A pandemia de COVID-19 afetou e ainda tem afetado a vida de milhares de pessoas, impactando também diretamente as relações jurídicas estabelecidas, principalmente no que se referem aos contratos de locação. Este período foi marcado por inúmeras tratativas e modificações nas relações contratuais em decorrência das medidas de isolamento social impostas para o enfrentamento ao avanço da COVID-19, de modo que, de um lado, os locatários apresentaram (e ainda apresentam) maiores dificuldades econômicas para pagar o aluguel, enquanto, do outro lado, os locadores tiveram de enfrentar prejuízos financeiros, seja diante do não recebimento dos alugueres ou por não conseguirem reajustar o valor dos locatícios. Sobre o tema, destacamos que foi publicada no dia 07 deste mês a Lei 14.216/2021, que suspende o despejo ou a desocupação de imóveis urbanos até o fim deste ano, em virtude da pandemia de coronavírus. Segundo a lei, estão suspensas as ordens liminares de despejos nas ações judicias decorrentes do não pagamento de aluguel de imóveis comerciais, de até R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais), e residenciais, de até R$ 600,00 (seiscentos reais), com exceção às ordens de despejo já concluídas. A lei também passou a prever a dispensa do pagamento de multa, por parte do locatário, em caso de encerramento de locação de imóvel decorrente de comprovada perda de capacidade econômica que inviabilize o cumprimento contratual. Perceba que o inquilino deve demonstrar a mudança de sua situação econômico-financeira em razão de medidas de enfrentamento à pandemia a tal ponto que tenha resultado na incapacidade de pagamento do aluguel e demais encargos sem prejuízo da sobrevivência de sua família. Antes disso, porém, as partes deverão tentar um acordo para reequilibrar o contrato considerando a nova situação financeira imposta pela pandemia, atualizando valores ou parcelando-os de modo a não comprometer a subsistência familiar. Essa tentativa de acordo pode se dar (e é fundamental que se dê para fins de comprovação) por meio de correspondências eletrônicas ou mensagens de texto, sendo que todas as tratativas via e-mail, Telegram, WhatsApp ou outro canal de comunicação serão tidas como aditivo contratual. Ou seja, não deixe que as tratativas se deem apenas verbalmente! Pois bem, tentou o acordo e não conseguiu repactuar os termos do contrato, aí sim a lei possibilita ao locatário denunciar o contrato (antes do prazo previsto) independentemente do pagamento da multa. Especificamente para os contratos de locação comercial, exige-se que a atividade desenvolvida no imóvel tenha sofrido interrupção contínua em razão da imposição de medidas de isolamento ou de quarentena, por prazo igual ou superior a 30 dias. Também nesse caso, a dispensa do pagamento da multa está condicionada à frustração de tentativa de acordo entre as partes para desconto, suspensão ou adiamento, total ou parcial, do pagamento do aluguel. Registra-se que o que mencionamos aqui não vale no caso de o imóvel ser a única propriedade do locador e o dinheiro do aluguel consistir em sua única fonte de renda. Também não vale para imóveis rurais. Por fim, vale lembrar que as ordens de despejo para os casos específicos que tratamos aqui estarão suspensas até o dia 31 de dezembro de 2021, sendo que durante todo o período é imprescindível o diálogo entre as partes na tentativa de uma composição amigável. David Roque Dias, associado de Carlos de Souza Advogados, especializado em Direito Civil, Contratos e Assuntos Societários. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2021/10/18/proibicao-de-despejos-de-menor-valor-ate-o-fim-do-ano/
Um recurso muito comum nas atividades empresariais, especialmente para o suprimento provisório de caixa, encontra-se o contrato de mútuo, isto é, um empréstimo. No dia a dia das empresas o empréstimo / mútuo é utilizado para o atendimento de emergências, quando os recursos em caixa são insuficientes para o pagamento de salários, fornecedores e outras operações diárias. Porém, indaga-se: é necessária a formalização de algum documento prévio à operação? Em resumo, o mútuo nada mais é do que o empréstimo de coisa fungível para consumo durante certo prazo e posterior devolução da coisa do mesmo gênero e equivalente em quantidade e qualidade, findo o prazo do empréstimo. A título de exemplo, o mútuo pode ser contraído entre um sócio e a empresa, entre empresas do mesmo grupo econômico, ou mesmo o mútuo bancário. Via de regra, o Código Civil não exige forma específica para o contrato de mútuo. Contudo, em que pese ser uma operação