A Insolvência Transnacional no Ordenamento Brasileiro

O ordenamento jurídico brasileiro permite socorrer a insolvência de sociedade empresarial existente no exterior, a chamada insolvência transnacional? Essa é a pergunta que iremos responder ao longo deste ensaio. A Lei nº 11.101/2005, que trata da recuperação judicial, extrajudicial e falência no Brasil diz que o juízo do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil possui competência para homologar o plano de recuperação extrajudicial/deferir a recuperação judicial ou decretar a falência. O grande problema que se coloca é quando há, por exemplo, sociedade empresária que idealiza vencer a crise econômica e financeira instalada via pedido de recuperação judicial no Brasil, entretanto, seu principal estabelecimento se localiza fora dele. Alguém dirá que não há saída para este problema, sendo inviável o acionamento do Poder Judiciário canarinho para responder ao pleito, por falta de previsão na legal, porém, ousamos respeitosamente discordar deste raciocínio. Caminhou bem o legislador brasileiro ao franquear a aplicação subsidiária da Lei nº 13.105/2015 (popularmente conhecida como Código de Processo Civil) à Lei nº 11.101/2005. E porque isso é importante ao contexto deste ensaio? Porque na lei subsidiária há previsão nos seus artigos 21, II, 22, inciso III, de que a autoridade brasileira tem competência para processar e julgar ações cujas partes se submetam à jurisdição nacional. Portanto, na hipótese em que a sociedade for estrangeira com estabelecimento principal situado fora do Brasil, o pedido de recuperação poderá ser processado no Brasil, desde que ela se submeta às regras nacionais. Essa resposta positiva do ordenamento jurídico brasileiro à insolvência transnacional, inclusive nesta circunstância, encontra guarida no princípio da cooperação jurídica entre as nações. Convém salientar que há um esforço internacional para viabilizar este tipo de prática por parte da própria Organização das Nações Unidas (ONU), através do seu órgão United Nations Commission on International Trade Law (UNCITRAL), que editou lei modelo com escopo de tratar da crise da empresa transnacional, “cross-border insolvency”. Diante do que dissertamos aqui, sem exaurimento da matéria, é tranquilo extrair o entendimento de que o Brasil tem ordenamento jurídico bastante evoluído que lhe permite tratar da insolvência transnacional, afinado que está ao princípio da cooperação entre as nações, fazendo prova disto as várias decisões já prolatadas.

O Empregador Poderá Obrigar os Empregados a se Vacinarem Contra a Covid-19?

Com o início do processo de vacinação em alguns países que obtiveram autorização para o uso emergencial de algumas vacinas contra a covid-19, muito sem tem discutido a respeito da possibilidade do empregador obrigar seus empregados a se vacinarem, sob pena de sanções disciplinares, inclusive a dispensa por justa causa, máxime após a decisão do STF na última quinta-feira, (17/12) em que os Ministros decidiram, em resumo, que a imunização poderá ser obrigatória, desde que estados e municípios assim decidam. De acordo com a decisão do STF, é possível e constitucional que a União, estados ou municípios decidam que a vacinação é obrigatória, podendo impor, inclusive, medidas restritivas para aqueles que não tenham se vacinado, como forma de incentivo para uma imunização em massa e erradicação da doença, não podendo, contudo, tomar medidas tidas por invasivas ou mesmo de coerção, como, por exemplo, o uso da força física com ajuda da polícia. Sob o ponto de vista trabalhista, assunto que nos interessa no presente artigo, a questão atinente aos reflexos da decisão do STF sob o contrato de trabalho suscita várias dúvidas e não comporta, pelo menos nesse momento, um entendimento definitivo. Se por um lado, o empregador é responsável por manter um ambiente de trabalho sadio, livre de riscos, sob pena de, se assim não fizer, ser responsabilizado por eventuais danos causados aos seus empregados, por outro lado, há de se observar a liberdade individual do empregado e seu direito de, por questões pessoais, religiosas, ideológicas ou outras, não querer ser vacinado, sob pena de cometimento de abuso de poder, pelo empregador. Há quem entenda que, por ter o empregador a obrigação constitucional de zelar pela saúde de seus empregados, poderia exigir a vacinação do empregado, para evitar a contaminação pelos demais e, acaso o empregado se recuse injustificadamente, poderá ser punido, inclusive com a pena máxima de rescisão por justa causa. Há também os que entendem de forma contrária, ou seja, que inexistindo previsão legal específica, a dispensa por justa causa do empregado que se recusa a ser vacinado, fere sua liberdade individual, e não poderá ser elemento para justificar dispensa por justa causa. No entanto, entendemos que, se o empregador, por si só, não poderá exigir que seu empregado seja vacinado, na hipótese da empresa estar localizada em um estado ou município em que a vacinação, por decisão governamental, seja obrigatória, a empresa poderá sim exigir que o empregado seja vacinado, sob pena de que seja caracterizada a falta disciplinar do empregado. Nos locais em que a obrigatoriedade da vacinação, contudo, não for determinada, a empresa nada poderá fazer, devendo respeitar a liberdade individual de cada empregado, sob pena de cometimento de abuso de poder diretivo. Conforme mencionado acima, o tema é extremamente polêmico e, pelo fato de não haver previsão legal específica, um entendimento concreto e definitivo somente ocorrerá após a submissão da questão ao Judiciário.

