Na última terça-feira, dia 25/08/2020 foi publicada a Lei n.º 14.046, que regulamenta o adiamento e o cancelamento de serviços, de reservas e de eventos dos setores de turismo e de cultura em razão do estado de calamidade pública decorrente da pandemia do novo coronavirus. Dentre as disposições, a lei dispensa empresas de turismo e cultura de fazer o reembolso imediato de serviços cancelados ou adiados em decorrência da pandemia, desde que assegurem: 1) a remarcação dos serviços, das reservas e dos eventos adiados; ou 2) a disponibilização de crédito para uso ou abatimento na compra de outros serviços, reservas e eventos disponíveis nas respectivas empresas. O consumidor deve estar atento, pois, a remarcação ou a disponibilização de crédito ocorrerão sem custo adicional, taxa ou multa ao consumidor, em qualquer data a partir de 1º de janeiro de 2020, e estender-se-ão pelo prazo de 120 (cento e vinte) dias, contados da comunicação do adiamento ou do cancelamento dos serviços, ou 30 (trinta) dias antes da realização do evento, o que ocorrer antes. A lei estabelece que a prestação do serviço – uma hospedagem, um show, uma viagem, cinemas ou teatros, por exemplo – poderá ser remarcada em até um ano após o fim da situação de calamidade pública, que se dará em 31 de dezembro de 2020, conforme disposto no Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020. O mesmo prazo se aplica para o uso do crédito concedido ao cliente, quando essa for a solução adotada. É importante mencionar ainda que artistas, palestrantes ou outros profissionais detentores de conteúdos já contratados até a data de edição da Lei n.º 14.046, e que forem impactados por adiamento ou por cancelamentos de eventos, incluindo shows, rodeios, espetáculos musicais e de artes cênicas, e os profissionais contratados para a realização desses eventos não terão obrigação de reembolsar imediatamente os valores dos serviços ou cachês, desde que o evento seja remarcado, no prazo de 12 (doze) meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública. Eventuais multas contratuais decorrentes de cancelamentos de shows, palestras, espetáculos musicais, entre outros eventos, serão anuladas enquanto vigorar o estado de calamidade pública (art. 4º, §2º). Vale lembrar que as novas regras valem para serviços de turismo, como meios de hospedagem, agências de turismo, transportadoras turísticas, organizadoras de eventos, parques temáticos e acampamentos turísticos, e de cultura, como cinemas, teatros, plataformas digitais de vendas de ingressos pela internet e artistas, além de estabelecimentos comerciais como restaurantes, bares e locais destinados a convenções e espetáculos. Embora não tenha agradado a muitos consumidores, a lei veio para trazer segurança jurídica para empreendedores e consumidores, tentando encontrar uma solução viável que minore os prejuízos causados pela pandemia para os dois lados.
