O Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN), por meio da resolução nº 909, de 28 de março do ano de 2022, consolidou e autorizou a fiscalização de trânsito por intermédio de videomonitoramento como prova para punição de condutores que descumprem as leis nacionais de trânsito, conforme competência que lhe foi atribuída pelo Código de Trânsito Brasileiro, em incisos I, VII e XI do artigo 12 e o § 2º do artigo 280. Inicialmente, destaca-se que o CONTRAN é o órgão máximo normativo e consultivo do Sistema Nacional de Trânsito, com o objetivo de elaborar diretrizes da Política Nacional de Trânsito e coordenar todos os órgãos do Sistema Nacional de Trânsito. Passado isso, cumpre trazer à memória que o assunto do presente texto já é tratativa antiga, tanto no Código de Trânsito Brasileiro, quanto em demais resoluções do CONTRAN. Em resumo, em 2013, o respectivo Órgão, no uso de suas atribuições, regulamentou, através da Resolução nº 471/2013, a fiscalização de trânsito por intermédio de videomonitoramento em estradas e rodovias, como meio de prova de infrações. Após isso, no ano de 2015, o Órgão supracitado, através da Resolução nº 532, incluiu a fiscalização por videomonitoramento também nas vias urbanas. Assim, embora a resolução nº 909 seja recente, o assunto não pode ser tratado como inovação no Código de Trânsito Brasileiro, devendo a respectiva resolução ser tratada como uma forma de consolidar todas as normas vigentes sobre o referido assunto em uma só. Com relação ao assunto central do presente artigo, é de se dizer que com a nova Resolução do CONTRAN, se faz possível a autuação de infratores de forma remota. Ou seja, além das câmeras e radares usados com o intuito de registrar infrações, os órgãos de trânsito terão mais um dispositivo para captar o descumprimento do que determina o Código de Trânsito Brasileiro, sendo essa ferramenta ainda mais aprimorada e efetiva. Entretanto, existem requisitos para que a “nova” fiscalização seja realizada nos parâmetros que a Lei determina, estando presentes no parágrafo único do artigo 2º e artigo 3º, ambos da resolução nº 909 do CONTRAN. Com relação aos requisitos, a autoridade ou o agente da autoridade de trânsito, responsável pela lavratura do auto de infração, deverá informar no campo “observação” a forma com que foi constatado o cometimento da infração. Em complementação, a fiscalização de trânsito mediante sistema de videomonitoramento somente poderá ser realizada nas vias que estejam devidamente sinalizadas para esse fim. Ou seja, desde que cumpridos os requisitos para tal ferramenta, os agentes responsáveis pela fiscalização de trânsito poderão aplicar as sanções cabíveis a todo momento, visto que o videomonitoramento pode ser feito 24 horas por dia, 7 dias por semana, causando então, maior segurança a todos que utilizam os serviços (pedestres, ciclistas, motoristas), responsabilidade e prudência aos condutores, posto estarem “vigiados” em tempo integral. Samuel Lourenço Kao Yien, associado de Carlos de Souza Advogados, atua na área de Direito Criminal. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/04/20/autorizacao-da-aplicacao-de-multas-atraves-de-monitoramento-por-video/
Definido por lei como o ato de matar alguém, o homicídio diz-se como doloso quando o agente mata com a intenção real de causar o resultado; já o homicídio culposo, é aquele em que não há intenção de matar, mas a morte se causa por imprudência, negligência ou imperícia. Ao longo de muitos anos, uma morte causada num acidente de trânsito sempre foi tratada como homicídio culposo, uma vez que, acreditava-se piamente, o condutor responsável pelo sinistro com morte não teve a vontade de matar ninguém, podendo, no máximo, ser caracterizado um ato de imprudência ou negligência ou, em certos fatos envolvendo motorista profissional, de imperícia. A diferença da pena é gritante: no homicídio doloso, a pena vai de seis a vinte anos de prisão, enquanto no culposo fica no intervalo de um a três anos de cadeia, podendo ir a quatro por acidente de trânsito. Implica dizer, portanto, que em regra o homicida culposo não é preso de fato, já que uma condenação menor do que quatro anos não leva ninguém para trás das grades. Com o passar do tempo, a jurisprudência e a doutrina foram construindo o conceito do dolo eventual, tomando como base a parte final do artigo 18 do Código Penal, que inclui no crime doloso o agente assumir o risco de produzir o resultado. Finalmente, em 2017 o Código de Trânsito inovou ao