Imaginemos a situação em que “Ricardo” (promitente-comprador) firma uma promessa de compra e venda de um lote (sem qualquer edificação), junto à empresa “X”. “Ricardo” obrigou-se ao pagamento do valor, parcelado em 60 meses. Ao término do contrato, “Ricardo” construiria a casa de seus sonhos. Ocorre que, depois de 1 ano pagando as parcelas, “Ricardo” perdeu sua única fonte de renda e como não mais iria conseguir pagar as prestações, decidiu desfazer o negócio e pedir a restituição dos valores que havia pagado. Pergunta-se: é possível que a empresa “X” cobre taxa de ocupação do imóvel? Sem dúvidas, inúmeras pessoas passaram por situação similar, especialmente durante a pandemia de COVID-19, que afetou e ainda tem afetado diretamente as relações jurídicas estabelecidas, afinal, vimos milhares de pessoas perderem seus postos de trabalho e terem de adiar momentaneamente o sonho da casa própria. Antes de respondermos à indagação feita acima, é importante destacarmos que o desfazimento do negócio jurídico da compra e venda de imóvel, especialmente na hipótese de sua resilição pelo comprador, obriga que as partes retornem ao estado anterior à celebração do contrato, com a devolução do bem ao promitente-vendedor e a restituição das parcelas pagas ao promitente-comprador (com a retenção de um percentual estabelecido no contrato em favor do vendedor). Dito isto, nos contratos de compra e venda de imóveis residenciais, em caso de rescisão do contrato e o retorno à situação originária, caso o comprador utilize o bem para sua moradia, deverá apresentar contraprestação mediante o pagamento de aluguéis ao vendedor pelo tempo de permanência no imóvel. Ou seja, se o imóvel adquirido por “Ricardo” estivesse edificado e nele residindo “Ricardo” e seus familiares, neste caso, ante a manifestação de desistência da compra do imóvel, seria devido o pagamento de aluguel ao vendedor (como taxa de ocupação), sem prejuízo da cobrança de uma multa pelo desfazimento do negócio. Isso porque a não cobrança da taxa de ocupação ocasionaria um aproveitamento de “Ricardo” às custas da empresa “X” (enriquecimento ilícito). Contudo, na hipótese narrada acima, o terreno não está edificado, sem construção alguma, de modo que não existe a possibilidade de “Ricardo” estar residindo no imóvel com sua família. Ou seja, nem “Ricardo” usufruiu do imóvel tampouco a empresa “X” auferiria proveito com a cessão de seu uso e posse. Neste caso, não seria possível a cobrança de taxa de ocupação por parte da empresa “X”, visto que não houve a utilização do imóvel no intervalo de tempo em que “Ricardo” efetuou o pagamento das parcelas. O caso retratado foi submetido à apreciação do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.936.470-SP), que entendeu que na rescisão de contrato de compra e venda de imóvel residencial não edificado, o comprador não pode ser condenado ao pagamento de taxa de ocupação. Por fim, diante do desfazimento de negócios como o narrado nesta oportunidade, devem as partes colaborar e negociar o encerramento contratual justo e adequado, evitando-se discussões judicias intermináveis e custosas. David Roque Dias, associado de Carlos de Souza Advogados, especializado em Direito Civil, Contratos e Assuntos Societários. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/10/03/taxa-de-ocupacao-em-caso-de-rescisao-de-compra-e-venda-de-imovel-residencial-2/
Uma dúvida recorrente dos empresários é se o vale-refeição pago em dinheiro ao trabalhador está sujeito à contribuição previdenciária. A questão já foi levada ao judiciário, mas o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), vinculado à Secretaria da Receita Federal (SRF) decidiu no sentido de que não incide a contribuição previdenciária. Necessário entender o caso, pois um aspecto relevante para o resultado do julgamento foi que o contribuinte, ou seja, o empregador, não tinha outra forma para pagar o benefício. Apesar do vale-refeição não estar previsto em lei, o vale-refeição é um benefício para o trabalhador previsto nas normas coletivas de trabalho. Daí a sua obrigatoriedade. Do julgamento conclui-se que está mantido o entendimento no sentido de que o pagamento de vale-refeição pago em