente da idade, para alteração de mais de um ascendente (pai e mãe) é necessária a via judicial. Diante disso, a multiparentalidade pela via extrajudicial, embora ainda permitida, passou a ser restrita a apenas um ascendente socioafetivo, restando ao segundo ascendente socioafetivo a alternativa judicial. O procedimento extrajudicial, válido para maiores de 12 (doze) anos, possui requisitos objetivos e subjetivos interessantes, tais como, a verificação da existência do vínculo afetivo da paternidade ou maternidade socioafetiva mediante apuração objetiva por intermédio da verificação de elementos concretos, conforme art. 10-A, §1º; mas na ausência de documentos o registrador deverá atestar “como apurou o vínculo” ( §3º do mesmo dispositivo). Nesta apuração, a ser feita pelo registrador, é possível concluir que se valerá também de análises de caráter subjetivos. O requisitante deve demonstrar a afetividade por todos os meios em direito admitidos, bem como por documentos, tais como: apontamento escolar como responsável ou representante do aluno; inscrição do pretenso filho em plano de saúde ou em órgão de previdência; registro oficial de que residem na mesma unidade domiciliar; vínculo de conjugalidade – casamento ou união estável – com o ascendente biológico, enfim, por diversos meios. Ao Ministério Público caberá o parecer definitivo, ou seja, estará com a palavra final. Paternidade e maternidade são conceitos que se distanciam muito da mera verificação biológica, do DNA, e caminham para a simplificação de um fato inconteste: o registro do afeto filial pode ser feito de forma menos burocrática e mais rápida, encurtando o caminho para essas famílias que desejam formalizar o vínculo de amor. Chrisciana Oliveira Mello, sócia de Carlos de Souza Advogados, aluna especial do curso de mestrado em Processo Civil da Universidade Federal do Espírito Santo. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2021/06/22/o-registro-extrajudicial-da-filiacao-socioafetiva-2/
Em 01 de junho a Lei Complementar 182 instituiu o marco legal dasstartups e do empreendedorismo inovador. A lei pretende fomentar o ambiente de negócios e aumentar a oferta de capital para investimento em empreendedorismo inovador, cuidando, inclusive, de disciplinar a licitação e a contratação de soluções inovadoras pela administração pública. Traz a lei importante definição do que são startups: organizações empresariais ou societárias, nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados. Alguns detalhamentos são dignos de nota, tais como, constituir-se em uma empresa individual de responsabilidade limitada, sociedades empresárias, sociedades cooperativas e as sociedades simples, com receita bruta de até R$ 16.000.000,00 (dezesseis milhões de reais) no ano-calendário anterior ou de R$ 1.333.334,00 (um milhão, trezentos e trinta e três mil trezentos e trinta e quatro reais) multiplicado pelo número de meses de atividade no ano-calendário anterior, quando inferior a 12 (doze) meses, independentemente da forma societária adotada; com até 10 (dez) anos de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia; e que atendam alguns requisitos mínimos como declaração em seu ato constitutivo ou alterador e utilização de modelos de negócios inovadores para a geração de produtos ou serviços, nos termos do inciso IV do caput do art. 2º da Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004; ou enquadramento no regime especial Inova Simples; bem como estabelece regras para startups surgidas de cisão, fusão e incorporação. As startups poderão admitir aporte de capital por pessoa física ou jurídica, que poderá resultar ou não em participação no capital social da startup, a depender da modalidade de investimento escolhida. O Marco Legal define, dentre as formas de investimento, a do investidor-anjo, que não é considerado sócio nem responde por qualquer obrigação da empresa podendo ser remunerado por seus aportes; assim como define o ambiente regulatório experimental, ou sandbox regulatório, que é o conjunto de condições especiais simplificadas para que essas empresas recebam autorização temporária de órgãos competentes para desenvolver modelos de negócios inovadores e testar técnicas e tecnologias experimentais. Há regras claras sobre o resgate do capital investido e a forma de abertura de capital junto à CVM. A Lei pretende reconhecer e incentivar o empreendedorismo inovador como vetor de desenvolvimento econômico, social e ambiental, incentivando a criação de ambientes favoráveis à inovação de tecnologia com valorização da segurança jurídica e da liberdade contratual como premissas para a promoção do investimento e do aumento da oferta de capital direcionado a iniciativas inovadoras, gerando novos postos de trabalho, inclusive com foco na cooperação e interação entre os entes públicos e privados. Destaca-se, neste contexto, o incentivo à contratação, pela administração pública, de soluções inovadoras elaboradas ou desenvolvidas por startups, incluindo e incentivando o Estado no fomento à inovação e potenciais oportunidades de economicidade, de benefício e de solução de problemas públicos de forma inovadora, torando o Brasil mais internacionalmente e atraindo investimentos estrangeiros com definições claras de incentivo à contratação pública e licitação. Na esteira da Lei de Liberdade Econômica, o Marco Legal das Startups representa mais um passo importante para regular o desenvolvimento seguro das empresas brasileiras que pretendem ingressar no mercado com novidades tecnológicas, mas precisam de aportes financeiros para tanto, criando ambiente de segurança jurídica aos investidores e ao Estado. Chrisciana Oliveira Mello, sócia de Carlos de Souza Advogados, aluna especial do curso de mestrado em Processo Civil da Universidade Federal do Espírito Santo. