A Fiança Bancária e a Recuperação Judicial

O devedor que busca a tutela do Estado para tentar se soerguer, reúne todos os seus débitos, que são, na verdade, créditos de terceiro, seus credores, e os apresenta no pedido de recuperação judicial. A ideia central de trazer esses créditos para a recuperação judicial, é pagá-los organizadamente dentro do plano que será apresentado, bem como, consequentemente, evitar os riscos de serem executados em paralelo e com potencial de derruir o patrimônio que ainda restou. Naturalmente, o empresário/empresa, seja ele pequeno, médio ou grande, detendo débitos decorrentes de determinados contratos, como o da fiança bancária, vai almejar levá-lo também à recuperação judicial, e não haveria nada de errado com isso, pois está agindo dentro do seu legítimo interesse, através de uma possível interpretação da Lei nº 11.101/2005. A propósito, para tornar o texto mais didático, entende-se como fiança bancária o crédito que as instituições bancárias/financeiras, na condição de fiadores, passam a ostentar em relação a alguém, o afiançado, daí a alcunha bastante difundida no dia a dia de que o fiador é o “garantidor” do afiançado. A fiança bancária é modalidade ordinária de contratação. Todavia, movimentação decisória recente e cada vez mais presente na Justiça brasileira, tem demonstrado que é necessário maior atenção sobre a matéria, porque nem sempre o crédito da fiança bancária poderá ser pago dentro do processo de recuperação judicial como crédito concursal, hipótese que será autorizada sua execução pelas vias normais, por ser crédito extraconcursal. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro, em 2020, no julgamento do Recurso Especial nº 1.860.368, proveniente do Estado de São Paulo, através do voto da ministra relatora, Dra. Nancy Andrighi, disse que os créditos passíveis de serem levados à recuperação judicial são todos aqueles devidamente liquidados existentes até a data do correspondente pedido feito no guichê da Justiça, não entrando aí o que decorrer da fiança bancária apenas porque a sua contratação seria anterior a este pedido. A explicação dada pela eminente Julgadora e seguida à unanimidade pelos demais ministros da Terceira Turma daquele Tribunal, na linha do artigo 49 da Lei nº 11.101/2005, é o de que nos contratos de fiança, o fiador somente se torna credor do afiançado se e quando vier a promover o pagamento de dívida não honrada, sendo o pagamento, pois, o marco temporal que vai determinar se esta modalidade de crédito entrará ou não nas recuperações judiciais. Tal entendimento foi seguido no processo de nº 0243089-52.2021.8.19.0001, por intermédio de decisão proferida pela Juíza titular da 6ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, Dra. Maria Cristina de Brito Lima, circunstância que evidencia que a classe empresarial deve estar atenta com este tipo de contratação. Raphael Wilson Loureiro Stein é Associado do Escritório desde abril de 2019 e atua nas áreas: Contencioso Civil, Comercial e Recuperação de Empresas e Falência. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/03/16/a-fianca-bancaria-e-a-recuperacao-judicial/