dinheiro sujeita-se à contribuição previdenciária, exceto quando o pagamento do benefício for feito em dinheiro, em razão de circunstâncias excepcionais. Um exemplo de situação excepcional seria a do empregado demitido, para o qual não faz sentido o pagamento através do vale-refeição. Algumas empresas sofrem autuação da SRF por pagarem o vale-refeição em pecúnia, mesmo em situações que impossibilitam o pagamento de outra forma. Portanto, os contribuintes que estiverem enfrentando discussões no âmbito administrativo ou judicial poderão alegar situações excepcionais que levaram a empresa a efetuar o pagamento do vale-refeição em dinheiro. Mariana Martins Barros é advogada tributária, sócia coordenadora da área tributária do Escritório Carlos de Souza Advogados e membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/ES. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/09/30/vale-alimentacao-pago-em-dinheiro-e-a-contribuicao-previdenciaria/
O serviço de saúde privada ou suplementar se tornou assunto do momento em vários jornais de opinião que circulam no Brasil, principalmente após a recente sanção da Lei nº 14.454/2022. A referida lei visa estabelecer critérios que permitam a cobertura de exames e tratamentos de saúde que não estejam inclusos no chamado “Rol da ANS”. Segundo dados da própria ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), existem mais de mil operadoras em funcionamento, isto é, pequenas, médias e grandes operadoras, sendo que várias delas estão em risco econômico-financeiro, conforme apurado pelo noticiário mais especializado, o qual aponta provável piora no setor em função da vigência da nova lei. Muitos sinalizam, inclusive, que várias destas empresas não suportarão cobrir procedimentos fora do “Rol da ANS”, e, próximas à falência, serão submetidas a processo de liquidação extrajudicial, que é um instrumento jurídico com função de propiciar o equilíbrio das finanças, e que implica numa série de efeitos, tais como a alienação da carteira de beneficiários e suspensão da autorização de funcionamento. Inclusive, dentro deste contexto, cumpre registrar que as operadoras de saúde podem falir, se no curso da liquidação judicial for constatada a insuficiência dos seus ativos para o pagamento de pelo menos metade dos créditos quirografários, que são aqueles sem nenhuma garantia legal oriundos de contratos ordinários, bem como quando não houver dinheiro para custear as despesas administrativas do próprio processamento da liquidação. Entretanto, antes de falirem ou para evitarem a falência, essas operadoras poderão tentar a via da recuperação judicial? Esta é a indagação que certamente um sem-número de pessoas fazem, sejam pessoas físicas e até empresários do setor da saúde privada, e é chegada a hora de respondê-la neste artigo. A resposta é negativa, posto que por expressa opção do legislador, a recuperação judicial não se destina às operadoras de plano de saúde, assim como também não às cooperativas de crédito, consórcios, entidades de previdência complementar, sociedades seguradoras e outras equiparadas. Cabe, portanto, ao Estado a adoção de medidas capazes de preservar ou mitigar danos às operadoras de plano de saúde, sem prejuízo, o que é recomendável, de possuírem boa gestão e governança interna. Raphael Wilson Loureiro Stein é Associado do Escritório desde abril de 2019 e atua nas áreas: Contencioso Civil, Comercial e Recuperação de Empresas e Falência. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/09/28/operadoras-de-plano-de-saude-podem-pedir-recuperacao-judicial/
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) estende o conceito de consumidor àqueles que, mesmo não sendo consumidores de forma direta, acabam por sofrer as consequências do acidente do consumo, decorrente de defeito exterior que ultrapassa o objeto do produto ou serviço, gerando risco à sua segurança física ou psíquica, sendo considerados “consumidores por equiparação” ou “bystanders”. Entretanto, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), entendeu que a figura do consumidor por equiparação não se aplica às hipóteses previstas nos artigos 18 a 25 do CDC, ou seja, em casos de vício do produto ou serviço. No