Em meu último artigo, falei do acordo de leniência, das vantagens e desvantagens, mas essa não é a única via para o administrado transigir com a Administração Pública. Várias são as ferramentas que proporcionam ao administrado a possibilidade de firmar acordo com a Administração Pública, para pôr fim a conflitos. Nos últimos anos, é perceptível a transformação do sistema jurídico brasileiro para introduzir a consensualidade na solução de conflitos, e a Administração Pública, cada vez mais, tem interesse em ouvir o administrado. Vê-se uma transformação do direito público brasileiro, uma nova visão representada na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) e na Lei de Liberdade Econômica, publicada em 2019. Autoriza-se a celebração de negócio jurídico entre a Administração Pública e o administrado. A Lei da Ação Civil Pública prevê a possibilidade do Ministério Público e qualquer órgão público legitimado formalizar Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Por exemplo, a Lei 9469/97 prevê a possibilidade de acordo pela advocacia pública; a Lei 11.079/04, das parcerias público privadas, prevê arbitragem; o Código de Processo Civil prevê a possibilidade de criação de câmara administrativa de conciliação; o já falado acordo de leniência; delação premiada em casos de organização criminosa e; por fim, acordo de não persecução penal. É bom que fique claro que, mesmo para quem incorre em improbidade administrativa, é possível firmar acordo com a administração pública. É o caso da Lei 13.140/15, que dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública. Nela há previsão para, nas hipóteses em que a matéria objeto do litígio esteja sendo discutida em ação de improbidade administrativa ou sobre ela haja decisão do Tribunal de Contas da União, conciliação com anuência expressa do juiz da causa ou do ministro-relator. Outra questão digna de ser pontuada é que hoje é possível procurar a Administração Pública e buscar a melhor solução consensual. A LINDB prevê que, para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença, a autoridade administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e, quando for o caso, após realização de consulta pública, e presentes razões de relevante interesse geral, celebrar compromisso com os interessados. Também merece ser salientado que em matéria tributária há possibilidade de negociar o pagamento de tributos, ou seja, o contribuinte pode, sempre que autorizado por lei, solucionar seus débitos através da transação tributária. Em nível federal, há regulamentação para tanto, inclusive para empresas do simples nacional que tiverem débitos inscritos em dívida ativa. Empresas optantes por outros regimes de tributação e pessoas físicas também podem negociar seus débitos. Dependendo da modalidade, poderão obter descontos e parcelamento mais largo, dependendo da negociação feita com a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional. Como visto, o direito é uma ciência humana e, portanto, mutante e constantemente em evolução, de acordo com o amadurecimento da sociedade.
Neste mês, o Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP decidiu, por unanimidade, que a atriz e modelo Luiza Brunet não possui direito à metade do patrimônio do empresário com quem manteve um relacionamento. Cabia a ela comprovar que o relacionamento se constituía em uma união estável, para pudessem ser apurados os efeitos na esfera patrimonial no período em que se relacionaram, de 2012 a 2015. No entanto, o TJSP conclui que o casal manteve um namoro e não a união cujo reconhecimento pretendia a atriz/modelo, assim como os seus efeitos. Independentemente dos fatos que originaram o fim do relacionamento (pautado em alegações de agressões), a finalidade deste processo estava adstrita às consequências do convívio na esfera patrimonial do casal. Perceba que em tempos de pandemia e de isolamento social, alguns casais de namorados decidiram morar juntos. Pode-se então fazer uma pergunta: isso significa que o namoro teria evoluído para uma união estável? Trata-se de uma preocupação para muitos casais que optam por “dar este passo a mais” na relação. Para responder tal pergunta é necessário conceituar os dois tipos de relacionamento. Esclareça-se, de plano, que a união estável é caracterizada pela convivência pública, notória, contínua e com vontade de constituir família. Já o namoro qualificado se caracteriza por uma evolução do relacionamento, que adentra a uma nova fase, em que as pessoas estão juntas, desejam estar juntas, mas não têm a intenção de constituir uma família, pelo menos não ainda, naquele exato momento da relação. Portanto, o simples fato de se morar junto não caracteriza a união estável, ao passo que é possível morar em casas separadas e haver uma estabilidade da relação suficiente para caracterizá-la como