Penhora de Bem de Família

Segundo a lei brasileira, o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam. A regra, portanto, é que, não importa o tamanho das dívidas e o valor do único imóvel residencial, o bem não será tomado para pagar dívidas, a não ser em exceções bem específicas. As exceções, previstas em lei, são: pagamento de dívida de IPTU e taxa de condomínio do próprio imóvel; débito de financiamento que tenha o próprio imóvel em garantia; pagamento de pensão alimentícia; entre outras. Sendo de 1990, a lei já previa a possibilidade de penhora do bem de família também para pagar dívida em decorrência de fiança de contrato de aluguel. Contudo, essa regra veio sendo discutida durante vários anos, deixando de ser aplicada por muitos juízes, e somente na semana passada ocorreu uma decisão definitiva e abrangente do Supremo Tribunal Federal, e que deverá ser aplicada em todos os casos em curso no Judiciário e nos novos que surgirem. A polêmica que levou juízes a não aplicarem a regra da lei durante longo período, dando-lhe uma outra interpretação, se deu em decorrência de dois fatores: (1) o artigo de lei que permite a penhora do único imóvel residencial do fiador em contrato de aluguel seria inconstitucional, já que a Constituição Federal garante o direito de moradia; (2) a regra poderia até ser aplicada para casos de fiança em contratos de aluguel comercial, mas não residencial. O julgamento da semana passada repeliu esses argumentos e pacificou a questão. Vamos explicar, agora, como ficam os casos concretos. É muito comum que, ao alugar um imóvel, residencial ou comercial, seja exigido que o inquilino apresente um ou dois fiadores que garantirão que, se o inquilino não arcar com as suas obrigações diante do proprietário, os fiadores o farão. Quando o fiador também não paga, o dono do imóvel alugado pode ir à Justiça para penhorar bens do garantidor, inclusive dinheiro em conta corrente, veículos e imóveis. Se o fiador tiver, como único bem, o imóvel residencial em que mora com a própria família, mesmo assim ele será penhorado para pagar as dívidas do contrato de aluguel sobre o qual incidiu a fiança (a garantia). Sendo assim, é necessário que as pessoas passem a ter extremo cuidado antes de assinarem como fiadores em contratos de aluguel de terceiros. Naturalmente é difícil dizer “não” a um pedido de tal natureza feito, por exemplo, por um parente próximo ou amigo íntimo. Contudo, uma amizade saudável hoje pode se tornar uma inimizade profunda por conta de dívidas não pagas. Talvez seja melhor desagradar alguém com uma resposta negativa, do que atender agora e, mais à frente, todos saírem prejudicados e a amizade destruída. Como fazer então se uma pessoa amiga ou um parente próximo precisa de algum tipo de garantia para alugar um imóvel residencial ou mesmo comercial? As respostas já estão na própria legislação brasileira! A fiança, que é um tipo de garantia dada por um terceiro em relação aos compromissos de determinada pessoa, não é a única modalidade prevista em lei para assegurar um contrato de aluguel. Segundo a Lei de Locação, em seu artigo 37, no contrato de locação, pode o locador exigir do locatário as seguintes modalidades de garantia: caução; fiança; seguro de fiança locatícia. Observem que, além da fiança, que não raramente se transforma num tormento para o fiador, há outros dois mecanismos eficazes que podem e devem ser usados. A caução é um depósito que o inquilino faz, geralmente de três meses de aluguel, e que permite ao dono do imóvel dispensar a figura do fiador. No mesmo sentido, tem-se o seguro de fiança locatícia, na maioria das vezes celebrado junto a seguradoras e instituições financeiras. A bem da verdade, os proprietários de imóveis até preferem a caução e o seguro de fiança locatícia. Porém, muitas vezes o inquilino não quer ter essas despesas ou dispêndios e acaba por tentar arrumar um fiador. Diante da nova posição da Justiça, as pessoas devem estar ainda mais precavidas antes de atender um pedido para serem fiadores num contrato de aluguel! Sérgio Carlos de Souza, fundador e sócio de Carlos de Souza Advogados, autor dos livros “101 Respostas Sobre Direito Ambiental” e “Guia Jurídico de Marketing Multinível”, especializado em Direito Empresarial, Recuperação de Empresas e Ambiental. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/03/15/penhora-de-bem-de-familia/

Lei Que Permitia Remarcação de Voos Sem Multa Não Possui Mais Validade

Em agosto de 2020, fora promulgada a Lei Federal nº 14.034, que determinava que a companhia aérea deveria garantir nova passagem ao consumidor pelo prazo de 18 meses contados da data original do voo, sem cobrança de multa, ou garantir o reembolso integral do valor da passagem no prazo de 12 meses, observando-se a atualização monetária calculada com base no INPC e, quando cabível, a prestação de assistência material. A referida lei foi alterada pela Lei nº 14.174, estendendo o prazo de validade para garantir os benefícios acima citados até 31 de dezembro de 2021, ou seja, os efeitos cessaram. Assim, para os consumidores que tendem a viajar neste início de ano, é importante ter a atenção com relação às regras que voltaram a regular desde 01 de janeiro. A Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) decidiu que as medidas emergenciais anteriormente previstas ficariam restritas ao ano de 2021, voltando a valer, a partir de 2022, as regras estabelecidas pela Resolução nº 400/2016, quanto aos cancelamentos e/ou alterações de passagens aéreas. Deste modo, em relação ao cancelamento de voo, se este ocorrer por parte da empresa, os consumidores terão o direito de escolher entre reacomodação, reembolso integral do valor pago ou execução por outras modalidades. Sendo do consumidor a iniciativa de desistir de sua passagem área e solicitar o reembolso pecuniário, sobre ele não incidirá a correção pelo INPC e a empresa poderá cobrar as multas previstas no contrato. Embora não seja obrigado, o consumidor poderá aceitar o reembolso em crédito, sendo permitida a livre negociação entre as partes – empresa e consumidor – em relação ao valor e validade do mesmo. Importante relembrar que a aceitação de crédito não isenta o consumidor de multas, também podendo haver negociação entre as partes neste sentido. Por fim, a empresa tem sete dias para efetuar o reembolso ao consumidor, seja do crédito ou do valor da passagem aérea, contados de sua solicitação. Melissa Barbosa Valadão Almeida, associada de Carlos de Souza Advogados, especializada em Direito Civil e Comercial. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/03/14/lei-que-permitia-remarcacao-de-voos-sem-multa-nao-possui-mais-validade/

