Atuação das Agências Reguladoras

A presença e o papel das agências reguladoras são um importante indicativo do avanço econômico e democrático de um país. Tira-se a atuação direta do Estado, que é muito lenta e burocrática, e se transfere para uma agência autônoma, em tese muito mais ágil, especializada e desprovida de interesses políticos. Em linhas gerais, as agências reguladoras são pessoa jurídica de direito público interno, criadas por meio de lei, cuja função é a de regular e fiscalizar as atividades de determinado setor privado do país. As agências reguladoras são conceituadas como sendo autarquias sob regime especial, criadas para regular um setor específico da atividade econômica, e surgiram num momento em que havia forte presença do Estado brasileiro no gerenciamento da economia. Até então, o Estado desempenhava de forma direta serviços públicos de regulagem de mercado, o que na prática não funcionava e deixava a engrenagem míope e ineficaz. O modelo anterior era falido e já não dispunha de qualquer tipo de autoridade e respeito. São essas as agências reguladoras estabelecidas no Brasil: Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel); Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP); Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel); Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa); Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS); Agência Nacional de Águas (ANA); Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq); Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT); Agência Nacional do Cinema (Ancine); Agência Nacional de Aviação Civil (Anac); Agência Nacional de Mineração (ANM); e o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). Entre as principais funções de uma agência reguladora, estão: levantamento de dados sobre o mercado de atuação; elaboração de normas disciplinadoras para o setor regulado; fiscalização dessas normas; defesa de direitos do mercado consumidor; e gestão de contratos de concessão de serviços públicos delegados. Outra função essencial é receber e processar denúncias contra as empresas operadoras no respectivo mercado, o que é feito através da abertura de um processo administrativo que pode resultar na aplicação de multas e até penalidades mais severas, como a suspensão ou interdição da empresa. Um dos fundamentos mais importantes da atuação de uma agência reguladora é a sua independência da administração pública direta. Já que é criada por lei, a agência deve seguir o seu curso institucional de forma autônoma e no estrito cumprimento das normas legais, visando gerar um ambiente de negócios mais saudável, propício aos investimentos e que salvaguarde o mercado consumidor. Contudo, volta e meia uma autoridade política, querendo aumentar o seu poder, que já é muito grande, tenta minar a atuação autônoma e independente das agências reguladoras, esforçando-se para interferir naquilo que deveria ficar longe dos holofotes políticos. Para se ter uma ideia, os nomes indicados por partidos políticos ainda são maioria nos cargos de confiança (os que não dependem de concursos públicos) das agências. Isso está errado. A atuação de uma agência reguladora deve ser eminentemente técnica, buscando preservar a segurança do mercado e não travar o dinamismo que dele se espera. Destinado exatamente a impedir a ingerência política nas agências reguladoras, a Câmara Federal deu andamento ao Projeto de Lei 6.621, de 2016, que dispõe sobre a gestão, a organização, o processo decisório e o controle social das agências reguladoras. Grande esperança se depositou sobre essa proposição legislativa, já que aparentava ser uma aliada da modernidade regulatória. Entretanto, depois de diversos debates e da apresentação de substitutivos, o projeto foi aprovado pela Câmara com contornos que acabaram por trazer um grande retrocesso à atuação das agências reguladoras. Darei dois exemplos. Se por um lado o artigo 3ºdo PL assegura à agência reguladora ausência de tutela ou de subordinação hierárquica, autonomia funcional, decisória, administrativa e financeira, por outro o parágrafo segundo desse mesmo artigo diz que a autonomia administrativa está condicionada a uma série de autorizações do Ministério do Planejamento. Isto significa que a agência reguladora terá amarras junto ao universo político, o que desfigura a sua autonomia e independência. Pior do que o já citado dispositivo, é aquele que vem no artigo 4º do Projeto de Lei 6.621: a agência reguladora deverá observar, em suas atividades, a devida adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquela necessária ao atendimento do interesse público. Essa norma tem ação direta na aplicação de sanções e decisões administrativas. O que exatamente pode vir a significar interesse público? A resposta vai depender de a quem você fizer a pergunta. Direitista, esquerdista ou centrista, cada um terá o seu conceito de interesse público. Quem vai dizer o que é interesse público diante de uma ação concreta de uma agência reguladora? O ente político que estiver governando naquele momento? A esperança agora está depositada no Senado Federal, que receberá a redação final do PL aprovado pela Câmara para deliberação por aquela Casa Legislativa. Torçamos para que o Senado Federal tenha um melhor entendimento e mude o curso tortuoso que se imprimiu ao tema.