união estável. Afinal, a significativa subjetividade que envolve o tema tem influenciado muitas pessoas a procurarem a Justiça para definir o tipo de relação e seus efeitos no patrimônio do casal. Em 2015, o Superior Tribunal de Justiça – STJ precisou enfrentar o tema e passou a entender que o “namoro qualificado” é aquele em que o casal até convive sob o mesmo teto, mas não enseja o direito de partilha dos bens adquiridos neste período por um dos namorados. Naquela oportunidade, o ministro Marco Aurélio Bellizze, da Terceira Turma do STJ, entendeu que não houve união estável, “mas sim namoro qualificado, em que, em virtude do estreitamento do relacionamento, projetaram, para o futuro, e não para o presente, o propósito de constituir entidade familiar”, e nem o fato de ter existido a coabitação do casal foi suficiente para evidenciar uma união estável, já que a convivência no mesmo imóvel se deu apenas por conveniência de ambos, em razão de seus interesses particulares à época. Assim, a situação examinada, da atriz Luiza Brunet, se caracteriza como um namoro qualificado, pois não estava presente a intenção de constituir família naquele momento do relacionamento. Com efeito, notou-se que, apesar de viverem sob o mesmo teto, se tratavam, eram conhecidos e reconhecidos no meio em que viviam apenas como namorados. Fato é que, em tempos de pandemia, a conveniência tem ditado a coabitação de alguns casais de namorados, o que não significa que tenham evoluído para uma estabilidade tal na relação que possa ser considerada união estável, com efeitos patrimoniais, e sim, na maioria dos casos, trata-se de um namoro qualificado, que progrediu para a coabitação diante do cenário inédito da Covid 19. Aconselha-se, inclusive, que o casal de namorados deixe isso bem claro para familiares, amigos e até nas redes sociais: a coabitação é, no momento, conveniente para o relacionamento, valendo destacar que alguns doutrinadores defendem a eficácia de um contrato de namoro que pode ser elaborado para assegurar a caracterização.
As medidas adotadas para o enfrentamento das situações de emergência de saúde pública decorrentes do vírus da Covid-19 (SARS-Cov-2), transformaram as relações econômicas, sociais e até mesmo trabalhistas. No âmbito das relações de emprego, a adequação à realidade do isolamento social ainda tem sido um grande desafio, tanto para as empresas quanto para seus empregados. A rotina dos trabalhadores já tem se mostrado mais flexível e, diante da implementação de novas fases para o retorno ao trabalho, muitos questionamentos têm surgido, ao passo que em algumas situações, poucas são as respostas. Neste contexto, dúvidas surgem acerca da necessidade de apresentação de atestado médico para abono das faltas no emprego, na situação em que o empregado é portador de COVID-19 ou até mesmo com mera suspeita de contaminação. De modo geral, o empregado quando é acometido por qualquer enfermidade que o impossibilite de prestar serviços, será afastado do trabalho por meio da apresentação de atestado médico. Afastado o empregado por doença, nos primeiros 15 dias de afastamento caberá ao empregador o pagamento de salários, e a partir do 16º dia o empregado receberá auxílio-doença a ser custeado pelo INSS, conforme perícia médica a ser realizada, oportunidade em que será avaliada a necessidade de afastamento por mais dias. Inexistindo esta necessidade, o empregado deverá retornar ao trabalho. Portanto, qualquer afastamento do trabalho, por motivo de doença, independentemente da natureza, incluindo para tanto a COVID-19, dependerá de atestado médico, com a indicação do período necessário de afastamento, visando o tratamento e recuperação do empregado. Não têm sido raros os casos em que empregados simplesmente informam às empresas que estão com sintomas da COVID-19, mas não dão sequência aos procedimentos previstos em lei para legitimar o afastamento. É bem verdade que existem as necessárias recomendações do Ministério da Saúde, com relação à COVID-19, no sentido de orientar o isolamento domiciliar em caso de constatação da doença ou até mesmo suspeita em razão de outro sintoma respiratório, bem como nos casos de contato com pessoas portadoras do vírus, residentes no mesmo local, ainda que o empregado esteja assintomático. Contudo, a necessidade de isolamento não exime a obrigação de apresentação de documento médico, determinando o isolamento e o afastamento por 14 dias. Há de se destacar que está permitida a telemedicina e este recurso pode e deve ser usado para o empregado legitimar a sua necessidade de afastamento. Recente decisão judicial publicada, revelou a necessidade de atestado médico para abonar faltas dos empregados durante a pandemia, conforme foi sentenciado pelo juízo da 30ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte/MG (0010213-25.2020.5.03.0109).