Até Que Ponto Vai a Legítima Defesa?

Em fevereiro deste ano, no Paraná, um empresário matou um homem que tentava roubar uma moto na casa do empresário. De acordo com a Polícia Civil, o assaltante, que tinha quatro mandados de prisão em aberto contra ele, tentou furtar uma moto que estava na garagem, e o dono da casa atirou. Nesta última semana o empresário foi denunciado pelo Ministério Público pela prática de homicídio, mas a defesa dele alega legítima defesa para proteção do patrimônio. Até que ponto vai a legítima defesa? Segundo o Código Penal, não há crime quando o agente pratica o fato em legítima defesa, e é essa mesma lei que define ter agido em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. No caso específico citado, tanto a Polícia Civil como o Ministério Público do Paraná entenderam que, estando o assaltante do lado de fora retirando uma moto e o dono dentro da casa, na sacada, ao atirar, acertar na cabeça e provocar a morte do criminoso, o atirador excedeu os limites de uma legítima defesa, já que, na ótica das autoridades acusadoras, não havia risco contra a integridade física da família naquele momento, mas somente o risco da perda de um patrimônio. A discussão em torno do instituto da legítima defesa sempre existiu e é muito ampla. De um lado, a pessoa que alega ter cometido um ato para proteção de sua pessoa ou de outrem; de outro, a vítima que pode ter sido alvo de uma atitude excessiva. O que a Justiça tem entendido é que, para os casos de legítima defesa, não há uma receita pronta e cada caso precisa ser analisado em suas particularidades, de forma subjetiva. Aos olhos da Justiça, cada caso precisa ser examinado sob o ângulo de como se deu a interpretação – pela pessoa que supostamente se defendeu de forma legítima – da situação anterior ao crime como um risco intenso, em razão do perigo representado pela vítima naquele momento, do temor pela vida e de tudo o que girou em torno dos atos subsequentes Nesse contexto, deve-se observar que o reconhecimento da causa de isenção de pena da legítima defesa putativa demanda o erro plenamente justificado pelas circunstâncias, capaz de induzir o agente a supor uma situação de efetiva legítima defesa. Durante o processo, serão colhidas provas (imagens, testemunhas, reconstituição, documentos etc.) que precisarão demonstrar, de forma inquestionável, que de fato o acusado agiu em legítima defesa. Há muitos casos em que não é possível o acolhimento da legítima defesa putativa, pelo próprio juiz da causa, devendo a tese defensiva (nos casos em que o ato tiver provocado uma morte) ser apreciada pelo Conselho de Sentença, que é o júri popular. O Tribunal de Justiça do Espírito Santo tem sido muito rigoroso quanto ao acolhimento da tese de legítima defesa, especialmente em casos que resultarem em morte, como podemos ver em trecho de recente julgamento: “ (…) O reconhecimento da excludente de ilicitude da legítima defesa demanda segura e inquestionável comprovação da ausência de animus necandi, assim como, da utilização de meio moderado e proporcional para repelir agressão atual ou iminente. Havendo incerteza quanto à moderação do meio utilizado ou de ter o réu atuado repelindo injusta agressão, impossível o acolhimento imediato da excludente da legítima defesa (…)”.