comum no dia a dia das empresas, alguns cuidados devem ser tomados, principalmente em se tratando de empréstimo entre empresas que não pertencem a um mesmo grupo. Nestes casos, a formalização da operação contendo os contornos e limites da avença, como por exemplo os valores envolvidos, prazo para devolução, taxa de juros e índice de correção monetária, é fundamental para a segurança jurídica das partes. Recentemente, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recurso (REsp 1902405) interposto por um empresário que moveu ação de cobrança para receber um suposto empréstimo de R$ 430 mil feito por ele a um sindicato esportivo. No entendimento do órgão colegiado, algumas peculiaridades do caso concreto indicaram a caracterização de doação da quantia. É importante consignar que a doação, por expressa disposição do Código Civil (art. 541), exige forma específica: instrumento particular ou escritura pública, à exceção se o objeto for bem móvel e de pequeno valor (art. 541, parágrafo único). No caso específico levado à apreciação do STJ, entendeu-se que a falta de escritura pública ou instrumento particular não descaracterizou a doação, tendo em vista que, o empresário possui um patrimônio bilionário, de forma que o valor transferido pode ser considerado pequeno, atraindo a regra do art. 541, parágrafo único, do Código Civil. O julgado consolidou o entendimento jurisprudencial e doutrinário no sentido de que “para a análise do que seja bem de pequeno valor, deve-se levar em conta o patrimônio do doador” (enunciado nº 622 da VIII Jornada de Direito Civil). Veja, portanto, a importância de se instrumentalizar o mútuo nas operações empresariais, individualizando as partes envolvidas, contendo as especificações do negócio, do vencimento, da forma de pagamento, eventuais garantias, entre outros elementos, sendo essencial o assessoramento jurídico na confecção do instrumento para conferir maior segurança aos envolvidos na negociação. David Roque Dias, associado de Carlos de Souza Advogados, especializado em Direito Civil, Contratos e Assuntos Societários. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2021/09/20/mutuo-empresarial-cuidados-necessarios-antes-da-operacao/
Imaginemos a situação em que Ricardo é pai de Estevão, menor de apenas 03 anos de idade, sendo que todos os meses, Ricardo paga três salários mínimos de pensão alimentícia ao filho, que reside com a mãe da criança, Camila, ex-esposa de Ricardo. A situação perdura há pouco mais de 02 anos, sendo que Ricardo passou a solicitar à Camila que apresentasse de maneira transparente a destinação dos valores que depositava a título de pensão alimentícia. Ante a negativa de Camila em apresentar a prestação de contas, indaga-se: é possível pedir a prestação de contas contra o outro genitor relativo aos valores recebidos a título de pensão alimentícia? O Código Civil dispõe no art. 1.703 que, finda a coabitação dos genitores pela dissolução da sociedade conjugal, os pais continuam com o dever de sustentar os filhos. O pai ou da mãe que não ficar na companhia dos filhos cumprirá esse dever por meio da prestação de alimentos. Noutro lado, o pai ou a mãe que não ficar com a guarda do filho tem o direito-dever de fiscalizar a manutenção e a educação de seu (s) filhos (s), que é o que prevê o art. 1.589 do Código Civil. Percebe-se, portanto, que o pai ou a mãe que não detém a guarda com exclusividade do(s) filho (s) tem poder-dever fiscalizatório com o objetivo de evitar que ocorram abusos e desvios de finalidade no que tange à administração da pensão alimentícia. Para isso, o pai ou a mãe poderá verificar se as despesas e gastos estão sendo realizados para manutenção e educação do (s) filho (s). Este foi o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.911.030-PR (julgado em 01/06/2021) e REsp 1814639-RS (julgado em 26/05/2020). O exercício da fiscalização pode ser efetivado por meio da ação de exigir contas, medida judicial que objetiva a prevenção de intenções de desviar essas importâncias para finalidades totalmente alheias aos interesses do (s) menor (es), o que, se demonstrado, pode ensejar futuro processo para suspensão ou extinção do poder familiar do guardião. Ademais, a ação de exigir contas poderá demonstrar que os valores pagos a título de pensão alimentícia não estão atendendo às necessidades do(s) menor(es), ou seja, está sendo insuficiente frente aos gastos com a prole, podendo culminar até mesmo na revisão dos valores pagos a título de pensão alimentícia, observando-se, contudo, a possibilidade (capacidade financeira) do genitor que não detém a guarda da prole. Logo, o genitor pode propor ação de prestação de contas em face do outro genitor relativamente aos valores decorrentes de pensão alimentícia, registrando, todavia, que tal medida não pode ser adotada senão para atender à finalidade precípua: o exercício do poder-dever fiscalizatório. David Roque Dias, associado de Carlos de Souza Advogados, especializado em Direito Civil, Contratos e Assuntos Societários. Artigo publicado no Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2021/08/23/prestacao-de-contas-de-pensao-alimenticia/