dispor que, quando o agente conduz veículo automotor sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência, o resultado morte terá uma pena de cinco a oito anos, além da suspensão ou proibição do direito de dirigir. A nova modalidade de crime, sob o título de homicídio com dolo eventual, consiste na hipótese em que o agente, mesmo não tendo a intenção deliberada de causar o resultado morte, assumiu o risco de produzir o homicídio ao dirigir sob efeito de substâncias que alucinam ou diminuem a capacidade de condução segura de um veículo automotor. Esse aumento da pena foi um alento para as famílias vitimadas, mas ainda está distante do objetivo de reprimir atos tão graves como uma morte causada pela irresponsabilidade e insensibilidade de alguém que dirige embriagado ou sob efeito de outras drogas, especialmente porque, não raramente, os processos criminais duram anos e há uma sensação, não totalmente errada por parte das famílias atingidas, de que o horror criminoso ficou impune e a sociedade continuará sob a ameaça do condutor que afrontou princípios básicos de convivência social. Uma outra questão que sempre surge quando casos assim acontecem: o criminoso terá o direito de responder ao processo em liberdade? Mesmo preso em flagrante e com sinais claros de embriaguez mesmo caso se recuse a fazer o teste do bafômetro, bastará ao infrator pagar uma pequena fiança e ir para casa? De fato, quando há uma prisão em flagrante, logo depois de ser detido, o mais comum é o agente pagar uma ligeira fiança e ir embora, podendo responder ao processo em liberdade. Geralmente assim acontece nos casos em que o atropelador não tenha antecedentes correlatos ao evento e se comprometa a comparecer às audiências e demais atos do processo. Em recente julgamento, o Superior Tribunal de Justiça – STJ decidiu que um motorista alcoolizado, conduzindo veículo automotor na contramão e em alta velocidade, e que provocou colisão de trânsito que resultou na morte de duas pessoas e em lesões corporais a uma terceira, tem o direito de responder ao processo em liberdade, devendo a Justiça aplicar outra medidas cautelares diversas da prisão diante do que foi decretada a sua prisão preventiva, a qual veio a ser substituída por medidas cautelares diversas da custódia preventiva, como por exemplo: comparecimento periódico em juízo; suspensão ou proibição do direito de dirigir; proibição de acesso ou frequência a determinados lugares; proibição de ausentar-se da Comarca sem informar à Justiça; recolhimento domiciliar no período noturno; fiança; etc. (RHC 111220 SE 2019/0103871-9) O que se percebe é que a sociedade ainda não está totalmente segura com a solução legislativa, sendo pertinente o Congresso Nacional revisitar o assunto e buscar medidas mais eficazes para os casos concretos. Sérgio Carlos de Souza, fundador e sócio de Carlos de Souza Advogados, autor dos livros “101 Respostas Sobre Direito Ambiental” e “Guia Jurídico de Marketing Multinível”, especializado em Direito Empresarial, Recuperação de Empresas e Ambiental. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/04/19/o-direito-em-caso-de-morte-por-embriaguez-ao-volante/
Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra (art. 538 do CC). A partir daí algumas dúvidas surgem sobre este tipo de contrato: qual o limite da disposição de meu patrimônio, ou, em outras palavras, o que e quanto eu posso doar? Pois bem, de acordo com o Código Civil (artigos 548 e 549), é nula a doação de todos os bens sem reserva de parcela necessária à sobrevivência de quem doa (também chamada de doação universal), bem como é nula quanto à parte que exceder o limite de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento (doação inoficiosa). Noutras palavras, não se pode dispor da integralidade dos bens para fins de doação, visando não comprometer a sobrevivência do doador, e, também, não se pode dispor dos bens de modo a violar a legítima dos herdeiros necessários. A pessoa que tenha herdeiros necessários só pode doar até o limite máximo da metade de seu patrimônio, considerando que a outra metade é a chamada “legítima” (art. 1.846 do CC) e pertence aos herdeiros necessários (descendentes, ascendentes, cônjuge e companheiro (a), conforme disposto no artigo 1.845 e entendimento adotado pelo STF na Repercussão Geral – Tema 809). E se um herdeiro necessário for contemplado com um bem imóvel que extrapola o limite de disposição patrimonial? A título de exemplo, André e Joana são irmãos, filhos de João que possui