Dispensada a Certidão Negativa para Homologação do Plano de Recuperação Judicial

Prevalece a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no sentido de que a apresentação de certidões negativas de débitos tributários não constitui requisito obrigatório para a concessão da recuperação judicial do devedor, conforme decidido no Recurso Especial REsp 1.187.404. O Ministro Dias Tofolli, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou seguimento à Reclamação RCL 43169 ao reconhecer que a controvérsia diz respeito a matéria infraconstitucional, sem que haja divergência com a jurisprudência do STF ou violação à Constituição Federal. Portanto, a inexistência de certidão negativa, que comprova a regularidade fiscal do contribuinte, ou a certidão positiva com efeitos de negativa, deixou de ser imprescindível para o processamento da recuperação judicial, conforme entendimento firmado pelo STJ. Necessário ressaltar que o objetivo da Lei nº 11.101/2005 é dar condições para que a empresa em débito supere a situação de crise econômico-financeira e mantenha suas atividades, os empregos que gera e as condições de pagamento de seus credores. É o princípio da preservação da empresa, expressamente disposto no artigo 47 da lei. Desse modo, a exigência de regularidade fiscal como pressuposto para o processamento da recuperação judicial, tal qual disposto nos artigos 57 da Lei nº 11.101/2005 e 190-A do Código Tributário Nacional, mostra-se incompatível com a finalidade da Lei nº 11.101/2005, cujo objetivo é permitir a negociação das dívidas de forma que seja possível o pagamento, inclusive, dos tributos em débito. Se o plano de recuperação está adequado, as chances de salvar o negócio aumentam e não pode ser o fato de existirem débitos fiscais o empecilho para o sucesso da recuperanda. Afinal, a Fazenda Pública possui prerrogativas para a cobrança de seus créditos, inclusive com a expropriação de bens em sede de execução fiscal e a exigência de certidão não tem o condão de fazer com que o contribuinte em débito e quase paralisado pela crise financeira pague os tributos vencidos. O reconhecimento do STF de que a matéria não comporta discussão constitucional, que fez prevalecer o posicionamento do STJ, pode ter um resultado positivo no cenário que se desenha, pois não é novidade que a recuperação judicial mostrou-se uma alternativa eficaz e necessária para o enfrentamento da conjuntura atual e o futuro incerto.

Empregador é Obrigado a Pagar Salários Após a Cessação do Benefício Previdenciário?