Suspensão de Documentos

Durante muitas décadas o Brasil foi tido como um país fácil para os que não queriam pagar suas dívidas. Bastava não pagar, ir contestando a questão na Justiça e o processo se arrastaria durante anos até o credor desistir. Esse cenário realmente perdurou durante muito tempo, e foi péssimo para o país. Quem deve tem que pagar. Ressalvado ao suposto devedor, é claro, o direito de impugnar o mérito da dívida em si e alguma abusividade que tiver ocorrido. Nos últimos tempos várias medidas foram sendo adotadas pelo legislador e pelas próprias autoridades, criando mecanismos de cobrança mais efetiva de dívidas. Bloqueio generalizado de contas correntes e veículos; alienação de imóveis no financiamento imobiliário, com a possibilidade de o credor tomar o imóvel no caso de inadimplência, sem que precise entrar na Justiça; protesto de débitos fiscais. Essas medidas melhoraram em muito o ambiente de negócios no Brasil. Aquele que investe quer ter a segurança de que, caso alguém que adquira o bem comercializado não pague o valor acordado, o investidor terá meios de retomar o seu crédito, seja em dinheiro ou através do próprio bem. A eficácia legal na cobrança de débitos é vital para o crescimento econômico, a realização de investimentos e a segurança jurídica. Dentro dessa linha, o Código de Processo Civil, atualizado em 2015, trouxe algumas normas muito importantes. Entre essas está o inciso IV do artigo 139 – O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária. Prestação pecuniária significa pagamento de algum valor, ou cumprimento de obrigação de pagar uma dívida. A recente lei trouxe uma novidade subjetiva, aberta. O que seriam medidas indutivas e coercitivas para assegurar o pagamento de uma dívida? Como o legislador não se ocupou em particularizar essas medidas, publicada a nova legislação, os debates começaram no meio jurídico e empresarial. Opiniões as mais diversas e extremas. Umas das correntes de interpretação levou a inúmeras ordens judiciais de suspensão de passaporte e carteira de habilitação. Os defensores desse pensamento dizem que, se a pessoa tem dívidas e não consegue pagar ao credor, como ela vai ficar viajando mundo afora? Dirigir um carro? Absolutamente não! Se o cidadão não paga a sua dívida, ele também não pode se dar ao luxo de conduzir um veículo. Vamos então suspender o direito de ele viajar para fora do país e de dirigir! Por mais absurda que possa parecer essa visão do assunto, o fato é que ela se fez valer. Felizmente, no entanto, os tribunais brasileiros começaram a se posicionar em sentido contrário, revogando decisões de juízes que suspenderam o passaporte e a CNH de devedores. Não há como se sustentar esse tipo de restrição injusta e desmedida. Impedir a pessoa de dirigir e viajar para o exterior por causa de uma dívida não paga, equivale a um perigoso retrocesso na ordem democrática. O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, no Rio Grande do Sul, foi firme ao mudar uma ordem judicial de primeira instância, sustentando que, apesar de o artigo 139, inciso IV, do NCPC dispor que incumbe ao juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária, as medidas pretendidas pela exequente (suspensão da CNH, apreensão dos passaportes e cancelamento dos cartões de crédito dos executados) não se conformam aos ditames da proporcionalidade. De fato, os meios propostos não se mostram adequados, necessários ou proporcionais (stricto sensu) à finalidade visada, qual seja, o pagamento da dívida. A apreensão dos passaportes, por exemplo, não é capaz de ensejar a satisfação do crédito – por outro lado, atenta de forma grave contra o direito à liberdade de locomoção assegurado constitucionalmente. O Superior Tribunal de Justiça – STJ também já se posicionou pela total impossibilidade de mera suspensão de passaporte e CNH para forçar o devedor a pagar uma dívida: “Noutro ponto, vale frisar que o reconhecido do mérito da inovação e fato de as regras modernas de processo, instituídas pelo código de 2015, preocuparem-se, primordialmente, com a efetividade da tutela jurisdicional, não é menos certo que essas novas diretrizes, em nenhuma circunstância, se dissociarão dos ditames constitucionais, constatação que remete à ideia de possibilidades de implementação de direito (cumprimento) que não sejam discricionárias (ou verdadeiramente autoritárias), por objetivos meramente pragmáticos, de restrição de direitos individuais. Vale dizer, pois, que a adoção de medidas de incursão na esfera de direitos do executado, notadamente direitos fundamentais, carecerá de legitimidade e configurar- se-á coação reprovável, sempre que vazia de respaldo constitucional ou previsão legal e na medida em que não se justificar em defesa de outro direito fundamental”. Cobrar uma dívida é direito pleno do credor, mas abusar desse direito não pode ser admitido pelo nosso ordenamento jurídico.