caso em questão, a mãe ajuizou ação de indenização por danos morais, sob a alegação de que a sua filha não teria conseguido utilizar o cartão de crédito, em virtude de bloqueio sem notificação, em uma viagem internacional, alegando que, apesar do cartão não estar em seu nome, também havia sofrido as consequências pela má prestação de serviço pela instituição bancária, uma vez que dependia da filha para custear as despesas da viagem. Em primeiro grau, o processo fora extinto sem julgamento de mérito, em virtude da ilegitimidade ativa da genitora. Fora apresentado recurso da referida decisão, mas a mesma foi mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), sendo interposto Recurso Especial ao STJ. A relatora do recurso, a ministra Nancy Andrighi, quando do julgamento do referido recurso, destacou que apesar da existência do consumidor por equiparação, esta se limita as hipóteses de fato do produto e do serviço, que não se confundem com a responsabilidade por vício do produto e do serviço. Para um melhor entendimento, em caso de acidente de consumo, a utilização do produto ou do serviço é capaz de gerar riscos à segurança do consumidor ou de terceiros, como por exemplo, quando uma pessoa adquire um produto para consumo próprio, e, sem saber que o mesmo se encontra estragado, oferece a outras pessoas que o consomem, e todos passam mal. Nesta ocasião, terceiros serão considerados “consumidores por equiparação”. Já em caso de vício do produto ou serviço, a saúde ou segurança do consumidor não é colocada em risco, pois apenas o torna impróprio para o fim a que se destina ou diminui suas funções. Neste caso, é afastada a hipótese de consumidor por equiparação. Assim, no caso exposto acima, o fato do cartão da filha ter sido bloqueado sem notificação prévia, em relação à mãe, fora caracterizado apenas como vício no produto e não como acidente de consumo, sendo afastada a figura do consumidor por equiparação (bystander), razão pela qual o recurso fora improvido, mantendo-se incólume a sentença de primeiro piso que decidiu pela ilegitimidade ativa da recorrente. Melissa Barbosa Valadão Almeida, associada de Carlos de Souza Advogados, especializada em Direito Civil e Comercial. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/09/26/equiparacao-a-consumidor-e-afastada-nas-hipoteses-de-vicio-do-produto-e-do-servico/
Conforme amplamente noticiado pela imprensa, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), liminarmente, suspendeu os efeitos da Lei 14.434/2022, que estabeleceu o piso salarial nacional para enfermeiros, técnicos de enfermagem, auxiliares de enfermagem e parteiras. O piso salarial definido pela Lei é de R$ 4.750,00 para enfermeiros, R$ 3.325,00 para técnicos de enfermagem e de R$ 2.375,00 para parteiras. A suspensão liminar dos efeitos da lei, foi deferida nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7.222, proposta pela Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços (CNSaúde) que questionou a constitucionalidade de dispositivos da referida lei. No dia 16/09/2022, o plenário do STF, por maioria, confirmou a medida cautelar deferida pelo Ministro Luís Roberto Barroso para suspender os efeitos da Lei 14.434/2022 até que sejam esclarecidos seus impactos sobre: (I) a situação financeira de Estados e Municípios; (ii) a empregabilidade, tendo em vista a possibilidade de demissão em massa; (iii) a qualidade dos serviços de saúde em razão do risco de fechamento de leitos e redução do quadro de enfermeiros e técnicos de enfermagem. Na decisão, foram avaliados os dados levados aos autos que demonstrariam os riscos de impacto negativo para o setor de saúde. Uma pesquisa feita pela Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços com informações de mais de 2.500 instituições hospitalares privadas, mostrou que quase 80% delas responderam que precisarão reduzir o corpo de enfermagem, outros 65% disseram que serão obrigados a reduzir pessoal em outras áreas e 51% disseram que terão que reduzir o número de leitos. A partir dessas informações, estimou-se que cerca de 80 mil profissionais de enfermagem perderão seus postos de trabalho, e que cerca de 20 mil leitos serão fechados em razão do