Muito se discute sobre a existência ou não de responsabilidade do empregador de pagar salários no período chamado de “limbo previdenciário” que nada mais é do que o período em o trabalhador não consegue reestabelecer benefício do antigo auxilio doença do INSS, hoje chamado de auxilio por incapacidade temporária, por entender a autarquia previdenciária, que o empregado encontra-se apto para o trabalho, muito embora discorde o empregado e algumas vezes o próprio empregador da decisão do INSS. Neste cenário, é corriqueiro que muitos empregados, julgando estar sem condições físicas de retornar ao trabalho, após a alta previdenciária, decidem, simplesmente, não comparecer mais para trabalhar, deixando a situação sem resolver, por anos. Da mesma forma ocorre com o empregador que não toma quaisquer medidas sobre o não comparecimento do empregado para reintegração no emprego. Essa inércia de ambas as partes é muito prejudicial, principalmente para a empresa, considerando que o entendimento pacificado no TST, foi no sentido de que o empregador é responsável pelo pagamento dos salários do empregado a partir da alta do INSS, quando não provado pelo empregador a recusa do empregado de voltar ao trabalho, ainda que seja considerado inapto pelo médico do trabalho, pois, nesta hipótese, com a cessação do benefício previdenciário, o contrato de trabalho voltou a gerar os seus efeitos. Esse entendimento foi manifestado pelo TST no julgamento do RR-502-88.2015.5.17.0009 em 21/07/2020. Fatalmente será muito custoso para empresa arcar com este tipo de condenação de pagar salários referentes à anos, com as correções, sem qualquer contraprestação laboral e as vezes até condenação por indenização por danos morais. Então, cumpre questionar qual deveria ser a conduta da empresa quando o empregado não retorna ao trabalho? Entende-se que a empresa deve se resguardar de provas, no sentido de que comunicou por diversas vezes o empregado para retornar ao trabalho e prestar serviços, em cumprimento à decisão do INSS que atestou a aptidão do empregado e, o empregado, por seu turno, se manteve inerte. Então, as ausências do empregado deverão ser computadas como faltas injustificadas (se o trabalhador não apresentou atestados médicos, por exemplo), e até mesmo, aplicar a justa causa por abandono de emprego, se for o caso. Neste sentido, já foram proferidas decisões que não condenaram as empresas no pagamento de salários, exatamente porque ficou devidamente provado que o empregado não demonstrou interesse no retorno ao trabalho, por isso, seria importante a empresa ter provas da convocação do trabalhador para realização do exame de retorno e assumir seu posto de trabalho. E se o empregado for impedido de retornar? Nesta situação, o empregado não pode ser impedido de retornar ao posto de trabalho, após a sua alta previdenciária e se assim for, deverá também demonstrar em juízo que a empresa recusou a sua reintegração ao emprego. Nesse contexto, ainda que a reintegração seja para posteriormente o demitir, se o empregado apto estiver, é necessária a realização da reintegração, exame demissional para o prosseguimento da demissão, mas lembrando que tal demissão poderá ser considerada ilegal se ficar provado por perícia médica judicial que o empregado não estava apto para ser demitido. De toda sorte, não podemos ignorar que medidas também podem ser tomadas contra a decisão ou decisões do INSS que insistem em considerar o trabalhador apto, mesmo que outros médicos, bem como exames refutem totalmente o entendimento do INSS. Se assim ocorrer, poderá ser movida ação em desfavor do INSS, visando o pagamento do auxílio por incapacidade temporária, pois o empregado, na condição de segurado, possui direito ao afastamento e recebimento de auxilio se incapacitado estiver.

‘Bigamia: Proibida por Lei’

Ontem o meu colega de Escritório, David Roque Dias, publicou neste Direito ao Direito um artigo com ótima análise jurídica sobre o julgamento que envolveu a disputa, entre esposa (união estável) e caso fora da relação conjugal, de pensão de homem falecido. O STF, como o David explicou, rejeitou o pedido de divisão da pensão do INSS feito pela pessoa que mantinha relação extraconjugal com o falecido. Vou acrescentar alguns outros aspectos ao assunto! O julgamento do Supremo Tribunal Federal teve um placar apertado, 6 a 5. Significa dizer que, dos onze ministros da mais alta corte brasileira, cinco entendem ser possível, para efeitos civis e previdenciários, a prática da bigamia. Essa ótica jurídica dos ministros vencidos é perigosa e, felizmente, foi derrotada. Pela visão dos ministros derrotados no julgamento, não existe nenhum tipo de problema (no caso específico, para fins de divisão de pensão por morte junto ao INSS) se uma pessoa possuir, ao mesmo tempo e de forma paralela, dois (ou, quem sabe, até mais…) casamentos ou uniões estáveis. Em outras palavras: a tese vencida tentou legalizar a bigamia, não sendo exagero dizer que faria o mesmo num caso mais extremo, de poligamia. Até alguns anos atrás era crime, no Brasil, a prática de adultério. Há inúmeros preceitos de cunho religioso e moral que rechaçam a relação afetiva fora do casamento. Vou me restringir às questões jurídicas. A Constituição Federal dá especial proteção ao casamento. A legislação insere, como um dos requisitos do casamento, o dever de fidelidade recíproca. A infração a este dever, no campo jurídico, não tem nenhuma consequência patrimonial e financeira. Contudo, a mesma legislação brasileira coloca, como um dos casos enumerados que impedem a realização de um casamento, a hipótese de um dos pretendentes já ser casado. Bem, se a legislação brasileira (e assim é na grande maioria dos países ocidentais) não admite celebrar casamento civil de pessoa que está casada, como poderia o STF querer inovar e permitir a bigamia para efeitos patrimoniais, como no caso de recebimento de pensão do INSS pelo fator morte? Se uma pessoa é casada (ou tem união estável, o que dá no mesmo juridicamente) com outra, há a expectativa de, quando ocorrer a morte de uma delas, a que permanecer viva terá direitos patrimoniais, inclusive pensão. Já a terceira pessoa, que sabidamente sabe que mantém um relacionamento paralelo e extraconjugal com alguém casado, tem plena ciência de que, em termos jurídicos, aquela situação não gera efeitos patrimoniais positivos para fins previdenciários. Um dos mais consagrados dispositivos legais brasileiros afirma que ninguém pode querer se escusar de cumprir a lei alegando desconhecê-la. O ministro que deu partida aos votos vencidos, Edson Fachin, assentou que, se a pessoa do caso extraconjugal agiu de boa-fé, teria que ter metade da pensão do INSS. Entretanto, ao contrário da tentativa do ministro de legislar, aqui não se trata de estar ou não imbuído de boa-fé, mas, sim, de já existir lei que claramente dispõe sobre o assunto e rechaça a bigamia.