Imaginemos o seguinte caso: Ricardo e Soraya foram casados e tiveram uma filha, chamada Beatriz. Após o divórcio, Ricardo passou a morar no Rio de Janeiro-RJ e Soraya continuou vivendo em Vitória-ES. Assim, os pais da criança passaram a viver em cidades distintas e distantes entre si. Soraya requereu em juízo a guarda unilateral da criança, afirmando que a distância da residência do genitor inviabilizaria a guarda compartilhada, já que não seria possível a divisão equânime das responsabilidades. Por outro lado, Ricardo sustentou que a fixação da guarda compartilhada melhor atenderia aos interesses da filha, sendo que a residência em cidades distintas não impede a fixação de guarda compartilhada, devendo ser estabelecida mesmo sem consenso dos genitores. Pois bem, caso similar foi apreciado pelo Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.878.041-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 25/05/2021), que adotou o entendimento de que ainda que os genitores possuam domicílio em cidades diversas, por si só, não representa óbice à fixação de guarda compartilhada. Para entendermos melhor sobre o assunto, é importante esclarecer que a guarda consiste no dever de prestar assistência educacional, material e moral ao menor. Trata-se do exercício do poder familiar e de responsabilidades, direitos e deveres concernentes à criação da criança ou do adolescente. Apesar de existirem outras espécies de guarda (por exemplo: aninhamento e alternada, modalidades criadas pela doutrina), o Código Civil prevê expressamente as espécies: unilateral (exclusiva) e compartilhada (conjunta), sendo as mais comuns na prática. A guarda unilateral consiste quando um dos pais fica com a guarda e o outro possui apenas o direito de visitas ao filho, bem como o dever de supervisionar os interesses deste, podendo, inclusive, solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seu (s) filho (s). Por sua vez, a guarda compartilhada impõe a divisão de responsabilidades entre os pais e o exercício de direitos e deveres dos pais que não vivam sob o mesmo teto. Nesta espécie, apesar de ambos possuírem a guarda, é recomendável que se defina a base da residência do filho, garantindo-lhe uma referência de lar, rotina e relações da vida, bem como é imprescindível que seja equilibrado o tempo de convivência do filho com ambos genitores. Apesar de similar, a guarda compartilhada não pode ser confundida com a guarda alternada, que ocorre quando os pais se revezam em períodos exclusivos de guarda, ou seja, é aquela na qual durante alguns dias um genitor terá a guarda exclusiva e, em outros períodos, o outro genitor terá a guarda exclusiva. É importante consignar que esta modalidade não é recomendável e é altamente inconveniente, uma vez que pode trazer confusões psicológicas à criança, já que perde seu referencial ao receber tratamentos diversos quando na casa dos genitores. Feitos tais esclarecimentos, calha registrar que não havendo consenso entre os genitores, regra geral é a fixação da guarda compartilhada, salvo quando um dos pais não desejar a guarda do menor ou um destes não estiver apto a exercer o poder familiar. Isso porque, a guarda compartilhada é sem dúvidas a espécie mais benéfica. Voltando os olhos para a situação fática trazida, o fato de Ricardo morar no Rio de Janeiro-RJ e sua filha residir com a genitora em Vitória-ES, por si só, não impede a instituição da guarda compartilhada, permitindo que ambos pais exerçam a autoridade e compartilhem as responsabilidades referente aos filhos mesmo que à distância. Afinal, atualmente, com o avanço tecnológico, por meio de ferramentas digitais é possível o contato virtual instantâneo, favorecendo a comunicação não apenas entre os pais separados como também entre estes e seus filhos. Logo, é plenamente possível que, à distância, os pais compartilhem a responsabilidade sobre o (s) filho (s), participando ativamente das decisões atinentes à vida deste (s), contribuindo diretamente para a formação afetiva e cognitiva da criança. David Roque Dias, associado de Carlos de Souza Advogados, especializado em Direito Civil, Contratos e Assuntos Societários. Artigo publicado no Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2021/07/27/guarda-compartilhada-para-pais-que-moram-em-cidades-diferentes/