impacto financeiro causado pelo aumento do piso salarial. Não se discute a importância da categoria profissional para o país, em especial após o período mais crítico da pandemia do coronavírus, o que é admitido por todos, porém, não se pode deixar de lado o evidente impacto financeiro sobre as diversas instituições de saúde, públicas ou particulares e os efeitos que podem causar não somente em relação à empregabilidade mas também em relação à própria atividade que é essencial à população de um modo geral. De qualquer forma, independentemente da discussão a respeito dos aspectos econômicos, outros pontos da referida lei trazem muita discussão e incontáveis entendimentos a respeito. Por exemplo, o art. 2º, § 1º, diz que o piso salarial entrará em vigor imediatamente, independentemente da jornada de trabalho para a qual o profissional ou trabalhador foi admitido ou contratado. Os sindicatos das categorias profissionais de enfermagem entendem que a lei é clara e que, portanto, não poderia haver pagamento de salário proporcional à jornada de trabalho. Por outro lado, há quem entenda que o pagamento de salário proporcional à jornada é possível tendo em vista que a jurisprudência sempre foi no sentido de se autorizar o pagamento proporcional, e que tal impedimento implicaria em condição injusta em relação aos trabalhadores sujeitos à jornada de trabalho superior, principalmente na atividade de enfermagem em que é muito comum o estabelecimento de jornadas diversas (160h, 180h, 220h, etc.). Outro ponto controvertido é a previsão contida no art. 2º, § 2º, que diz que os acordos individuais e os acordos contratos e convenções coletivas respeitarão o previsto na Lei 7.498/1986, considerando ilegal e ilícita a sua desconsideração ou supressão. Há muita discussão sobre a possibilidade de se fazer uma negociação coletiva para ajustar a possibilidade de se estabelecer aumentos progressivos até que se atinja o piso previsto na lei. Por outro lado, há quem entenda que o art. 618, “b”, da CLT proíbe negociação coletiva sobre o salário mínimo. Há ainda questionamentos relacionados aos empregadores que ajustaram o salário de seus empregados ao mínimo previsto na Lei 14.432/2022 antes do deferimento da liminar proferida pelo STF. Nesta hipótese, indaga-se a respeito da possibilidade do empregador suspender o aumento concedido e retorno ao salário anteriormente praticado. Há entendimento no sentido de que a empresa que efetuou o pagamento do piso salarial antes da liminar concedido pelo STF, não poderia efetuar desconto do que lhe foi pago, embora possa suspender o pagamento do piso até definição pela Corte Suprema. Porém, ao que parece, neste caso, entende-se haver redução salarial vedada pelo ordenamento jurídico. Enfim, são muitas as questões relacionadas ao tema, ainda sem entendimentos consolidados a respeito e que deverão ser objeto de julgamento pelo STF, cabendo às empresas a adoção de cautela em relação à qualquer decisão a ser tomada. Rodrigo Silva Mello e Roberta Conti R. Caliman, sócios de Carlos de Souza Advogados, são especializados em Direito Trabalhista. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/09/23/piso-salarial-dos-profissionais-de-enfermagem-entenda-os-possiveis-efeitos-da-lei-suspensa-pelo-stf/
A pena de morte, também conhecida como pena capital é uma prática punitiva que sempre existiu no mundo em diversas culturas, sendo que, atualmente, alguns países ainda têm a sua aplicação como meio punitivo. Em suma, essa pena se traduz num processo legal (conforme entendimento jurisdicional de cada cultura), pelo qual um indivíduo paga a sua pena com a própria vida. Antes de discorrer sobre o tema central, mister abordar alguns assuntos introdutórios, mesmo que de forma sucinta, de como essa punição foi aplicada ao longo da história. Inicialmente, possível citar o Código de Hamurabi, norma conhecida mundialmente, tendo em seu escopo a pena capital em diversos tipos de crime, quando ainda vigente. Além desse exemplo histórico, necessário citar a Igreja Católica, que na idade média aplicava a pena de morte com a criação dos tribunais da Inquisição. Já com relação aos motivos que levavam o indivíduo a ser condenado à morte, dentre