MP Deve Aguardar Constituição Definitiva do Crédito Tributário Para Apurar Crime

Os contribuintes obtiveram importante vitória no Supremo Tribunal Federal (STF), no que diz respeito ao momento em que o Ministério Público receberá as informações para persecução de crimes tributários, inclusive contra a Previdência Social. A Suprema Corte decidiu que o Ministério Público tomará providências para apuração de crime contra a ordem tributária somente após proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário. A comemorada decisão foi proferida no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4980, o Plenário do STF julgou constitucional o artigo 83 da Lei 9.430/96, cuja redação prevê que, nos crimes de sonegação, sonegação de contribuição previdenciária e apropriação indébita de contribuição previdenciária, a representação fiscal para fins penais será encaminhada para o Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente. Assim, somente após a conclusão definitiva do processo administrativo fiscal de constituição de crédito tributário, ou seja, do processo destinado à apuração do crédito e, até mesmo, à verificação de sua existência, ou não. Nada mais óbvio, pois o devido processo legal de constituição do crédito deve ser respeitado para que o contribuinte não tenha seus direitos violados. Antes da decisão administrativa definitiva que afirme a inexistência do crédito e seu “quantum” não se pode perquirir a ocorrência do crime tributário.  Ademais, o direito penal não pode ser utilizado como um instrumento arrecadatório para o Estado e de ameaça para o contribuinte, pois ele deve atuar para tutela de direitos em último caso. A decisão está em harmonia com a Constituição Federal, pois aguardar a conclusão do processo administrativo significa respeitar o direito constitucional do contribuinte ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, além de evitar decisões contraditórias na esfera administrativa e na esfera criminal. Enfim, a decisão confere aos contribuintes maior segurança jurídica. Mariana Martins Barros é advogada tributária, sócia coordenadora da área tributária do Escritório Carlos de Souza Advogados e membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/ES. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/03/11/mp-deve-aguardar-constituicao-definitiva-do-credito-tributario-para-apurar-crime/