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2021/06/08/o-que-o-marco-legal-das-startups-traz-de-novo/
O Tribunal de Justiça de São Paulo, em julgamento de recurso na semana passada, reforçou seu entendimento de que a atriz e modelo Luiza Brunet não possui direito à metade do patrimônio do empresário com quem manteve um relacionamento amoroso, que tentou qualificar como união estável. A intenção da modelo ao ajuizar o processo era ter da Justiça o reconhecimento de que viveu com um empresário uma união estável. Contudo, após instrução probatória das partes em primeira instância, a autora não conseguiu comprovar que o relacionamento se constituía em uma união estável, e consequentemente, não obteve êxito na apuração dos efeitos pretendidos na esfera patrimonial do réu no período em que se relacionaram, de 2012 a 2015. O entendimento do TJSP, apurados os aspectos próprios da relação, é de que o casal manteve um namoro e não a união estável configurada como convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. Atualmente, em função do isolamento social, alguns casais de namorados decidiram morar juntos. Isso significa que o namoro teria evoluído para uma união estável? Trata-se de uma preocupação para muitos casais que optam por “dar este passo a mais” na relação. Para responder tal pergunta é necessário conceituar os dois tipos de relacionamento. A união estável pode ser reconhecida por documento público assinado pelas partes envolvidas, porém, quando este documento não é assinado, cumpre ao Judiciário declarar a existência desta relação com base nos fatos apresentados pelas partes. Neste caso, ausente qualquer documento, é necessário avaliar se a união do casal é marcada pela convivência pública, notória, contínua e com desejo de constituir família. O namoro qualificado, por sua vez, se caracteriza por uma evolução do relacionamento, que adentra a uma nova fase, em que as pessoas estão juntas, desejam estar juntas, mas não têm a intenção de constituir uma família, pelo menos não ainda, naquele exato momento da relação. Portanto, o simples fato de se morar junto não caracteriza a união estável, ao passo que é possível morar em casas separadas e haver uma estabilidade da relação suficiente para caracterizá-la como união estável. Afinal, a significativa subjetividade que envolve o tema tem influenciado muitas pessoas a procurarem a Justiça para definir o tipo de relação e seus efeitos no patrimônio do casal. Em 2015, o Superior Tribunal de Justiça precisou enfrentar o tema e passou a entender que o “namoro qualificado” é aquele em que o casal até convive sob o mesmo teto, mas não enseja o direito de partilha dos bens adquiridos neste período por um dos namorados. Naquela oportunidade, o ministro Marco Aurélio Bellizze, da Terceira Turma do STJ, entendeu que não houve união estável, “mas sim namoro qualificado, em que, em virtude do estreitamento do relacionamento, projetaram, para o futuro, e não para o presente, o propósito de constituir entidade familiar”, e nem o fato de ter existido a coabitação do casal foi suficiente para evidenciar uma união estável, já que a convivência no mesmo imóvel se deu apenas por conveniência de ambos, em razão de seus interesses particulares à época. Na esteira deste entendimento, o TJSP entendeu como namoro qualificado o caso da modelo e do empresário, pois não estava presente a intenção de constituir família naquele momento do relacionamento. Com efeito, notou-se que, apesar do longo e duradouro relacionamento, se tratavam, eram conhecidos e reconhecidos no meio em que viviam apenas como namorados. Fato é que, em tempos de pandemia, a conveniência tem ditado a coabitação de alguns casais de namorados, o que não significa que tenham evoluído para uma estabilidade tal na relação que possa ser considerada união estável, com efeitos patrimoniais, e sim, na maioria dos casos, trata-se de um namoro qualificado, que progrediu para a coabitação diante do cenário inédito da Covid-19. Aconselha-se, inclusive, que o casal de namorados deixe isso bem claro para familiares, amigos e até nas redes sociais: a coabitação é, no momento, conveniente para o relacionamento, que continua sendo um namoro, sem a intenção, pelo menos naquele instante, de constituição de uma família e de um patrimônio comum. Chrisciana Oliveira Mello, sócia de Carlos de Souza Advogados, aluna especial do curso de mestrado em Processo Civil da Universidade Federal do Espírito Santo.