um patrimônio de R$ 100.000,00. João resolve doar um imóvel avaliado em R$ 70.000,00 para Joana, sendo que André participou da elaboração da escritura de doação na condição de interveniente. Neste caso, a doação foi inoficiosa, visto que atingiu a parte indisponível do patrimônio do doador, ferindo a legítima de André. Portanto, é nula a doação, mesmo que André tenha anuído. Qual a ferramenta jurídica que André poderá utilizar, posteriormente, para declarar a nulidade da doação que prejudicou a sua legítima? André poderá se valer da ação anulatória de doação inoficiosa, devendo exercer seu direito de ação no prazo prescricional de 10 (dez) anos. Por outro lado, se João doa para Joana um bem no valor de R$ 10.000,00, portanto, respeitando a legítima de André, nesta hipótese teríamos uma antecipação de herança, salvo se João dissesse o contrário no instrumento de doação (vide artigo 2.006 do Código Civil). De qualquer modo, em havendo o falecimento de João, aberta será a sucessão e os bens que formam o acervo patrimonial do falecido deverão ser objeto de inventário. Nesta oportunidade, o(s) bem(ns) recebido(s) em doação por um do(s) herdeiro(s) legítimo(s) deverá ser colacionado para igualar as legítimas, de modo que “um não receba mais que o outro”. E se a doação for inoficiosa e André não tiver exercido seu direito de ação no prazo legal? Aqui, a parte inoficiosa não será objeto da colação, mas de restituição ao patrimônio do doador falecido, pois houve nulidade nesta parte da liberalidade (art. 549 CC), que faz retornar o excesso ilegal ao patrimônio do então doador. Portanto, vimos em poucas linhas que são inúmeras as repercussões da doação de bens, que devem atender às formalidades previstas em lei, sob pena de invalidar o negócio jurídico. Nestes casos, é fundamental a orientação e participação de um advogado especialista não apenas para a elaboração do instrumento de doação, como também de um planejamento sucessório, importantíssimo instrumento preventivo que se utiliza de estratégias voltadas para a transferência eficaz e eficiente do patrimônio. David Roque Dias, associado de Carlos de Souza Advogados, especializado em Direito Civil, Contratos e Assuntos Societários. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/04/18/repercussoes-da-doacao-de-bem-ns-inoficiosa/
Pedir a desistência de um processo é direito previsto em lei, algo que para muitos pode até não ser novidade. É possível afirmar, categoricamente, que este direito pode ser exercitado a qualquer tempo por aquele que pediu uma recuperação judicial? Antes de responder a esta pergunta, precisamos buscar entender o que levaria a empresa recuperanda requerer a desistência, já que teria sido necessário elaborar estudo concreto capaz de identificar as causas da insolvência, reunir vários documentos, contratar o advogado de confiança, e o principal, apresentar o plano de soerguimento propriamente dito. Empreender ajustes extrajudiciais com os credores em relação aos créditos em discussão no processo de recuperação judicial pode ser o motivo para tal desistência, ou, ainda, o fato de a empresa ter conseguido obter, a exemplo do empréstimo bancário, o dinheiro que lhe permitirá pagar a dívida sem maiores riscos. Feito este adendo elucidativo, precisamos dizer que sim, é possível realizar o pedido de desistência do processo de recuperação judicial. Tal pedido deve ser formal, através do advogado habilitado no caso, e deverá conter os esclarecimentos ao juiz a seu respeito, porque por vezes processos desta natureza decorrem de complicados e milionários endividamentos. Contudo, este pedido tem de ser feito no tempo adequado. A lei brasileira diz que se o devedor entrar com o pedido de recuperação judicial perante o Poder Judiciário, poderá pedir a desistência desde que o juiz não o tenha deferido. Por deferimento do pedido, deve-se entender a decisão que atesta a sua regularidade, ocasião em que, dentre outras coisas, ocorre a suspensão das ações e execuções contra o devedor, é nomeado Administrador Judicial, ouvido o Ministério Público e é expedido edital para cientificar os credores. Então, se o pedido de desistência foi feito antes do deferimento do pedido de recuperação judicial, o juiz o homologará e o processo deixará de existir. Entretanto, feito o pedido de desistência depois do deferimento da recuperação judicial, a sua aceitação ficará condicionada à vontade da maioria dos credores que deverão votar o pedido em Assembleia Geral de Credores a ser designada para