Exclusão do Direito de Herança

Morrendo uma pessoa que possua bens, esse patrimônio é passado para os seus herdeiros legítimos, com o destaque de que, quando o falecido tiver feito um testamento válido, as disposições testamentárias deverão ser atendidas. Quais são os bens que podem compor uma herança? Os mais diversos, entre eles: imóveis, veículos, dinheiro em conta, aplicação financeira, quotas e ações de empresas, obras de arte, entre outros. Segundo a lei, surgindo a herança, há uma ordem de vocação hereditária: (1) descendentes; (2) ascendentes; (3) cônjuge; (4) colaterais. Essa ordem exclui as categorias posteriores. Exemplo: falecendo uma pessoa que tenha filhos, esses descendentes receberão a totalidade da herança, sem que nenhuma parte seja destinada aos demais. No caso de não haver descendentes, os pais (ascendentes) receberão o patrimônio, e assim sucessivamente. É importante não confundir com a situação da parte do cônjuge. O cônjuge, a depender do regime de casamento, tem direito à metade dos bens em virtude do casamento em si, e a outra metade é que vai para os herdeiros. Como destacado no título, há casos em que um herdeiro pode se ver excluído do direito de receber a herança. Esse direito perdido beneficia os demais herdeiros. Significa dizer que o direito à herança não é absoluto, podendo ser desfeito em certas circunstâncias previstas em nossa legislação. Essas circunstâncias que causam a perda ao direito à herança são casos gravíssimos e justificáveis, já que, quem pratica atos listados como motivadores da exclusão hereditária, de fato não merece o patrimônio do falecido. É como vemos no artigo 1.814 do Código Civil: São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários: I – que houverem sido autores, coautores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente; II – que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro; III – que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade. De vez em quando vemos notícias de um filho que mata ou tenta matar um ou ambos os pais. Esses filhos não terão direito à herança deixada pelo falecido, não importa o valor do patrimônio e nem a situação em que se encontrar o autor do crime, mesmo que extremamente necessitado de dinheiro. Apesar do previsto em lei, a perda do direito à herança não será automática, devendo haver uma declaração pela Justiça, como estabelece o artigo 1.815 do Código Civil: A exclusão do herdeiro ou legatário, em qualquer desses casos de indignidade, será declarada por sentença. Uma questão que surge em meio ao assunto diz respeito ao menor de idade que mata ou tenta matar os pais. Como, tecnicamente, o menor não comete um crime, mas sim um “ato infracional”, mesmo assim ele também será excluído do direito à herança? O tema tem suscitado muitas discussões na Justiça, sendo, infelizmente, por mais horrendo, um ato não raro de acontecer, que é um filho menor retirar a vida do pai ou mãe. A 3ª turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ, em recurso especial relatado pela ministra Nancy Andrighi, decidiu que menor de idade que matou os pais não tem direito a herança. No entendimento do colegiado, a regra que exclui da sucessão os autores, coautores ou partícipes de homicídio doloso contra a pessoa de cuja sucessão se tratar também vale para o herdeiro menor de idade, embora seus atos sejam tecnicamente definidos como “análogos ao homicídio doloso”.[1] O autor do crime, que à época do assassinato contava com pouco menos de dezoito anos de idade, defendeu que o dispositivo tem interpretação taxativa e, ao tratar de casos de homicídio doloso, não pode ser estendida ao ato infracional análogo ao homicídio doloso, porém o STJ não acolheu o argumento e concluiu que é juridicamente possível o pedido de exclusão da sucessão do herdeiro que tirou a vida dos pais, mesmo na hipótese em que se trata de ato cometido por adolescente. [1] www.migalhas.com.br/quentes/360830/stj-menor-de-idade-que-mata-os-pais-nao-tem-direito-a-heranca Sérgio Carlos de Souza, fundador e sócio de Carlos de Souza Advogados, autor dos livros “101 Respostas Sobre Direito Ambiental” e “Guia Jurídico de Marketing Multinível”, especializado em Direito Empresarial, Recuperação de Empresas e Ambiental. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/03/08/exclusao-do-direito-de-heranca/

Obrigação do SUS de Fornecer Medicamentos Off-Label

Em recente decisão sobre conflito de competência, o Superior Tribunal de Justiça – STJ retomou a pauta sobre casos de prescrição de medicação off-label e seu fornecimento pelo Sistema Único de Saúde. Embora o julgamento referido aborde questão de técnica jurídica – a competência da justiça estadual ou da justiça federal -, o fato é que, independentemente de qual das esferas enfrente o julgamento do pedido dessa natureza, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do RE 855.178, vinculado ao Tema 793, já definiu que  “o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, sendo responsabilidade solidária dos entes federados, podendo figurar no polo passivo qualquer um deles, em conjunto ou isoladamente”. Tal decisão garante o direito constitucional do cidadão à vida e à manutenção de sua saúde, devendo obter do Estado o tratamento indicado pelo médico assistente, mais adequado à enfermidade, independentemente de estar na lista dos remédios fornecidos pelo SUS. Mas, o que é medicação off-label? De acordo com o art. 3º da RN 424/2017 da Agência Nacional de Saúde, “o medicamento chamado off-label é aquele cuja indicação do profissional assistente diverge do que consta na bula. Já o material off-label é aquele cuja indicação de profissional assistente diverge do que consta no manual de uso do material”. Longe de tecer aqui comentários de natureza médica e/ou científica, mas atentos exclusivamente aos direitos do cidadão ao tratamento adequado e à necessidade de buscar tratamento mediante ajuizamento de ações competentes, cumpre esclarecer que, via de regra, o Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos não registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), pois tal registro “constitui proteção à saúde pública, atestando a eficácia, segurança e qualidade dos fármacos comercializados no país, além de garantir o devido controle de preços”. [1] Dito isso, é necessário esclarecer que há medicamentos experimentais, ou seja, sem comprovação científica de eficácia e segurança, e ainda em fase de pesquisas e testes e há também aqueles que, apesar do registro, são indicados para doenças específicas, mas paralelamente podem ser usados em tratamentos de enfermidades não previstas, testadas ou indicadas cientificamente. Adicionalmente, há medicamentos com eficácia e segurança comprovadas e testes concluídos, conforme diretrizes e exigências legalmente estabelecidas, mas ainda sem registro na ANVISA, por diversos motivos, inclusive demora na apreciação do pedido pelo laboratório. Com efeito, quando o medicamento tiver pedido de registro no Brasil, registro solicitado em renomadas agências de regulação no exterior (e.g., EUA, União Europeia e Japão) e inexistência de substituto terapêutico registrado na ANVISA, é possível que seja apreciada, judicialmente, a determinação de seu fornecimento ao cidadão. Há ainda casos em que, como dito, o medicamento necessário, ainda que para uso off-label, tem registro na ANVISA, mas uso e finalidade distintos daquele ao ser indicado ao cidadão, ou seja, não é indicado para determinada enfermidade, sendo possível, portanto, igualmente, com base em laudo médico especifico, solicitar o seu fornecimento por via judicial. [1] RECURSO EXTRAORDINÁRIO 657.718 Chrisciana Oliveira Mello, sócia de Carlos de Souza Advogados, aluna especial do curso de mestrado em Processo Civil da Universidade Federal do Espírito Santo. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/03/07/obrigacao-do-sus-de-fornecer-medicamentos-off-label/