Penhora de Previdência Privada

A oferta de planos de previdência privada complementar existe há muitos anos. Mas nos últimos anos esse mercado [de previdência privada] teve um grande crescimento quantitativo e, ainda mais, de importância perante a sociedade. Os motivos? É fácil explicar! A previdência pública, gerida pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, entrou num círculo vicioso de mudança de regras e insustentabilidade. A partir de frágeis gestões, a previdência social se tornou um dos maiores problemas nacionais, tanto para o governo como para os que já recebem ou esperam receber os seus benefícios. O déficit anual é astronômico. No passado o teto do benefício era de vinte salários mínimos; veio para dez e depois para cinco. E não se sabe para onde vai caminhar. Diante do caos e da insegurança e almejando manter, na idade mais avançada ou na doença, uma renda perto da que se tem, a previdência privada complementar adquiriu uma importância quase que indispensável para parte da sociedade brasileira. A previdência privada, em termos normativos, tem previsão constitucional a partir do artigo 202 da Carta Maior: “o regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar.” A lei complementar foi editada em 2001. CUIDADO! Importante destacar que, apesar de todas as amarras regulatórias e reservas técnicas exigidas das empresas de previdência privada, não se pode ter como impossível que uma delas fique insolvente em algum momento e deixe clientes sem os seus benefícios. Uma das aparentes seguranças da previdência complementar era a de que os valores do fundo de reserva, a exemplo dos salários, seriam impenhoráveis. Essa ideia se baseava no Código de Processo Civil, precisamente em seu artigo 833: São impenhoráveis: IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal. As contribuições para a previdência complementar ficam em um fundo, que vai se formando até que, dentro da data contratada, o beneficiário comece a receber o valor mensal numa espécie de “aposentadoria” particular. Considerando que a lei proíbe a penhora de proventos de aposentadoria, o entendimento prevalente, ao longo do tempo, sempre foi no sentido de que aquele fundo não poderia ser alvo da ação de um credor. Exemplificando: a) uma pessoa, aos 30 anos de idade, adere a uma previdência complementar e passa a contribuir com 1000 reais por mês, para se aposentar com 60 anos de idade numa renda vitalícia estimada em 2000 reais mensais; b) aos 40 anos de idade o contribuinte tem já um fundo de 80 mil reais; c) mesmo que essa pessoa se visse envolvida em dívidas, o fundo de 80 mil reais jamais poderia ser objeto de penhora por parte dos credores, já que estaria destinado a proventos de aposentadoria. MUDANÇA DE ENTENDIMENTO DA JUSTIÇA Mas a situação mudou! Os tribunais brasileiros, inclusive o Superior Tribunal de Justiça, pacificaram o entendimento de que é possível penhorar os valores do fundo de uma previdência complementar. E como ficará a situação do contribuinte, a sua futura aposentadoria privada caso isso aconteça? Simplesmente deixará de existir, total ou parcialmente, a depender do percentual da penhora. A eventual penhora do fundo da previdência complementar não ocorrerá de forma automática, sem critérios. O juiz da causa, para decidir se determina ou não a penhora, deverá analisar cada caso concreto de forma particular. A decisão de penhorar ou não dependerá, essencialmente, da situação do beneficiário / devedor. Se ficar demonstrado que o plano de previdência é apenas um investimento, haverá a penhora; ao contrário, ficando evidenciado que o devedor depende, para sua futura sobrevivência, da aposentadoria gerada pela previdência complementar, o juiz não permitirá a penhora. Transcreverei um trecho de decisão do Superior Tribunal de Justiça sobre o assunto: “A impenhorabilidade dos valores depositados em fundo de previdência privada complementar deve ser aferida pelo Juiz casuisticamente, de modo que, se as provas dos autos revelarem a necessidade de utilização do saldo para a subsistência do participante e de sua família, caracterizada estará a sua natureza alimentar”. Há casos em que pessoas, amedrontadas por dívidas que poderiam ceifar seus bens, simplesmente abrem contas de previdência complementar na tentativa de impedir penhoras. Isso não mais se sustenta.