esta finalidade. Sem aprovação pelos credores, o pedido de desistência é indeferido, e o processo de recuperação deverá seguir, tendo o devedor toda a responsabilidade legal pelo seu bom andamento, sob pena até mesmo de ser decretada sua falência. A opção do legislador de regular isso de forma expressa na norma – artigos 52, § 4º, 35, I, “d”, da Lei nº 11.101/2005 – visou trazer mais seriedade ao sistema falimentar brasileiro, corrigindo impropriedades de legislações passadas. Desse modo, é extremamente importante ao empreendedor não só ter o direito de pedir a recuperação judicial para poder “dar a volta por cima” e superar a crise econômico-financeira em que se metera, outrossim, saber como e quando poderá desistir sem maiores complicações. Raphael Wilson Loureiro Stein é Associado do Escritório desde abril de 2019 e atua nas áreas: Contencioso Civil, Comercial e Recuperação de Empresas e Falência. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/04/13/e-possivel-desistir-do-processo-de-recuperacao-judicial/
Os aplicativos, ou somente “apps”, invadiram a vida dos brasileiros. Finanças, redes sociais, comunicação, viagens, ginástica, saúde, lazer, jogos, compras, quase tudo é possível ser feito a partir de um aplicativo baixado num celular ou tablet. Com a mudança no consumo, na maneira como as pessoas fazem negócios e, de certa forma, vivem, cada vez mais de forma eletrônica, o crime não poderia deixar de avançar para os aplicativos. São fraudes cada vez mais sofisticadas e que deixam os usuários completamente expostos a perderem dinheiro e amargarem prejuízos. A questão que surge, portanto, é: quem responde por fraudes em aplicativos? Será que o usuário tem que sofrer todos os prejuízos que experimentar por conta de fraudes em aplicativos que utiliza, nas ocasiões em que criminosos surrupiam os seus dados pessoais e financeiros e aplicam golpes que, não raramente, exterminam economias, valores e até levam as pessoas a ficarem com dívidas elevadas? Naturalmente cada caso precisa ser analisado à luz de todas as suas particularidades e nuances. Contudo, o que a Justiça tem entendido, em grande parte dos processos, é que, ao disponibilizar um aplicativo que coleta dados financeiros ou custodia valores, a empresa deve garantir a segurança das operações realizadas em tal plataforma, sendo responsável, portanto, por eventuais falhas e invasões. As fraudes ocorrem, em sua grande maioria, por invasões executadas pelos chamados “hackers” do submundo da tecnologia, que, mesmo com travas de segurança implantadas pelas empresas donas dos aplicativos, conseguem ultrapassar as barreiras, entrar na privacidade patrimonial do usuário e roubar dados, dinheiro e utilizar como bem quiser. Outro tipo de fraude acontece quando um celular é furtado ou roubado, não sendo difícil um bandido conseguir burlar senhas e acessar os aplicativos existentes no dispositivo. Tem sido muito comum as pessoas receberem links através de mensagens por SMS e WhatsApp. Outro golpe também usual é o criminoso enviar mensagens se passando pela pessoa vitimada e pedindo dinheiro para os seus contatos. Em quaisquer hipóteses, a defesa das empresas donas dos “apps” se sustenta no fato de que o usuário não tomou os devidos cuidados ao guardar os seus dados e dispositivos, ou até mesmo quando clicou em um link desconhecido e permitiu a invasão. A defesa dos empresários não é desarrazoada. Há sentido e bom senso em parte do que afirmam as empresas, que também não podem ficar inteiramente à mercê do crime eletrônico cada vez mais aperfeiçoado. Entretanto, a Justiça tem pendido muito para o lado mais fraco, o do usuário. Segundo a posição de diversas decisões judiciais, cabe sempre à empresa dona do aplicativo a obrigação de comprovar que a causa da fraude foi algum tipo de descuido do usuário, e não a ausência de segurança na tecnologia do aplicativo. Qual a importância da questão do ônus da prova em toda essa discussão? Valendo o entendimento de juízes como exposto no parágrafo anterior, a empresa, e não o usuário, é que terá o dever de demonstrar que a culpa pelo ocorrido foi uma falha do próprio cliente, e não da segurança do aplicativo. Empresas de e-commerce também têm sido condenadas com base no entendimento de que os sistemas de utilização e de pagamentos digitais devem propiciar segurança. E, dentro dessa expectativa, devem também ser capazes de evitar fraudes e golpes. Se a empresa não conseguir demonstrar a culpa do usuário, poderá atrair para si o risco de