No dia 05/08/2020 o presidente Jair Bolsonaro sancionou a Lei nº 14.034, que dispõe acerca de medidas emergenciais que visam diminuir os danos causados pela pandemia da Covid-19 no setor de aviação civil. A nova lei, oriunda da MP 925/2020, prevê como uma de suas medidas, o reembolso do valor da passagem aérea ao consumidor pelo cancelamento de voo no período compreendido entre 19/03/2020 e 31/12/2020, no prazo de 12 (doze) meses, contados da data do voo cancelado. Em substituição ao referido reembolso, o consumidor poderá optar por receber o crédito de valor maior ou igual ao da passagem aérea, a ser utilizado, em nome próprio ou de terceiro, para a aquisição de produtos ou serviços pelo transportador em até 18 (dezoito) meses, contados da data de seu recebimento. Ainda, a lei prevê que, em caso de cancelamento de voo, a empresa aérea deve oferecer ao consumidor, além do reembolso, sempre que possível, as opções de reacomodação em outro voo, próprio ou de terceiro, e de remarcação da passagem área, sem ônus, mantidas as condições aplicáveis ao serviço contratado. De outro lado, o consumidor que desistir da viagem no período já mencionado, poderá optar pelo crédito de valor correspondente ao da passagem sem qualquer penalidade, devendo o reembolso ser concedido no prazo de até 7 (sete) dias, contados de sua solicitação. Importante ressaltar que o direito ao reembolso e/ou outras medidas aqui mencionadas, independem do meio de pagamento utilizado para a compra da passagem, que pode ter sido efetuada em pecúnia, crédito, pontos ou milhas. Por fim, a nova normativa estabelece que a indenização por dano moral em processos de consumidores ficará condicionada a provas pelo demandante, isentando as companhias áreas da responsabilidade de comprovar se foi caso fortuito (circunstâncias provocadas por fatos humanos que interferem na conduta de outro indivíduo) ou de força maior (circunstâncias provocadas por fatos/eventos que independem da vontade humana, como por exemplo, a pandemia da Covid-19).
O STF iniciou o julgamento virtual do Recurso Extraordinário – RE nº 592616, Tema 118 de Repercussão Geral, em que se discute a exclusão do Imposto sobre Serviço de Qualquer Natureza – ISS, da base de cálculo das contribuições para o PIS e COFINS. O ISS é o imposto que incide sobre a prestação de serviço e é cobrado pelos Municípios. Atualmente, as empresas de prestação de serviço recolhem e apuram o PIS e a COFINS com a inclusão do ISS na sua base de cálculo. No entanto, as referidas contribuições têm como base de cálculo o faturamento ou a receita, conforme previsto na Constituição Federal, mas a União Federal exige o recolhimento do PIS e da COFINS mediante a indevida inclusão na base de cálculo do ISS. A questão discutida é que o imposto não pode, obviamente, ser tomado como faturamento ou receita, representando tal inclusão um inegável desrespeito aos ditames da Constituição Federal e da própria legislação de regência. O voto do Ministro Celso de Mello, relator do RE nº 592616, divulgado na última semana, é no sentido de que o ISS, por não se incorporar ao patrimônio do contribuinte, não integra a base de cálculo das contribuições sociais referentes ao PIS e à COFINS. Esse foi o entendimento do STF no julgamento do RE 574706, em que se fixou a tese de exclusão do ICMS da base de cálculo das mesmas contribuições, pois a parcela correspondente ao recolhimento do imposto não se reveste nem tem a natureza de receita ou de faturamento, qualificando-se, ao contrário, como simples ingresso financeiro que meramente transita pelo patrimônio e pela contabilidade do contribuinte. O julgamento foi suspenso, mas há expectativa de vitória para os contribuintes. Importante ressaltar que os prestadores de serviço somente poderão excluir o ISS da base de cálculo do PIS e da COFINS mediante autorização judicial, que poderá ser obtida através da ação própria. Inclusive, poderão recuperar o que foi pago indevidamente nos últimos 5 anos.