muitos, motivos religiosos, políticos, bem como punição para crimes qualificados como hediondos. Com relação ao modo da aplicação da pena de morte, pode/poderia ocorrer por câmaras de gás, crucificação, decapitação, eletrocussão, fogueira, forca, injeção letal, dentre diversos outros. Como mencionado, nos dias de hoje, ainda existem países que têm em seu ordenamento jurídico a aplicação da pena de morte, sendo diversos do continente asiático, bem como os Estados Unidos Já no Brasil, esse tipo de penalidade deixou de ser aplicada com a primeira Constituição Federal após a Proclamação da República, contudo, durante o governo militar, uma norma restabeleceu essa penalidade para punir atos terroristas. Passado isso, sob a Constituição Federal atual, de 1988, a pena de morte no Brasil, em regra, é vedada para crimes civis. Contudo, existe uma exceção para que seja possível a aplicação da dita pena, qual seja, em casos de crimes cometidos em tempos de guerra. Tal possibilidade está presente na Carta Magna de 1988, no título dos direitos e garantias fundamentais: Art. 5º – XLVII – não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; Art. 84 – XIX – declarar guerra, no caso de agressão estrangeira, autorizado pelo Congresso Nacional ou referendado por ele, quando ocorrida no intervalo das sessões legislativas, e, nas mesmas condições, decretar, total ou parcialmente, a mobilização nacional; Além da Constituição Federal, há previsão da pena de morte no Código Penal Militar, que enumera crimes que podem levar à punição pela pena capital: traição, espionagem, deserção, dentre outros. Percebe-se, assim, que, ao contrário do sentimento popular dominante, existem casos no Brasil que permitem a aplicação da pena de morte, apesar de, na prática, não se ter notícias de que a punição letal tenha sido aplicada nos tempos de democracia. Samuel Lourenço Kao Yien, associado de Carlos de Souza Advogados, atua na área de Direito Criminal. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/09/21/pena-de-morte-no-brasil/
O marketing multinível, ou marketing de rede, é um modelo de vendas em que um revendedor ganha uma participação nos lucros obtidos por si e por sua rede de revendedores. Trata-se, também, de uma modalidade de venda direta que se baseia no contato pessoal entre vendedores e clientes para transações de produtos e serviços. Sempre haverá alguém dizendo que o marketing multinível é um engano e que somente uns poucos ganham dinheiro. Mas eu ouso dizer que o marketing multinível é uma das mais brilhantes estratégias comerciais existentes. Todos os negócios trazem riscos. Para quem empreende, para os distribuidores e lojistas e também para os empregados. O Uber entrou na China e de lá saiu logo, sem sucesso. O Walmart, a maior rede varejista do mundo, patinou no Brasil por quase duas décadas e acabou vendendo as suas operações no país em 2018. Marketing multinível é um negócio totalmente legal e legítimo no Brasil, apesar de não haver uma legislação específica para o MMN. A propósito, este foi um dos principais motivos para que escrever o “Guia Jurídico do Marketing Multinível”: auxiliar empresas e operadores do MMN a conhecer os seus direitos. Não é admissível que um negócio decente de MMN, com boas intenções, torne-se refém de uma autoridade pública que, da sua cabeça, simplesmente ache que a empresa é uma pirâmide, sem que seja. Os direitos precisam ser respeitados! O direito é um ramo das ciências sociais cujo objeto de estudo são as normas obrigatórias que controlam as relações dos indivíduos em uma sociedade. É o conjunto de conhecimentos relacionados com as normas jurídicas determinadas por cada país. A Constituição da República Federativa do Brasil, ou simplesmente Constituição Federal, é a mãe de todas as leis. Nenhuma norma pode desdizer o que está estabelecido na Carta Magna. Ela é a guardiã dos direitos e deveres, tanto das pessoas naturais (ou físicas) como jurídicas, sejam de direito público, sejam de direito privado. E é a Constituição Federal que garante, como princípio fundamental, a livre iniciativa, no inciso IV do artigo 1º. Livre iniciativa significa que eu posso empreender em tudo aquilo que não for