arcar com todos os prejuízos das fraudes executadas em desfavor do cliente, já que, de fato, o que existe é uma relação de consumo sujeita ao Código de Defesa do Consumidor, que remete ao cliente a situação de lado mais fraco. As fraudes eletrônicas são um preço que está sendo pago pela modernidade. Vale a pena pagar? Acredito fortemente que sim, já que, sem os aplicativos e a vida eletrônica, muitos dos benefícios hoje alcançados não estariam disponíveis. Sérgio Carlos de Souza, fundador e sócio de Carlos de Souza Advogados, autor dos livros “101 Respostas Sobre Direito Ambiental” e “Guia Jurídico de Marketing Multinível”, especializado em Direito Empresarial, Recuperação de Empresas e Ambiental. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/04/12/indenizacao-por-fraude-em-aplicativos/
Está em julgamento a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2446, em que a Confederação Nacional do Comércio – CNC questiona a inconstitucionalidade da norma antielisão contida no artigo 1 da Lei Complementar (LC) 104/2001, que incluiu o parágrafo único ao artigo 116 do Código Tributário Nacional. Trata-se do dispositivo legal que permite ao Fisco desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária. A norma foi instituída com o objetivo de combater o planejamento tributário praticado com abuso de forma ou de direito, conforme consta da exposição de motivos da LC 104/2001. Merece destaque o entendimento da Ministra Carmen Lúcia, relatora da ADI, no sentido de que a desconsideração autorizada pelo dispositivo está limitada aos atos ou negócios jurídicos praticados com intenção de dissimulação ou ocultação do fato gerador da obrigação tributária. Ou seja, privilegia-se a manutenção do planejamento tributário lícito, feito nos limites da lei. O contribuinte não está impedido de buscar a melhor forma de economia tributária, de fazer o melhor arranjo que lhe permita pagar menos tributos. Inclusive, a Relatora afirmou em seu voto que “a norma não proíbe o contribuinte de buscar, pelas vias legítimas e comportamentos coerentes com a ordem jurídica, economia fiscal, realizando suas atividades de forma menos onerosa, e, assim, deixando de pagar tributos quando não configurado fato gerador cuja ocorrência tenha sido licitamente evitada”. O que poderá macular o planejamento tributário é a omissão do pagamento do tributo devido através de práticas que tenho o objetivo de ocultar o fato gerador. Na realidade, aconselha-se que os contribuintes revejam seus procedimentos internos, seu modelo de negócios, criticamente para buscarem melhores oportunidades de economia tributária. Mariana Martins Barros é advogada tributária, sócia coordenadora da área tributária do Escritório Carlos de Souza Advogados e membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/ES. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/04/08/a-norma-antielisao-e-o-julgamento-do-stf/
Em agosto do ano de 2006 foi sancionada a Lei nº 11.340, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha. O objetivo da criação de tal norma foi a tentativa de coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, bem como a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. De forma histórica, existem diversas formas de violência contra a mulher, as quais podem ser encontradas e definidas no artigo 7º da referida Lei, quais sejam: violência física, que se resume em qualquer prática que ofenda a sua integridade física ou saúde; violência psicológica, que são práticas que causem dados emocionais; violência sexual, consistente em formas de constrangimento a presenciar, manter ou a participar de relação sexual de forma não desejada; violência patrimonial, que se resume em atos que impeçam o uso de seus bens, direitos e recursos financeiros, bens ou documentos pessoais ou de trabalho; violência moral, que abrange calúnia, difamação ou injúria. Ainda de forma acessória, se faz necessário demonstrar, para entendimento do assunto central do presente artigo, mesmo que bem resumidamente, a existência e o respectivo conceito de diferentes ações penais, sendo elas: ação penal pública incondicionada, quando o Ministério Público, ao tomar conhecimento do acontecimento de um crime, deve denuncia-lo; ação penal pública condicionada à representação, ocasião em que o Ministério Público somente poderá denunciar caso a vítima ou seu representante legal demonstre seu interesse; ação penal privada, cabível se a própria vítima do crime deve iniciar o processo, através da queixa-crime. Salienta-se