Imaginemos o caso envolvendo José e Maria, que foram casados durante 10 (dez) anos e da relação tiveram dois filhos, ambos menores de idade. Durante a vida o casal, com esforço comum, comprou um apartamento, onde a família morava. Após o divórcio e a partilha do imóvel, na proporção de 50% para cada um, Maria foi viver na casa de seu novo companheiro e José ficou morando no apartamento com os filhos. Questiona-se: é possível que Maria exija de José o pagamento de aluguéis? O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que o uso exclusivo do imóvel comum por um dos ex-cônjuges — após o divórcio e ainda que não tenha sido formalizada a partilha — autoriza que aquele privado da utilização do bem possa reivindicar, a título de indenização, a parcela proporcional a sua quota-parte sobre a renda de um aluguel presumido (o que aqui chamaremos de “aluguel”). Contudo, o pagamento de um “aluguel” ao ex-cônjuge nem sempre será obrigatório. Na situação hipotética que trouxemos, muito embora o imóvel pertença a ambos os ex-cônjuges, é também a base de moradia dos filhos menores (cuja guarda está com José). Logo, podemos concluir que tanto José como Maria estão usufruindo do bem imóvel. Afinal, a “indenização proporcional devida pelo uso exclusivo do bem”, ou seja, o “aluguel” por parte de José a Maria está sendo convertido em parcela da prestação de alimentos (sob a forma de habitação) aos filhos, que deve ser somada aos alimentos in pecúnia (em dinheiro) ou in natura (hipótese em que o genitor fornece os próprios bens necessários à sobrevivência do alimentando) a serem pagos pelo ex-cônjuge que não usufrui do bem. Não se pode perder de vista que incumbe a ambos os genitores, de acordo com suas possibilidades, custear as despesas dos filhos menores com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene e transporte. Dever este que não se desfaz com o término do vínculo matrimonial ou da união estável. Uma das características da obrigação de prestar alimentos é a alternatividade, podendo um dos genitores efetuar o pagamento da pensão alimentícia em dinheiro (in pecúnia), quantia suficiente para suprir as necessidades do menor, ou pode corresponder a uma obrigação in natura, como por exemplo uma mãe que paga a escola do filho ou cede um imóvel de sua propriedade para a habitação do filho. Voltando ao caso hipotético, o pagamento de aluguel que em tese seria devido por José a Maria pode ser convertido/compensado como prestação alimentícia aos menores sob a forma de habitação, não configurando a permanência de José no imóvel como um enriquecimento ilícito. Embora hipotético, o caso trazido é similar a uma questão submetida ao Superior Tribunal de Justiça em que fixou-se o entendimento no Recurso Especial n.º 1.699.013-DF, julgado no último dia 04/05/2021, no sentido de que não é obrigatório o arbitramento de aluguel ao ex-cônjuge que reside, após o divórcio, em imóvel de propriedade comum do ex-casal com a filha menor de ambos. David Roque Dias, associado de Carlos de Souza Advogados, especializado em Direito Civil, Contratos e Assuntos Societários. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2021/06/29/ex-conjuge-que-mora-com-o-filho-no-imovel-comum-e-obrigado-a-pagar-alugueis-ao-ex-esposo/
Suponha o seguinte caso: um homem casado mantinha um relacionamento extraconjugal com uma mulher, aqui denominada amante, sem o intuito de constituir uma família e na clandestinidade, sem apresentarem-se ao público como um casal. O homem vem a óbito e a viúva solicita junto ao órgão previdenciário a pensão por morte. Após um certo tempo, a viúva descobre que seu falecido esposo possuía uma amante e que esta estaria pleiteando a pensão por morte. Questiona-se: é possível que a amante também receba a pensão e divida o valor com a viúva? Esta situação foi objeto de análise do Supremo Tribunal Federal no último dia 18/05/2021, que, por maioria, decidiu que a relação extraconjugal havida entre a amante e o falecido (quando ainda em vida) não deve ser protegida pelo Estado (ou seja, não pode ser resguardada pelo ordenamento jurídico pátrio), uma vez que não se trata de uma união estável nem casamento. Segundo os ministros da Suprema Corte, o concubinato “é uma forma ilícita de relação” e, portanto, “não está amparada pela Constituição Federal”. Importante esclarecer que o