proibido expressamente por lei. Trata-se de um princípio considerado fundamento da ordem econômica, atribuindo à iniciativa privada o papel primordial na produção ou circulação de bens ou serviços, constituindo a base sobre a qual se constrói a ordem econômica, cabendo ao poder público apenas uma função supletiva, pois a Constituição Federal determina que ao Estado compete somente a exploração direta da atividade econômica quando necessária à segurança nacional ou relevante interesse econômico (CF, art. 173). Há alguns projetos de lei sobre o MMN tramitando no Congresso Nacional, liderados pelo PL 6667 de outubro de 2013, cujo objetivo é regulamentar o marketing multinível e estabelecer normas de proteção aos empreendedores. O PL está parado no Congresso desde 2014. No entanto, há partes do projeto que são inaceitáveis, verdadeiras aberrações. Destaco e comento dois pontos absurdos do Projeto de Lei. (1) para realizar atividade de marketing multinível, a operadora deve depositar plano de viabilidade econômico-financeira endossado por ao menos um banco comercial com rede de agências de ampla estrutura do território nacional. > meu comentário: o PL, neste particular, inviabilizará muitos empreendimentos de MMN. Qual a razão para isso? De quais empresas isso é exigido? A não ser bancos e seguradoras, nenhum outro segmento tem exigência sequer parecida. (2) Toda operadora de marketing multinível é obrigada a treinar o empreendedor em forma presencial e comprovar que o candidato obteve presença às aulas de no mínimo 90%, bem como aproveitamento na nota final de pelo menos 70%, sem o que não poderá ser acatada sua adesão à rede. > meu comentário: outra aberração. Isso é exigido para ser empregado de alguma outra empresa, seja comercial, industrial, financeira ou prestadora de serviços? A intromissão do Estado seria descabida e inconstitucional, uma afronta à livre iniciativa. Os deputados estão propondo excluir milhares de pessoas de suas atividades como líderes, divulgadores, afiliados ou participantes de rede. E a adesão on-line? Não será permitida? Um retrocesso. Defendo que o empreendedor, antes de dar início ao seu negócio que traga como estratégia o marketing multinível, implante o que intitulei Plano de Prevenção Jurídica – PPJ. A viabilidade jurídica que proponho, como parte do PPJ, vai além, muito além, da embalagem do negócio. É essencial se aprofundar no negócio; questionar todos os pontos; verificar se há brechas na operação; aferir a consistência financeira da empresa tomando por base os seus custos diversos, inclusive com bônus e premiações. Em tudo o que envolve o MMN, o cuidado a se tomar deve ser maior por conta de diversos problemas e da linha – às vezes tênue – que separa o marketing multinível de uma pirâmide financeira. Por essa razão, é essencial que empresários, líderes e demais operadores adotem medidas jurídicas preventivas e efetivos planos de legalidade. Sérgio Carlos de Souza, fundador e sócio de Carlos de Souza Advogados, autor dos livros “101 Respostas Sobre Direito Ambiental” e “Guia Jurídico de Marketing Multinível”, especializado em Direito Empresarial, Recuperação de Empresas e Ambiental. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/09/20/consideracoes-juridicas-sobre-o-marketing-multinivel-2/
Na semana passada, mais uma vez instado a se manifestar em um caso concreto de união estabelecida de modo paralelo ao casamento, o Superior Tribunal de Justiça consagrou a monogamia como elemento essencial desse instituto jurídico. Em recentíssimo enfretamento do sensível tema pela Terceira Turma do STJ decidiu-se por não reconhecer a união estável simultânea ao casamento, assim como a pretendida partilha de bens em três partes iguais, denominada “triação”, ainda que a união tenha se iniciado antes do matrimônio e tenha se estendido após este evento. Tal entendimento foi reafirmado em recurso especial interposto por uma mulher que conviveu três anos com um homem antes que ele viesse a contrair casamento e manteve o relacionamento estranho ao matrimônio por mais 25 anos, constituindo uma “família paralela” com dois filhos. Há detalhes, contudo, que precisam ser devidamente esclarecidos sobre tal decisão, a