Com a pandemia ocorreu um natural crescimento do e-commerce e, em especial, o uso de plataformas de anúncios de bens ou serviços, que se propõem a unir os interessados na aquisição de determinados bens – novos ou usados, móveis ou imóveis, veículos, cartas de crédito – e aqueles que os anunciam à venda ou troca. Este ambiente virtual favorece a ocorrência de fraudes, uma vez que se afasta a relação presencial, que exigiria um contato visual entre as partes, e facilitaria a identificação do sujeito mal intencionado. Além disso, não há limitação geográfica para que as transações comerciais e cambiais ocorram, sendo que este é mais um facilitador das fraudes noticiadas cotidianamente. Quando a modalidade do comércio eletrônico é direta, ou seja, o contato entre o interessado / adquirente e o ofertante / vendedor não possui intermediário, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor a favor da vítima da fraude é objetiva, assim o vitimado será indenizado pelo ofertante em caso de fraude e prejuízo comprovados. Mas, como estabelecer o responsável pelo prejuízo causado às vítimas de fraudes, que utilizam esse sistema de anúncios, para a aquisição ou troca de bens? Seriam os sites intermediadores de comércio eletrônico, ou seja, aqueles que promovem esses “encontros” e “negócios” virtuais, corresponsáveis na indenização das vítimas das fraudes? Bem, quando o site se propõe a ser apenas o intermediador, que oferece a informação gerada por terceiro, servindo exclusivamente como um veiculador dos detalhes do negócio/oferta, não incidem sobre referidos sites as regras de responsabilidade pela fraude cometida. Esta é a interpretação que tem sido proposta pelo Superior Tribunal de Justiça: os sites que anunciam e propiciam os negócios entabulados virtualmente não são civilmente responsáveis pelas fraudes perpetradas por terceiros. Com efeito, o entendimento predominante é de que a vítima da fraude, que sofre prejuízo, não será indenizada pelo site que veiculou e proporcionou o negócio fraudulento, que possui a sua responsabilidade limitada a determinados aspectos do anúncio e da identificação dos usuários[1]. O entendimento dos tribunais está pautado no fato de que o serviço de anúncio se exaure em si, sendo que os sites que veiculam os negócios limitam-se a prestar este serviço de “aproximação”. Assim, quaisquer atos negociais subsequentes ao anúncio que aproximou as partes precisam ser garantidos pelos negociantes, que foram “apresentados” pelo meio virtual proporcionado pelo site. Portanto, após o anúncio em meio virtual, a contratação do negócio se dá diretamente entre o possível adquirente e os anunciantes, sem qualquer participação do site veiculante, que apenas disponibilizou o espaço virtual, esta empresa não tem responsabilidade em indenizar atos de fraudes. Com efeito, em que pese o mau negócio realizada pela vítima, a fraude é praticada por terceiros, não havendo como ser a indenização pela empresa que disponibiliza o espaço virtual para que terceiros possam anunciar seus produtos e serviços, de forma gratuita, visto que não participou do negócio. Concluindo, necessário que os negócios em ambiente virtual sejam pautados em ampla verificação quanto aos envolvidos no anúncio, sendo certo que as cautelas, independentemente do sistema utilizado para aproximação das partes, devem sempre pautar quaisquer transações negociais, cumprindo ao adquirente e ao vendedor se assegurar de meios possíveis à identificação exata do proprietário ou possuidor do bem (que se ostentar documentos, tais como veículos e imóveis, devem ser verificados com atenção), da lisura do anúncio (preços muito abaixo do mercado são um forte indicativo de fraude, por exemplo), e, especialmente, no ato do pagamento, vez que comprovantes de depósitos falsos têm sido utilizados para fraudar negócios em ambiente virtual. [1] AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.200.653 – SP (2017/0289014-6), DJ 03/042018; AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.187.768 – SP (2017/0266345-0); REsp 1.444.008/RS, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 25.10.2016, DJe 9.11.2016; AgRg nos EDcl no Ag 1360058/RS; Chrisciana Oliveira Mello, sócia de Carlos de Souza Advogados, aluna especial do curso de mestrado em Processo Civil da Universidade Federal do Espírito Santo.