termo “concubinato” remonta uma época em que a separação não era permitida por lei e as pessoas que não desejavam mais viver no casamento passavam a se relacionar de maneira “ilegal”, sem ser casado no papel, e tal relação era conhecida por concubinato. Dessa forma o Supremo Tribunal Federal reafirmou o entendimento adotado anteriormente (RE 1.045.273/SE), em 14/12/2020, quando decidiu não ser possível o reconhecimento de duas uniões estáveis simultâneas para rateio de pensão. À época, inclusive, tivemos a oportunidade de tecer breves comentários sobre a decisão que deixou claro que com a preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1.723, §1º do Código Civil, resta impedido o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins previdenciários. Novamente consagrou-se o dever de fidelidade, lealdade, respeito mútuo e da monogamia enraizados no ordenamento jurídico-constitucional brasileiro. David Roque Dias, associado de Carlos de Souza Advogados, especializado em Direito Civil, Contratos e Assuntos Societários. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2021/06/01/amante-tem-direito-a-divisao-da-pensao-por-morte-com-viuva-o/
Imagine a situação em que um proprietário de um imóvel urbano loca o bem para uma empresa que irá estabelecer naquele local uma creche. Durante anos a empresa manteve suas atividades e, quando da devolução do imóvel, o proprietário verifica que o bem estava em condições totalmente precárias, diferentemente das condições que deixou para a empresa no início do contrato. O proprietário, além de custear as obras de reparação, ficou incríveis meses sem que pudesse utilizar o imóvel ou mesmo locá-lo novamente. Indaga-se: pode o dono do imóvel exigir da empresa (ex locatária) a reparação dos prejuízos que sofreu, bem como o pagamento de indenização pelo período em que o imóvel permaneceu indisponível? Antes de responder à indagação, é importante lembrar que nos contratos de locação o locatário tem o dever de usar e gozar do bem de forma regular, tratando-o como se fosse seu. Finda a locação, o locatário tem a obrigação de restituir o bem ao locador no estado em que o recebeu, ressalvadas as deteriorações decorrentes do seu uso normal. Assim disciplinam o art. 569 do Código Civil e o art. 23 da Lei nº 8.245/91 (conhecida como Lei do Inquilinato). Retornando-se para a indagação feita anteriormente, a resposta é sim. Além do desembolso de valores para reforma do imóvel, o proprietário também poderá exigir da empresa o pagamento de indenização por lucros cessantes equivalente aos meses em que não pode alugar o imóvel ou mesmo utilizá-lo. Embora descrita como uma situação hipotética, em um caso real e similar, o Superior Tribunal de Justiça decidiu (STJ. 3ª Turma. REsp 1.919.208/MA, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/04/2021) que em caso de uma deterioração anormal do bem, a responsabilidade disso é do locatário, restando ao locador o direito de exigir indenização por perdas e danos, ou seja, aquilo que efetivamente perdeu/desembolsou imediatamente (desfalque imediato do patrimônio) para a reforma do imóvel, como também aquilo que deixou de ganhar pelo período em que o imóvel esteve indisponível (perda patrimonial futura). Para concluirmos, é importante lembrar que as relações locatícias devem sempre ser norteadas pela boa-fé, lealdade e transparência. Quando tais princípios basilares são violados, assim como existem afronta às disposições do contrato de locação, deve o locador estar atento em fiscalizar o fiel cumprimento do contrato, exigindo do locatário a observância aos ditames previstos no acordo, se valendo, para isto, de medidas extrajudiciais e até mesmo judiciais com vistas à preservação de seu bem. David Roque Dias, associado de Carlos de Souza Advogados, especializado em Direito Civil, Contratos e Assuntos Societários. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2021/05/25/e-possivel-obter-indenizacao-por-imovel-alugado-apos-devolucao-pelo-locatario-em-condicoes-precarias/