É Possível Reconhecimento de Uniões Estáveis Simultâneas para Rateio de Pensão?

Imagine a seguinte situação: um homem manteve simultâneas e prolongadas relações equiparáveis à união estável com uma mulher e outro homem. Esta relação homoafetiva teria perdurado pelo menos 12 anos. Após a morte do companheiro, a mulher buscou a Justiça e obteve o reconhecimento judicial da união estável. Posteriormente, o outro parceiro também acionou o Poder Judiciário e obteve decisão de 1º grau que reconheceu a união estável. Indaga-se: é possível que a relação chamada “paralela” possa produzir efeitos previdenciários e concorrentes com aqueles oriundos de uma união estável preexistente e que se extinguiu pela morte do companheiro? A pensão deixada pelo falecido poderá ser dividida? Este caso foi submetido à apreciação do Supremo Tribunal Federal (RE 1.045.273/SE), que, em julgamento concluído em 14/12/2020, decidiu não ser possível o reconhecimento de duas uniões estáveis simultâneas para rateio de pensão. É importante esclarecer que, para que reste configurada a união estável, devem ser preenchidos alguns requisitos legais, quais sejam: a relação deve ser pública, contínua, duradoura, com o objetivo de constituir uma família, observando-se os deveres de lealdade, respeito e assistência, bem como da guarda, sustento e educação dos filhos, e, por fim, as partes não podem estar impedidas para o casamento. Preenchidos tais requisitos, a união estável poderá ser reconhecida, dando-se proteção estatal equiparada ao casamento, tanto nos direitos quanto nos deveres (artigo 226 da Constituição Federal). No que se referem aos direitos e deveres, cabe mencionar que quem está casado ou vive uma união estável não pode contrair novo casamento ou uma nova união estável, pois, em nosso ordenamento jurídico a bigamia é vedada (artigo 1.521, VI, do Código Civil), sendo até mesmo considerada conduta tipificada como crime (artigo 235 do Código Penal) Não raras as vezes, paralela e simultaneamente à união estável preexistente poderá haver outra relação com as mesmas características de uma união estável. Os Tribunais Pátrios, inclusive, já haviam enfrentado situações similares anteriormente, conferindo, em alguns casos a proteção e o reconhecimento de direitos da (o) companheira (o) do relacionamento paralelo. Acertadamente, com o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, a preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1.723, §1º do Código Civil, impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins previdenciários. Consagrou-se, portanto, o dever de fidelidade e da monogamia enraizado no ordenamento jurídico-constitucional brasileiro.