qual, apesar de consagrar o casamento monogâmico em nosso ordenamento jurídico, aplicou as regras específicas para o caso do concubinato, este sim aplicável quando da união estabelecida de modo paralelo. A Ministra Nancy Andrighi, ora relatora do caso, afirmou que “é inadmissível o reconhecimento de união estável concomitante ao casamento, na medida em que aquela pressupõe a ausência de impedimentos para o casamento, ou, ao menos, a existência de separação de fato”. O provimento do recurso foi parcial, pois a turma considerou que não há impedimento ao reconhecimento da união estável no período de convivência anterior ao matrimônio, quando, então, tal união se transforma em concubinato (simultaneidade de relações). Em suma, o que o STJ decidiu é que o reconhecimento da união estável pressupõe a ausência de impedimentos para que se estabeleça o casamento entre os conviventes. Naturalmente, que a hipótese da união com a pessoa separada de fato – quando o casamento, apesar de findo, não se dissolve pelo divórcio, estabelecida no art. 1.723, §1º do Código Civil – continua a ser amparada pelo ordenamento jurídico. Registre-se que o Supremo Tribunal Federal, quando do enfrentamento da questão, em sede de repercussão geral, assim se posicionou, destacando-se os dizeres do Ministro Alexandre de Moraes: “a preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1723, §1º do Código Civil, impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins previdenciários, em virtude da consagração do dever de fidelidade e da monogamia pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro”. Então, com tais posicionamentos surgem muitas dúvidas no que se refere ao destino dos envolvidos na relação paralela e quanto aos filhos, fruto deste relacionamento. Ao consagrar a monogamia como elemento essencial ao casamento estariam as cortes Superiores deixando de conceder a devida proteção à família “paralela”? Como fica a situação da(o) concubina(o) quando da dissolução desta união a respeito do patrimônio dos envolvidos? Pois bem: no caso concreto analisado, o STJ aplicou a Súmula 380 do STF, equiparando o Concubinato à sociedade de fato. Com efeito, a respeito do período posterior à celebração do matrimônio, a relatora entendeu pela partilha, desde que haja prova do esforço comum na construção patrimonial, adicionalmente apontou que, resguardado o direito da esposa à metade dos bens (meação), a partilha deve ser feita em liquidação de sentença, uma vez que as instâncias ordinárias não mencionaram se há provas da participação da recorrente (concubina) na construção do patrimônio ou quais bens fazem parte da meação da esposa. Assim, novo procedimento será iniciado nas instâncias ordinárias (onde o processo tramitou primitivamente) para se apurar de modo detalhado se há bens constituídos em comum entre a concubina e o seu parceiro, que é casado. Quanto aos filhos, não há dúvidas em afirmar que a proteção constitucional permanece inalterada e há igualdade entre todos, independentemente de sua origem (casamento ou concubinato), e todos os filhos terão a ampla e integral proteção que a legislação nacional lhes confere. No que toca à relação entre os concubinos, essa será regida pelo Direito das Obrigações, ou seja, mediante prova do esforço comum, o patrimônio adquirido por um dos concubinos poderá ser partilhado entre eles. Nesse caso aplica-se a regra do artigo 1727 – as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato – conjugando-se com o princípio da boa-fé. Chrisciana Oliveira Mello, sócia de Carlos de Souza Advogados, aluna especial do curso de mestrado em Processo Civil da Universidade Federal do Espírito Santo. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/09/19/stj-confirma-a-monogamia-como-elemento-essencial-ao-casamento/