A equipe econômica do governo federal prepara-se para implementar projeto que, na prática, acaba com o salário mensal e estabelece a precarização como regra: a remuneração passará a ser por hora. O ministro da economia, Paulo Guedes, pretende acabar com as férias remuneradas, 13º salário e FGTS no novo regime de trabalho. Inicialmente, é importante pontuar que essas mudanças dependerão de alteração pelo Poder Legislativo, sendo que alguns itens, como férias e FGTS, precisariam de emenda constitucional. Atualmente, o salário pode ser ajustado de diversas forma, tais como: i) por mês (forma mais comum); ii) por dia (diarista); iii) por hora (horista). A questão é que o ajuste entre empresa e empregado precisa ser fixado anteriormente, ao passo que, na proposta ventilada pelo governo federal, a ideia é não haver, ao menos para parte dos empregados de uma determinada empresa, o compromisso regular de trabalho. Ou seja, a empresa simplesmente poderia chamar (ou não!) o trabalhador para trabalhar em determinadas horas e pagar os valores respectivos. Hoje já é possível se estipular um salário proporcional à jornada de trabalho. Não há vedação legal na CLT sobre esse tipo de remuneração que, aliás, se revela mais justa. Isso porque, dois empregados que exerçam a mesma função para um mesmo empregador, sendo que um deles labora apenas 6h por dia e o outro 8h ao dia não podem ser remunerados com o mesmo salário, porque um deles trabalha 2h a mais do que o outro colega. Com relação à quantidade de horas de trabalho, a regra é de que a jornada normal de trabalho não deverá exceder 8h diárias (art. 58 da CLT). O limite semanal seria de 44h e o mensal de 220h. Há também a possibilidade de contratação do empregado em regime de tempo parcial, cuja duração não exceda 30h semanais, sem a possibilidade de horas extras. Também é considerada contratação em regime de tempo parcial a jornada não excedente a 24h semanais, porém, com a possibilidade de acréscimo de 6h extras semanais. A contratação por regime de tempo parcial o pagamento do salário será proporcional à jornada de trabalho. De acordo com o art. 58 da CLT, a jornada diária não poderá exceder 8h. Já conforme artigo 59 da CLT, a duração diária do trabalho poderá ser acrescida de horas extras não excedentes de 2h, através de acordo individual, convenção coletiva de trabalho ou acordo coletivo de trabalho. De forma excepcional, é possível se estabelecer, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva de trabalho ou acordo coletivo de trabalho, a jornada de 12 x 36, que consiste no trabalho por 12h, seguido de um período de descanso de 36h. Esse tipo de jornada de trabalho é muito comum nas categorias dos profissionais de saúde, como médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem. Também é muito comum no setor de segurança, como vigilantes, porteiros e outras atividades que demandem o trabalho de forma contínua. Há de se destacar o já em vigor trabalho intermitente, que é aquele que é prestado com subordinação, porém, de forma não contínua, alterando períodos de prestação de serviços e períodos de inatividade, determinados em horas, dias ou meses. Nesse tipo de contrato (intermitente), o empregador deverá convocar o empregado através de qualquer meio de comunicação eficaz (telefone, mensagem, e-mail, etc.) com, pelo menos, 3 dias de antecedência. O empregado recebe a convocação e tem o prazo de um dia útil para responder, presumindo o silêncio como recusa.