Chegou a Hora de Fazer a Declaração do Imposto de Renda

O prazo para entrega da Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda sobre a Pessoa Física (IRPF), inicia-se no dia 7 de março, próxima segunda-feira, e os contribuintes devem ficar atentos ao seu preenchimento, se quiserem aproveitar as isenções e deduções que resultam em redução do imposto. De acordo com a Instrução Normativa RFB nº 2.065, de 24 de fevereiro de 2022, a data limite para entrega da Declaração é o dia 29 de abril de 2022, o que, em número de dias, representa um prazo apertado. Dessa forma, aconselha-se que os documentos, como notas fiscais, informes de rendimentos e outros, sejam previamente organizados para que nenhuma informação seja omitida. A própria lei prevê fatos que afastam a tributação pelo IRPF. Por exemplo, o contribuinte que tiver completado 65 (sessenta e cinco) anos que receba rendimentos provenientes de aposentadoria e pensão, de transferência para a reserva remunerada ou de reforma, até o valor de R$ 1.903,98. Também são isentos os bens adquiridos por herança ou doação, os seguros recebidos de entidades de previdência privada decorrentes de morte ou invalidez permanente, indenizações por acidente de trabalho e os proventos recebidos por portadores de moléstias graves, definidas pela lei. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5422, reconheceu a inconstitucionalidade da incidência do IRPF sobre os valores recebidos a título de pensão alimentícia, quando fundados no direito de família, o que resultou no afastamento da tributação da verba mencionada. Por outro lado, a lei permite a dedução de algumas despesas do cálculo do IRPF, como a despesa com o pagamento em dinheiro da pensão alimentícia, também decorrente do direito de família. Despesas com saúde e educação também poderão ser deduzidas. Os contribuintes devem estar atentos ao prazo de entrega da Declaração, pois o atraso na entrega sujeita o contribuinte a multa. Outro ponto de atenção está relacionado à guarda dos documentos comprobatórios das informações lançadas, pois, caso haja qualquer questionamento por parte da Receita Federal, será possível demonstrar a correção da Declaração. Mariana Martins Barros é advogada tributária, sócia coordenadora da área tributária do Escritório Carlos de Souza Advogados e membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/ES. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/03/04/chegou-a-hora-de-fazer-a-declaracao-do-imposto-de-renda/

Quem Alega a Existência de Erro Médico Tem Que Provar?