que nem todos os crimes que envolvem violência doméstica e familiar contra a mulher são de ação penal pública incondicionada, ao contrário ao que muitos acreditam. Passados os assuntos acessórios, chega-se ao ponto alvo do presente artigo, qual seja, se é possível que a queixa-crime ou denúncia podem ser retiradas pela vítima em caso de desistência. Em outras palavras, se é possível que haja a desistência pela vítima do processo de violência doméstica (Maria da Penha), na hipótese de a mulher se arrepender de ter exposto o fato ocorrido. Por mais estranho que seja, o fato é que é comum uma mulher ser vítima de violência doméstica, denunciar e, mais adiante, “se arrepender da denúncia” por não querer ver o pai de um filho ou o marido / companheiro ser processado e preso. Voltando à pergunta: é possível a mulher desistir da denúncia? A resposta para tal questionamento é que depende, mas de quê? Depende de qual é o crime, ou seja, qual procedimento cabível e enquadrado pelo tipo penal, bem como quando deseja se retratar. O que determina isso é o artigo 16 da Lei Maria da Penha, que preceitua que só será admitida a renúncia ao processo, ou seja, a desistência de seguir com o processo se a ação for penal pública condicionada à representação. Ademais, outro requisito para que haja a renúncia é a ocorrência de uma audiência para tanto, antes do recebimento da denúncia e ouvido o representante do Ministério Público. Como exemplo de crimes que possibilitam a desistência posterior por parte da vítima, ou seja, crimes que permitem a renúncia do processo por parte da vítima: crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria) e ameaça. Em contrapartida, todos os crimes de lesão corporal, mesmo que leve, dentro do âmbito de violência doméstica, serão considerados ação pública incondicionada, ou seja, haverá o processamento do acusado mesmo se a vítima não desejar, conforme pacificada jurisprudência nacional. Samuel Lourenço Kao Yien, associado de Carlos de Souza Advogados, atua na área de Direito Criminal. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/04/06/desistencia-da-mulher-no-processo-de-violencia-domestica/
Em tempos difíceis é preciso estabelecer prioridades. Na vida empresarial a maior prioridade é a imagem, o grande patrimônio de qualquer negócio. A imagem engloba a marca, mas vai muito além dela. É o que se traduz da expressão brand equity: “O Brand Equity é portanto um valor que influencia na forma como o consumidor pensa, sente e age em relação à marca, assim como nos preços, na parcela de mercado e na lucratividade proporcionada pela marca à empresa. O Brand Equity representa um importante ativo intangível que corresponde a um valor psicológico e financeiro da organização. Por que intangível? O Brand Equity é considerado intangível pois não aparece de forma objetiva no balanço da empresa, o que não significa que não possa ser estimado ou mensurado.” (M. Figueira, The Wyse Group). Uma organização, pequena ou grande, está baseada primordialmente naquilo que é o seu objetivo. Se for uma empresa varejista, a sua base é entregar os produtos aos consumidores; numa entidade sindical, o fundamento é defender a respectiva classe; sendo uma associação, estará firmada no que os associados idealizaram como a razão da sua existência. No setor público e na política é a mesma coisa. Qualquer organização gira em torno de um patrimônio, material e imaterial. Por patrimônio material tem-se uma vastidão de coisas: instalações, equipamentos, estoque, contas a receber, investimentos etc. O patrimônio imaterial envolve imagem, marca, participação de mercado, potencial futuro etc. Ambos têm o seu peso nos negócios e nas corporações, e precisam ser preservados. Mas há de se registrar que, ao passo em que um patrimônio material danificado pode ser recuperado de diversas maneiras e, dependendo da situação, até rapidamente, o imaterial, ao sofrer um revés, talvez seja irrecuperável; ou, tendo recuperação, normalmente é de longo curso e profunda dor. Num mês a empresa tem prejuízo. Mas medidas podem ser adotadas e o resultado ser mudado no próximo exercício mensal. Ou no trimestre ou ano seguinte. Isto faz parte do negócio, de certa forma é cíclico. Com o patrimônio imaterial não é exatamente assim. Uma imagem desconstruída pode se atolar nos escombros e nunca mais voltar. Exatamente por isto há de se dar atenção especial à preservação do patrimônio imaterial, e mais ainda à imagem corporativa. A contabilidade da empresa está