O Ministério Público do Espírito Santo (MP-ES), por meio da Promotoria de Justiça da Infância e Juventude de São Mateus, anunciou ter proposto uma Ação Civil Pública (ACP) contra a pessoa de Sara Fernanda Giromini, também conhecida como Sara Winter. Segundo o MP-ES, ela teve acesso, de forma ilegal, a detalhes do caso da menina de 10 anos que foi violentada pelo tio e acabou engravidando. Acrescenta o MP-ES que, além do acesso ilegal, Sara Winter veiculou vídeo nas redes sociais, divulgando expressamente o nome da criança e tornando público o endereço do hospital onde ela passaria por um procedimento de interrupção da gestação indesejada. Quais os crimes que, em tese, essa senhora teria cometido? Como funciona a chamada Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público? Assegura o Estatuto da Criança e do Adolescente o direito ao respeito, e este direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais. Tendo havido infração contra o dever de respeito a uma criança, como aconteceu no caso da menina de 10 anos que foi estuprada, cabe ao Ministério Público promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais da criança. De fato, a divulgação do nome da criança e do local em que a criança faria a intervenção cirúrgica, visando criar constrangimento e manifestações envolvendo um menor protegido pelo nosso ordenamento jurídico, constitui-se em ato infracional que prescinde de apuração pelas autoridades e ajuizamento da respectiva medida que, ao final das apurações, se mostrar cabível. Outra questão colocada é: como essa pessoa teve acesso ao nome da criança e dados sobre ela, considerando que o caso está sob segredo de justiça? Alguém que detém a informação (talvez algum servidor público que atua no caso) pode ter divulgado, indevidamente, as informações para Sara Winter, e o divulgador poderá ser enquadrado no crime de violação de segredo profissional, estabelecido pelo artigo 154 do Código Penal. Já a denominada ativista, se obteve o acesso às informações através de invasão de sistema, poderá responder pelo crime de invasão de dispositivo informático, na forma do artigo 154-A do Código Penal. As apurações que estão sendo realizadas pelo Ministério Público certamente descobrirão como foi obtido o acesso às informações sobre a menina de 10 anos que foi violentada, o que possibilitará processar e condenar os culpados. A proteção à criança e ao adolescente está garantida pela Constituição Federal, nos termos do estabelecido no artigo 227: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
O sistema jurídico brasileiro impede que dívida insignificante possa ensejar a falência empresarial, e essa regra ganha musculatura com a Recomendação nº 63 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a qual prevê, acertadamente, a relativização da falência neste período de pandemia, devendo ser considerado como caso fortuito ou de força maior o “descumprimento” do plano de recuperação judicial. Mas, o que se pode entender como dívida insignificante que não pode ensejar a ruína de um negócio? A resposta é encontrada de forma clara no artigo 94, I da Lei nº 11.101/2005, que diz que a falência poderá ser decretada quando, sem relevante razão de direito, o devedor não paga, no vencimento, a obrigação líquida devidamente comprovada, cuja soma ultrapasse o equivalente 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência. Portanto, a voz da lei existente no Brasil sobre o assunto declara expressamente que, a dívida inferior a 4 (quatro) dezenas de salários-mínimos é insignificante, e por isso mesmo impassível de conduzir a empresa à bancarrota. Entender diferentemente disso geraria a banalização do processo falimentar, além de gerar grande instabilidade social, uma vez que uma das maiores garantias da lei é exalar segurança jurídica, o que é representado na previsibilidade da sua aplicação sem distorções na sua interpretação literal. Abre-se um adendo neste ponto, para aclarar que, da mesma forma que dívida pequena não pode gerar processo falimentar, este também não poderá ser requerido ao juiz como forma de substituir meios ordinários de cobrança do devedor, como o ajuizamento judicial de ações de cobrança e de execução. E tudo isto tem uma finalidade, na verdade uma importantíssima garantia, qual seja, a de que o maior dogma da Lei nº 11.101/2005 não é possibilitar o aniquilamento da empresa em crise, mas antes de qualquer coisa lhe conceder meios efetivos para sair dela, contribuindo à sua recolocação como player de mercado, o que só é possível porque o legislador se preocupa com a identificação e superação dos motivos da insolvabilidade econômica e financeira.