A resposta, quando se trata de relação de consumo, é: depende! A regra geral, prevista no Código de Processo Civil (lei que regula formação e o desenvolvimento do processo) diz que compete a quem alega determinada situação, prová-la. Em outras palavras, quem acusa tem a obrigação de provar as acusações feitas. Esta é a regra geral. Todavia, deve se ter em mente que, ao se tratar de demanda onde há de um lado o paciente e do outro um médico (ou hospital), estaremos diante de uma clara relação de consumo, regulamentada, portanto, pela Lei 8.078/90, conhecida como Código de Defesa do Consumidor, e a lei do consumidor traz uma exceção à regra sobre sobre a obrigação do autor da demanda provar. A referida lei, o Código do Consumidor, prevê em seu art. 6º, VIII que a obrigação na produção da prova poderá (isto mesmo, é uma possibilidade!) ser imputada ao fornecedor do serviço, no caso ao médico, quando configuradas a verossimilhança da alegação do consumidor e sua hipossuficiência técnica (e algumas vezes financeira). Em resumo, a verossimilhança é a coerência entre os fatos narrados e a existência de suposto erro, ao passo que, a hipossuficiência é a ausência de condições (conhecimentos) técnicos ou financeiros para a produção da prova necessária ao caso. Logo, ao contrario do que muitos pensam a benesse legal não é de plano aplicável, devendo, necessariamente, estar presente na relação firmada a plausabilidade do que foi alegado (no caso mais especifico, a ocorrência de erro médico) e a impossibilidade técnica do consumidor em produzir a referida prova. Por isso, a resposta para a pergunta que dá título a este artigo, é: DEPENDE! O consumidor deve trazer com suas alegações, ao menos indícios de que faz jus ao direito que alega possuir para que o Juiz, de acordo com sua experiência, conceda a inversão do ônus da prova. Inversão do ônus da prova significa transferir a responsabilidade de provar as acusações, que deixaria de ser do paciente e passaria ao médico, que no caso teria que provar que os fatos não se deram da forma como o paciente alega. Assim, invertido o ônus da prova, competirá ao réu a comprovação de que não praticou as condutas que lhe forem imputadas como ilícitas ou causadoras de danos. Rovena Roberta S. Locatelli Dias, sócia de Carlos de Souza Advogados, especializada em Direito Civil, Médico, Comercial e Imobiliário. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/03/03/quem-alega-a-existencia-de-erro-medico-tem-que-provar-2/

Câmara Aprova Regras Que Mudam o Trabalho de Gestantes na Pandemia

Na última quarta-feira, dia 16/02/2022, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei nº 2.058/2021, que altera algumas disposições contidas na Lei 14.151/2021 que determinava o afastamento das gestantes do trabalho presencial. Desde a publicação da Lei 14.151/2021, muito se discutiu sobre referida lei, em especial, no que diz respeito à atribuição ao empregador da responsabilidade quanto à garantia do recebimento da remuneração da empregada gestante durante o período de afastamento quando, pela natureza dos serviços prestados, não fosse possível a realização de atividades laborais à distância. Com a aprovação do PL 2.058/2021 – que segue para a sanção presidencial -, contudo, algumas regras previstas na Lei 14.151/2021 foram alteradas, tendo, de certa forma, “corrigido” uma falha da lei ao não prever, justamente, a hipótese de a empregada gestante, em razão de suas atividades, estar impossibilitada de realizar seu trabalho de forma remota, sem impor ao empregador – de forma injusta -, a manutenção da integralidade da remuneração da gestante. Assim, de acordo com o texto aprovado pela Câmara dos Deputados, o afastamento será garantido apenas às gestantes que ainda não tenham sido totalmente imunizadas na forma prevista pelo plano nacional de vacinação do Ministério da Saúde. Com efeito, considerando os termos do substitutivo aprovado, salvo na hipótese de o empregador entender por bem manter a atividade de forma remota, devera a empregada gestante retornar ao trabalho presencial nas seguintes hipóteses: (i) encerramento do estado de emergência; (ii) imunização completa de acordo com as determinações do Ministério da Saúde; (iv) se a empregada se recusar a se vacinar, devendo assinar um termo de responsabilidade ou, ainda; (v) na hipótese de aborto espontâneo, com recebimento de salário maternidade nas duas semanas de afastamento, de acordo com a CLT. De acordo com o texto da PL 2.058/2021, a opção por não se vacinar é uma forma legítima de expressar o direito à liberdade individual, não podendo ser imposta pelo empregador, pelo que, nesta hipótese, a empregada gestante opte por não ser vacinada, deverá assinar um termo de responsabilidade e de livre consentimento para o trabalho presencial, comprometendo-se a observar as normas de higiene e segurança orientadas pelo empregador. Ainda de acordo com o texto aprovado pela Câmara dos Deputados, acaso a empregada gestante não tenha completado o esquema de imunização e não houver possibilidade de suas atividades serem exercidas à distância, a situação será considerada como de gravidez de risco até que complete a imunização.  Durante esse período, a gestante será contemplada com o salário maternidade pelo período de 120 dias. Vale ressaltar que o texto ainda aguarda a sanção presidencial. Rodrigo Silva Mello e Roberta Conti R. Caliman, sócios de Carlos de Souza Advogados, são especializados em Direito Trabalhista. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/02/24/camara-aprova-regras-que-mudam-o-trabalho-de-gestantes-na-pandemia/