disponível para poucas pessoas. Já a imagem está exposta para qualquer um: consumidores, concorrentes, autoridades, empregados, qualquer um pode fazer a sua particular avaliação e julgamento de uma imagem corporativa. Num cenário sombrio o julgamento negativo pode ser transformado em rumores. Quando os rumores entram nas redes sociais a multiplicação do impacto se torna incalculável. Vamos a exemplos: 1 – Uma empresa se vê às voltas com um sem número de demandas na Justiça do Trabalho. Isto pode afetar a imagem do negócio? Claro, e muito! Há solução para minimizar os danos? Sim, e deve ser utilizada. Não há, obviamente, fórmula mágica para que, do dia para a noite, esse número excessivo de demandas simplesmente desapareça. Entretanto, a aparência do que está por trás do possível caos pode ser moldada visando reparar e prevenir os prejuízos. 2 – Dificuldades de caixa: em particular nos tempos de crise, tem sido frequente o número de empresas assoladas pelo fluxo negativo de caixa. Como consequência, começam a ocorrer atrasos de pagamentos. Bancos, Fisco, fornecedores de produtos e serviços, toda essa massa começa a ver a corporação de maneira desconfiada. Onde vai dar isto? Falência, recuperação judicial, golpe? Os comentários devastadores vão tomando marcha. 3 – Problemas com clientes: descumprimento de prazos, produtos e serviços defeituosos, falhas nas entregas, atendimento pós-venda lento e não resolutivo. Problemas operacionais? Sim, mas com alcance meteórico em desfavor da imagem corporativa. É possível que as respostas operacionais não sejam rápidas, até por conta de fatores terceiros; mas a resposta de imagem precisa ser imediata. Há de se gerir a crise! 4 – A empresa é sabotada internamente, por um empregado ou até em meio a disputas societárias ou familiares. Não há como deixar a imagem à míngua. O brand equity, ou equilíbrio da marca, ou simplesmente imagem há de ser preservado através de diversas ações de reparo e prevenção. Road shows, presenciais, documentais e eletrônicos,devem ser realizados junto aos formadores de opinião e a todos os que, de uma forma ou outra, poderão influenciar positiva ou negativamente a (des) construção da imagem. Contra-ataques precisam ser minuciosamente planejados; observando a legalidade e cercado dos melhores profissionais (advogados, marqueteiros etc.), mas definitivamente de maneira firme e ousada. Sérgio Carlos de Souza, fundador e sócio de Carlos de Souza Advogados, autor dos livros “101 Respostas Sobre Direito Ambiental” e “Guia Jurídico de Marketing Multinível”, especializado em Direito Empresarial, Recuperação de Empresas e Ambiental. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/04/05/cuidado-com-a-imagem-da-sua-empresa-2/
Em decisão proferida no último dia 31 de março, na ADPF 828[1] (arguição de descumprimento de preceito fundamental) com vistas à proteção do direito constitucional à moradia e à saúde de pessoas vulneráveis, especificamente no contexto da pandemia da Covid-19, o Ministro Luiz Barroso determinou, mais uma vez, o prolongamento dos efeitos da Lei nº 14.216/2021, sendo que desta vez impôs sua prorrogação até 30 de junho de 2022. O Ministro manteve a extensão da suspensão temporária de desocupações e despejos para as áreas rurais, de acordo com os critérios previstos na Lei nº 14.216/2021, até o prazo de 30 de junho de 2022; formulou “apelo” ao legislador, a fim de que delibere sobre meios que possam minimizar os impactos habitacionais e humanitários eventualmente decorrentes de reintegrações de posse após esgotado o prazo de prorrogação concedido; e, por derradeiro, concedeu parcialmente a medida cautelar, a fim de que os direitos assegurados em tal norma, para as áreas urbanas e rurais, sigam vigentes até 30 de junho de 2022. Rememora-se que, dentre outras determinações, a lei sob trato suspendeu até 31 de dezembro de 2021 o cumprimento de medida judicial, extrajudicial ou administrativa que resulte em desocupação ou remoção forçada coletiva em imóvel privado ou público, exclusivamente urbano, e a concessão de liminar em ação de despejo de que trata a Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991 (conhecida como Lei do Inquilinato). Observa-se, adicionalmente, que a aplicação está adstrita aos contratos cujo valor mensal do aluguel não seja superior a R$ 600,00 (seiscentos reais), em caso de locação de imóvel residencial, e R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais), em caso de locação de imóvel não residencial. A decisão do