‘Divórcio – Animais de Estimação’

Quando um casal decide pelo divórcio, os assuntos que logo vêm à tona e são objeto de discussão, dizem respeito a bens, pensão alimentícia e filhos. No caso dos filhos, o casal precisa decidir tanto sobre a guarda como o regime de visitas. Havendo acordo entre marido e mulher, faz-se um divórcio consensual; não sendo possível o consenso, é aberto o processo litigioso. Mas há um item que, cada dia mais, vem se tornando presente em casos de divórcio: os animais de estimação. O Brasil é 4º país com a maior população de animais de estimação; e sobe para o 2º lugar quando incluídos somente cães, gatos e aves. Atualmente são cerca de 140 milhões de animais de estimação. Da mesma maneira como ocorre com os demais aspectos que envolvem um divórcio, o ideal é que marido e mulher (envolvendo a vontade dos filhos, claro!) também tenham consenso sobre quem ficará com o animal de estimação. A grande questão, contudo, é a seguinte: e se não houver acordo entre marido/mulher/filhos sobre quem ficará com o estimado companheiro? Seria possível envolver essa discussão dentro de um processo de divórcio litigioso ou mesmo numa cláusula do desfazimento amigável? Cabe levar ao juiz da causa o pedido para que a Justiça defina quem ficará com o bichano e como se dará o regime de visitas? Questão polêmica e controvertida. Alguns juízes entendem que não há como incluir o assunto “animal de estimação” num processo de divórcio; para esses juízes, tecnicamente, seria um pedido juridicamente impossível de ser apreciado, já que não há previsão em nenhuma lei específica a respeito do tema. Verdade que não existe lei específica sobre o tema; mas também não há nada que proíba que o debate faça parte de um processo de divórcio, inclusive no amigável, para dele constar como uma das cláusulas acordadas entre marido e mulher. Sendo assim, afirmo ser TOTALMENTE POSSÍVEL incluir os animais de estimação (moradia e regime de visitas) nas cláusulas de um processo de divórcio. E por que não seria possível, já que, normalmente, existe um grande afeto dos donos ao seu animal de estimação? Vou destacar parte de um julgamento que ocorreu no Tribunal de Justiça de São Paulo: “REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS – Animal de estimação -Trata-se de ação de regulamentação de visitas de animal de estimação, tendo a r. sentença indeferido a inicial por impossibilidade jurídica do pedido. Inconformado, apela o autor sustentando, em síntese, que: a) o tratamento da cadela como semovente é inadequado, porque, diante da indivisibilidade e infungibilidade do animal de estimação, torna-se impossível partilhá-lo ou compensar a sua perda em favor da companheira ré; b) o Poder Judiciário não pode deixar de analisar a questão por falta de legislação específica sobre o assunto. O recurso merece provimento. No caso dos autos, não há nenhuma lei vedando a pretensão. Ademais, embora ainda esteja longe de ser um posicionamento pacífico, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro já fixou regime de visitas envolvendo animal de estimação. Sendo assim, respeitada a convicção do MM. Juízo a quo, a r. sentença apelada deve ser cassada. Considerando que se trata de animal, não haverá estudo social ou psicológico. Além disso, o deslinde da causa não depende de perícia. Desse modo, a sentença será prolatada em pouco tempo.” (trechos)