Processo de Extradição no Direito Brasileiro

Extradição é uma medida de cooperação entre Estados Soberanos, através da qual um Estado requer a entrega de um indivíduo que se encontra em outro Estado, para que, naquele, seja processado, julgado ou até para a execução de uma pena. Por ser um ato de entrega, entende-se que é uma saída compulsória do estrangeiro, visto que se faz obrigatório que a pessoa, após o devido processo legal de extradição, seja enviada ao Estado requerente. Atualmente, a título informativo, o Brasil tem tratado de extradição firmado, dentre vários países, com: Argentina, Bélgica, China, Estados Unidos da América, França, Itália, Mercosul, Portugal, Reino-Unido e Irlanda do Norte. A extradição se divide em ativa e passiva. Em suma, a extradição ativa ocorre quando o governo brasileiro requer a extradição de uma pessoa que não está em seu território, ou seja, de uma pessoa considerada foragida da Justiça brasileira que se encontra em outro Estado soberano. Já na extradição passiva, ocorre o inverso, ou seja, um país solicita ao governo brasileiro a extradição de uma pessoa foragida que se encontra no Brasil. A Constituição Federal assegura que nenhum brasileiro nato será entregue pelo governo brasileiro a outro Estado soberano. É de se esclarecer que brasileiro nato não pode ser extraditado, a não ser nos casos que o façam perder a nacionalidade. Com o tempo, os Estados Soberanos se viram com a necessidade de regular os respectivos processos de extradição, o que culminou na elaboração de diversos tratados definindo os requisitos para que a extradição seja efetivada. Como exemplo, é possível citar, entre inúmeros: o tratado de amizade entre Brasil e Portugal, que versa sobre como o processo de extradição deve ocorrer; o Acordo de Extradição entre os Estados Partes do Mercosul; o Tratado de extradição firmado entre Brasil e Itália. Entretanto, quando não há nenhuma norma que trate sobre o assunto, no caso dos pedidos feitos ao Brasil, o pedido será instruído com os documentos previstos na Lei nº 6.815/1980 e Lei nº 13.445/2017 (Lei de Migração), devendo ser observada a promessa de reciprocidade para casos análogos, que poderá ser recusado por diversos motivos, devendo cada solicitação de extradição ser observada de forma individual. O procedimento na extradição ativa se inicia quando o Poder Judiciário envia ao Ministério da Justiça a documentação relativa ao pedido, devendo realizar a análise de admissibilidade dos documentos, com o fim de verificar se está de acordo com o previsto no tratado entre as partes ou no Estatuto do Estrangeiro e na Lei de Migração. Havendo o deferimento e aprovação da documentação, o pedido é enviado ao Ministério das Relações Exteriores ou à Autoridade Central Estrangeira, a fim de ser formalizado ao país onde se encontra o foragido da Justiça brasileira. Ocorrendo o deferimento do pedido de extradição pelo país requerido, o Brasil deverá retirar o extraditando do respectivo Estado Soberano no prazo previsto no tratado, ou na falta deste, na data estipulada e acordada entre as partes. Se a retirada não for realizada, a pessoa poderá ser colocada em liberdade, não sendo possível haver a requisição da extradição pelos mesmos motivos. Já na extradição passiva, o Ministério da Justiça e Segurança Pública recebe, na maioria dos casos, por via diplomática, o pedido de extradição. Após recebimento, o Ministério da Justiça realiza o juízo de admissibilidade. Estando o pedido em total conformidade, deverá ser encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF), sendo este o Órgão competente para análise e aprovação, de acordo com a Constituição Federal, art. 102, inciso I, alínea “g”. Sendo deferida a extradição pelo STF, o país que requereu terá um prazo – estabelecido por tratado ou pelo acordo entre as partes, na falta daquele -, para retirar o indivíduo do território nacional. Se assim não for feito, o indivíduo deverá ser colocado em liberdade pelo Governo brasileiro. Samuel Lourenço Kao Yien, associado de Carlos de Souza Advogados, atua na área de Direito Criminal. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/02/23/processo-de-extradicao-no-direito-brasileiro/