Na cessão de direitos relativos a compromisso de compra e venda de imóvel não deve incidir o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI). Esse foi o resultado do julgamento do Agravo em Recurso Extraordinário (ARE) 1294969, julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2021. Após o julgamento, o Município de São Paulo apresentou embargos de declaração, cujo julgamento concluiu pela existência de matéria constitucional a ser apreciada. Portanto, o assunto voltará a ser julgado pelo STF. Inicialmente, o STF havia afirmado ser necessária a transferência de propriedade pelo registro imobiliário para incidência do ITBI. Nessa hipótese, as compras e vendas firmadas em contrato particular ou escritura pública, sem transferência no Registro de Imóveis, estariam excluídas da incidência do tributo. Deve-se registrar que, no julgamento do ARE, o Ministro Luiz Fux ressaltou o reiterado entendimento do STF no sentido de que o fato gerador do ITBI somente ocorre com a transferência efetiva da propriedade imobiliária, que se dá mediante o competente registro. Ora, o fato gerador do tributo é a transferência da propriedade que ocorrerá, efetivamente, quando levada a registro. É o que determina o Código Civil: “os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos”. Por essa razão, em casos recorrentes o STF entendeu que o ITBI não incide sobre a simples promessa de compra e venda de imóvel. E, diante da análise do sistema tributário, que não permite a alteração da definição, do conteúdo e do alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados em lei ordinária, no caso, o Código Civil. Inovar o conceito de transferência de propriedade não é permito, para fins tributários. A nova apreciação da matéria contribui para aumentar ainda mais a insegurança jurídica da tributação. Os contribuintes devem buscar o respaldo de uma decisão judicial para se protegerem de cobranças indevidas e aplicação de penalidades decorrentes do não pagamento do ITBI. Mariana Martins Barros é advogada tributária, sócia coordenadora da área tributária do Escritório Carlos de Souza Advogados e membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/ES. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/09/16/itbi-sobre-cessao-de-direitos-imobiliarios/
O período eleitoral é comumente marcado por exposições acirradas de propostas, ideias e ideologias políticas. Não raras vezes, de uma simples e pacífica explanação de pensamentos, surgem declarações fervorosas e duras críticas dirigidas aos candidatos. O debate político é um instrumento natural e democrático, porém, o ator político deve atentar-se para que as críticas proferidas a candidatos não extrapolem a esfera comum de confronto de pensamentos e ofendam direitos de personalidade previstos no Código Civil. Nesse sentido, a Lei Eleitoral assegura que não será tolerada propaganda que caluniar, difamar ou injuriar qualquer pessoa, garantindo o direito à obtenção de indenização, inclusive em face do partido político a que o ofensor estiver filiado, a depender dos fatos. O artigo 5º, IV da Constituição Federal garante o direito a livre manifestação do pensamento, e é nesse ponto que surgem dúvidas quanto aos limites dos embates políticos, podendo trazer àquele que critica um candidato, a sensação de esvaziamento da própria garantia de liberdade de expressão, princípio tão valioso ao desenvolvimento da democracia. Desta forma, torna-se fundamental sopesar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, que deverão ser analisados e aplicados caso a caso, para verificar se de fato foram atingidos e violados os aspectos mais íntimos da personalidade humana. Sendo assim, verificado no caso concreto que o conteúdo da opinião ou fala proferida tenha fugido da normalidade, causando vexame, dor, sofrimento ou humilhação, não há que se falar em direito à livre manifestação de pensamento, por restar caracterizada a violação a honra e imagem de outrem. Conforme exposto, cabe àquele que quer seguir a vida pública, suportar as duras críticas ao seu trabalho, não sendo permitido, contudo, que estas críticas venham disfarçadas de ofensas que caracterizam a injúria, difamação ou calúnia, uma vez que estas, enfraquecem o debate público, e por consequência, a democracia. Kézia Miez Souza, associada de Carlos de Souza Advogados e membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/ES, atua na área de Direito Tributário. Artigo publicado pelo Jornal Online Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/direito-ao-direito/2022/09/15/o-direito-a-honra-dos-candidatos-na-corrida-eleitoral/