É Inconstitucional a Constrição Extrajudicial de Bens do Contribuinte Devedor

Em julgamento realizado na última quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal – STF, declarou inconstitucional a possibilidade de a Fazenda Pública tornar indisponíveis bens dos devedores, em sede administrativa, para garantir o pagamento dos débitos fiscais. Seis ações diretas de inconstitucionalidade questionaram a constitucionalidade do artigo 25 da Lei nº 13.606/2018, no que acrescentou, na Lei nº 10.522/2002, o 20-B, § 3º, inciso II, o qual introduziu no sistema tributário a possibilidade de a Fazenda Pública, administrativamente, tornar indisponíveis os bens do contribuinte que, intimado, deixar de efetuar o pagamento do débito inscrito em dívida ativa no prazo de 5 dias. Em suma, foi atribuído ao órgão administrativo que constituiu o crédito tributário o direito de invadir o patrimônio particular sob o argumento de proteção do interesse público fiscal sem a contrapartida da proteção constitucional do patrimônio particular. De fato, a inovação legislativa trazida pela Lei nº 13.606/2018 representa clara violação ao direito de propriedade e sua função social previstos na Constituição Federal. Ao contribuinte é garantido o devido processo legal antes da privação de seus bens e o pronunciamento do Poder Judiciário sobre a decretação de indisponibilidade de bens com vistas à garantia do crédito tributário não pode ser afastado. Nesse ponto, vale menção o voto do Ministro Marco Aurélio no sentido de que “o sistema não fecha, revelando-se o desrespeito aos princípios da segurança jurídica, da igualdade de chances e da efetividade da prestação jurisdicional, os quais devem ser observados por determinação constitucional, em contraposição à ideia da ‘primazia do crédito público’”. Muitas vezes, o crédito tributário é constituído de forma indevida, seja por uma formalidade que deixou de ser cumprida no processo administrativo, seja pela ilegalidade ou inconstitucionalidade do tributo. O órgão administrativo, por sua vez, não adentra no exame da constitucionalidade da exação e constitui o crédito tributário. Nesse caso, o contribuinte terá o ônus de recorrer ao Poder Judiciário para afastar a cobrança e poderá ter seu patrimônio seja atingido antes que seja proferida uma decisão judicial. Ora, ainda que a Fazenda Pública tenha prerrogativas na cobrança de seus créditos, não se pode admitir a invasão do patrimônio particular sem o pronunciamento do Estado-Juiz. Assim, o reconhecimento da inconstitucionalidade da indisponibilidade administrativa de bens do devedor corrobora para conferir maior segurança jurídica relação entre Fisco e contribuintes e garantir a proteção constitucional da propriedade privada.

Responsabilidade Fiscal e Autonomia Entre os Poderes

A Lei Complementar (LC) 101/2000, mais conhecida como lei de responsabilidade fiscal, estabelece normas de finanças públicas e nasceu com a previsão no Art. 9º, parágrafo terceiro, em síntese, no sentido de que na hipótese dos Poderes Legislativo e Judiciário e o Ministério Público, não cumprirem as metas fiscais, ficaria o “Poder Executivo autorizado a limitar os valores financeiros segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias”. Contudo, em sede da ADI-MC 2.238, de relatoria do Ministro Ilmar Galvão, o STF, em decisão publicada em 12/03/2008, suspendeu a eficácia do dispositivo legal acima mencionado, sob o entendimento de que embora os estados da federação tenham personalidade jurídica única, há independência entre os seus três Poderes, não cabendo, portanto, que o Poder Executivo exerça ingerência sobre os demais, como previu o parágrafo terceiro do Art. 9º. da LC 101/2000. Inclusive, em 05/08/2020, em sede de Repercussão Geral (RE 770149 – Tema 743), o STF entendeu que “É possível ao Município obter certidão positiva de débitos com efeito de negativa quando a Câmara Municipal do mesmo ente possui débitos com a Fazenda Nacional, tendo em vista o princípio da intranscendência subjetiva das sanções financeiras”. Ao proferir as decisões acima mencionadas, o STF explicitou que a autonomia e independência entre os poderes devem ser respeitadas e, com base nisso, recentemente, mais precisamente no dia 27/11/2020, a Ministra Rosa Weber, em decisão monocrática deduzida em sede de pedido de tutela provisória, determinou, nos autos da Ação Cível Originária 3.443, proposta pelo Estado do Espírito Santo contra a União, que em processos de empréstimos relacionados na ação, o ente federativo se abstenha de negar ao Estado “autorização ou obtenção de garantias, em decorrência da extrapolação, pelo Poder Judiciário capixaba, do limite de gastos com pessoal”. Com isso o STF explicitou que a autonomia e independência entre os Poderes devem ser respeitadas, não sendo, realmente, crível que o não enquadramento de um dos (independentes) Poderes do Estado ao contexto da lei de responsabilidade fiscal, impacte na gestão dos demais. Salientamos que aqui não estamos fazendo qualquer juízo de valor dos motivos que conduziram o Poder Judiciário do Estado do Espírito Santo a não atender à previsão contida na lei de responsabilidade fiscal, consignada na já mencionada Ação Cível Originária 3.443.