relator da ADPF em questão, que foi remetida ao plenário virtual, possui inegável impacto nas relações entre inquilinos/locatários e locadores, de modo que é discutível a necessidade de mais uma prorrogação, neste momento em que os desdobramentos e impactos econômicos decorrentes exclusivamente da pandemia parecem arrefecer, muito embora o Ministro tenha ponderado que a “pandemia da Covid-19 ainda não acabou e as populações vulneráveis se encontram em situação de risco particular”, o que é inegável e se observa pelo crescimento da população em situação de rua e da insegurança alimentar no país. Inobstante este triste cenário, existe a figura do locador, que também se coloca em posição de vulnerabilidade, eis que em muitas vezes tem no imóvel locado única ou principal fonte de sua renda. Neste contexto, a boa-fé, que é um princípio geral que rege o direito contratual, determina que as partes envolvidas utilizem o diálogo franco visando manter o equilíbrio econômico-financeiro dos locatícios contratados e evitando-se que apenas uma parte suporte o ônus integral dos efeitos e impactos econômicos gerados pela pandemia. A negociação e a cooperação, no lugar de discussões judicias intermináveis e custosas, tende a ser o melhor caminho a seguir. Vale lembrar que a possibilidade do despejo pode estar suspensa, mas cedo ou tarde – considerando as sucessivas prorrogações de suspensão de tal penalidade – “a conta vai chegar” para o inquilino, sendo louvável, sobretudo, que prevaleça a boa-fé e o entendimento mútuo entre as partes. Sugere-se, assim, que sejam abertos canais de diálogo entre locador e locatário, por meio de notificações formais de repactuação através de e-mails ou ainda mensagens de notificação via Whatsapp, que devem permanecer sob guarda/gravação, a fim de dar força probatória a estes e conceder-lhes validade em eventuais litígios. https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/despacho1290490/false Chrisciana Oliveira Mello, sócia de Carlos de Souza Advogados, aluna especial do curso de mestrado em Processo Civil da Universidade Federal do Espírito Santo. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/04/04/a-nova-prorrogacao-da-suspensao-dos-despejos-e-os-impactos-nas-relacoes-locaticias/
O Supremo Tribunal de Justiça (STF) reafirmou que os Estados e o Distrito Federal não podem instituir o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD) sobre doação e herança proveniente do exterior. O STF julgou nesse mês 5 Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) contra o Distrito Federal e os Estados do Mato Grosso, Paraná, Tocantins e Santa Catarina, para declarar a inconstitucionalidade de parte das leis estaduais que instituíam o ITCMD sobre herança no exterior. No julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 851108, realizado pelo STF em 2021, foi firmada a tese “É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional”. Apesar de muitos Estados e do Distrito Federal exigirem o ITCMD nessas situações, eles não têm competência legislativa para instituir a cobrança do (ITCMD) em tais hipóteses. Isso porque a competência dos Estados e do Distrito Federal para criar o imposto está cravada no art. 155, I da Constituição Federal, cujo § 1º dispõe sobre a necessidade de lei complementar federal para fixação da competência para instituir o ITCMD sobre doação, quando o doador for residente ou domiciliado do exterior, e quando a pessoa falecida tiver última residência ou bens no exterior, ainda, quando o inventário for processado no exterior. Ou seja, mesmo que não haja lei complementar federal regulando a matéria, e não há, os estados-membros não estão autorizados a editar leis sobre a instituição do tributo com fundamento na competência legislativa concorrente prevista no art. 24 da Constituição Federal. Cabe à lei complementar federal – e não a leis estaduais – regular a competência e a instituição do ITCMD quando o doador tiver domicílio ou residência no exterior ou se a pessoa falecida possuir bens, tiver sido residente ou domiciliada ou tiver seu inventário processado no exterior. Os Estados só podem legislar sobre o assunto se houver lei complementar anterior. Mariana Martins Barros é advogada tributária, sócia coordenadora da área tributária do Escritório Carlos de Souza Advogados e membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/ES. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/04/01/stf-reafirma-que-estados-nao-poderao-cobrar-itcmd-sobre-heranca-no-exterior/