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, no último dia 20/04/2021, que um condomínio situado em Porto Alegre pode proibir o proprietário de um apartamento de fazer locações do imóvel por meio do aplicativo AIBNB (plataforma largamente utilizada para locações por temporada e breves períodos de estadia). A decisão proferida pelo STJ se baseou em um caso com muitas particularidades, pois o locador dividiu o apartamento transformando-o numa verdadeira hospedagem, atividade comercial similar à de um albergue. No caso concreto levado à apreciação judicial, a convenção condominial previa expressamente que o uso das unidades deveria ser exclusivamente residencial. Por isso, na visão do condomínio, as locações por AIRBNB no episódio específico em questão, geraram o desvirtuamento da finalidade residencial, levando-o a mover ação judicial contra o proprietário do imóvel (locador). É importante destacar que o STJ não proibiu indistintamente a oferta e uso de serviços por plataformas como o AIRBNB por proprietários de imóveis em condomínios edifícios residenciais. O que ficou decidido, no caso concreto, é a possibilidade de o condomínio proibir a utilização do imóvel como uma hospedagem, em vez de uma residência. No juízo dos ministros do STJ, dentre as características da hospedagem estão: a alta rotatividade no local e a oferta de serviços, que trazem perturbação à rotina do espaço residencial e insegurança aos condôminos. Dessa forma, construiu-se o entendimento de que é possível a extensão dos poderes da convenção condominial diante do exercício do direito de propriedade. Não se pode deixar de mencionar que a decisão vale somente para o caso concreto levado à apreciação do STJ, mas poderá servir de base para outras decisões judiciais em casos análogos, bem como para que os condomínios residenciais utilizem da assembleia condominial para decidir conforme a vontade da maioria dos condôminos. Aspectos como potencial turístico da cidade, limitação de ocupantes e outros, singulares e específicos, devem ser analisados no momento da decisão. Sem dúvidas, o julgado abriu caminho para inúmeras discussões e regulamentações legais. David Roque Dias, associado de Carlos de Souza Advogados, especializado em Direito Civil, Contratos e Assuntos Societários.
No dia 18/03/2021 entrou em vigor o Decreto Estadual n.º 4838-R, que dispõe sobre as medidas extraordinárias para o enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do novo coronavírus (COVID-19), pelo prazo de 14 (quatorze) dias, em todos os municípios do Estado do Espírito Santo. Dentre outras disposições, o referido Decreto estabeleceu um rol apontando os serviços e atividades essenciais, aqueles que atendem às necessidades inadiáveis da comunidade. Estão inseridos nestas atividades a “produção, distribuição, comercialização e entrega realizadas presencialmente ou por meio eletrônico de produtos de saúde, higiene e gêneros alimentícios, incluindo atividade agropecuária, farmácias, comércio atacadista, hipermercados, supermercados, minimercados, hortifrútis, padarias e lojas de produtos alimentícios” (vide art.2º, VI, do Decreto n.º 4838). Em edição extra do Diário Oficial do Espírito Santo publicada no dia 20/03/2021, o Decreto n.º 4838 sofreu modificações, sendo destaque a proibição da venda de produtos considerados não essenciais. De acordo com o referido regramento, um hipermercado, por exemplo está proibido de vender “eletrodomésticos, eletrônicos, equipamentos de informática, ferramentas, vestuário e acessórios, calçados, artigos de cama, itens de decoração e equivalentes”. Ainda segundo a norma, tais produtos classificados como “não essenciais” deverão ser “retirados dos mostruários ou segregados dos demais produtos vendidos com o uso de fitas ou outros mecanismos de separação”. Pois bem, analisando a modificação levada a efeito no último dia 20/03/2021, observa-se que de um lado a medida foi “justa” para com os empresários que trabalham no comércio de produtos “não essenciais” e foram obrigados a suspender suas atividades, na medida em que poderão atender a demanda outrora reprimida a partir do momento em que houver a retomada das atividades. Por outro lado, privou-se a liberdade dos consumidores de terem acesso a produtos que verdadeiramente são essenciais, sobretudo em tempos de quarentena. Afinal, a aquisição de um eletrônico ou um equipamento de informática, por exemplo, para aprimorar o trabalho em casa ou as aulas virtuais passou a ser uma necessidade corriqueira e, por vezes, inadiável, uma vez que a disponibilidade e acesso a tais ferramentas passou a ser um requisito para o exercício da atividade profissional e acadêmica. Em verdade, resumir num rol taxativo as atividades tidas como essenciais é uma tarefa difícil, pois, toda atividade empresarial exerce sua função social, cada uma representando um importante papel à coletividade. Contudo, em período de grave crise sanitária, restrições devem ser impostas primando um bem maior: a vida.
Jornal Online Folha Vitória link: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2021/03/23/proibicao-da-venda-de-produtos-nao-essenciais/ Artigo do advogado David Roque Dias.