A sociedade está em choque com o estupro de uma criança de 10 anos em São Mateus. Como se não bastasse o horror de uma criança ser submetida a essa barbaridade, o crime ainda causou gravidez na vítima. A partir daí, instalou-se um debate que, ao menos momentaneamente, saiu do campo da barbárie do estupro em si – que tem como suspeito um tio da menina – e direcionou-se para o direito que a criança teria ou não em realizar um aborto. A legislação brasileira classifica o aborto como crime, de acordo com o Código Penal, seja ele praticado pela própria grávida ou por outra pessoa com o consentimento da gestante. O Código Penal, contudo, traz duas hipóteses que permitem o aborto realizado por um médico: (i) se não houver outro meio de salvar a vida da gestante, que é chamado de aborto necessário; e (ii) se a gravidez resultar de estupro e o aborto for precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. Além das duas hipóteses acima, em 2012 o Supremo Tribunal Federal, instado a se manifestar num julgamento envolvendo o aborto, interpretou também não ser crime a intervenção para interromper a gravidez de feto anencéfalo. Portanto, são estas três as hipóteses do que se convencionou chamar de aborto legal, ou seja, que não será caracterizado como prática criminosa. No caso da indefesa criança de São Mateus, tão logo a família descobriu que ela estava grávida, recorreu à Justiça para obter autorização judicial para realizar a intervenção. Um juiz de São Mateus autorizou prontamente o aborto, determinando que a criança fosse submetida ao procedimento de melhor viabilidade para preservação de sua vida, pelo aborto ou interrupção da gestação por meio de parto normal imediato. Aqui vale uma reflexão: se o Código Penal autoriza o médico a realizar o aborto em tais circunstâncias, por qual razão foi necessária uma medida judicial? Quando a gestante (ou a família, no caso de uma menor) alega ter sido vítima de estupro, é comum e justificável o médico querer uma ordem judicial antes de realizar o procedimento. É que, neste caso, o crime ainda será investigado e o médico, caso não tenha uma autorização da Justiça, poderá estar exposto se, ao final, uma versão diferente vier à tona. O caso da criança de São Mateus teve um episódio adicional: com a autorização judicial em mãos, a família levou a criança para o HUCAM, em Vitória, que não quis fazer o procedimento alegando que a gestação já estava com 22 semanas e o feto com peso acima de 500 gramas, o que, segundo o HUCAM, contrariaria uma nota técnica do Ministério da Saúde. Um médico de Pernambuco, porém, prontificou-se e já realizou a intervenção exitosa. Qual atitude médica está errada? A equipe do HUCAM não seria obrigada a realizar o procedimento em face da ordem judicial? A despeito dos debates que fogem da análise jurídica, o fato é que, legalmente, nenhuma das duas atitudes médicas está errada. Os médicos de Pernambuco agiram sob o abrigo de uma ordem judicial e, portanto, estão totalmente seguros. Nenhuma nota técnica pode se sobrepor a uma ordem judicial. Ou seja, nenhum tipo de acusação de ferir a lei pode vir contra os médicos pernambucanos. Por seu turno, os médicos daqui do HUCAM, em que pese a autorização judicial, entenderam que, tecnicamente, a intervenção seria extemporânea. Subjetividade técnica, aceitável. Segundo entendimento do Conselho Federal de Medicina, do ponto de vista jurídico, a lei não estabelece limites para a idade gestacional, isto é: aborto é a interrupção de gravidez com intuito de morte do concepto, não fazendo alusão à idade gestacional. Do ponto de vista médico, entretanto, aborto é a interrupção de gravidez até a 20ª ou 22ª semana, ou quando o feto pese até 500 gramas ou ainda quando o feto mede até a 16,5 cm. Entende ainda o Conselho de Medicina, que o médico exerce a medicina de forma ética, quando respeita a lei e os direitos reprodutivos de seu paciente, sendo de seu direito recusar-se à realização de atos médicos que embora permitidos por lei sejam contrários aos ditames de sua consciência.