Lavagem de Dinheiro

Ao completar 20 anos, a Lei de Lavagem de Dinheiro [nº 9.613/98] merece alguns comentários. Após duas décadas, quais os resultados da lei sobre lavagem de dinheiro? Essa lei dispõe sobre crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores. Sua principal finalidade foi estabelecer um eficiente instrumento na luta contra o crime organizado. Promover o combate sistemático de algumas modalidades mais frequentes de criminalidade organizada em nível transnacional. Em 1992, na XXII Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos, nas Bahamas, aprovou-se o “Regulamento-Modelo sobre Delitos de Lavagem Relacionados com o Tráco Ilícito de Drogas e Delitos Conexos”. Nesse documento, recomendatório para o continente americano, buscou-se harmonizar as legislações nacionais relativas ao combate à lavagem de dinheiro. Foram denidos padrões à repressão e à prevenção do crime de lavagem de capitais. também foram elencados os delitos relacionados e, bem assim, para a criação de um órgão central, em cada país, destinado a combatê-lo. No caso do Brasil, esse órgão foi o COAF, criado exatamente pela Lei no 9.613/98. Preliminarmente à edição da lei agora vintenária, em 1995, o Brasil esteve presente em importante decisão, na Conferência Ministerial sobre Lavagem de Dinheiro e Instrumentos do Crime, em Buenos Aires. Assinou a Declaração de Princípios do Comitê de Supervisão Bancária da Basileia, que apresenta uma série de princípios orientadores e regulamentadores das atividades bancárias mundiais. O objetivo é de proteger e reforçar a estabilidade nanceira em nível internacional. A tipicação legal ao que cou conhecido como crime de lavagem de dinheiro, consiste em ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal, os converte em ativos lícitos. Quem adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta, transfere, importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros. Da mesma forma, a lei prevê igual punição às pessoas que utilizarem, na atividade econômica ou nanceira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal. Ou ainda participarem de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes. MEDIDAS JUDICIAIS Considerando a natureza do crime, a lei também determinou que, havendo indícios sucientes de infração penal, o juiz poderá decretar medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores do investigado ou acusado, ou existentes em nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes apurados. Outro destacado mecanismo trazido pela lei foi atribuir responsabilidade a pessoas físicas e jurídicas na identicação dos clientes e manutenção dos registros de todas as operações, de modo a comunicarem toda e qualquer operação nanceira atípica. A participação do Brasil no cenário internacional também tem se mostrado relevante nos últimos anos, através da cooperação entre autoridades, que trouxe resultados expressivos no cumprimento de cautelares patrimoniais. Em matéria penal, o maior número de cooperações jurídicas internacionais está relacionado aos crimes nanceiros, lavagem de dinheiro, corrupção e tráco de drogas. Em matéria cível, os pedidos estão relacionados ao direito de família e questões societárias. FASES DA LAVAGEM Muito proveitosa a colaboração de Ana Paula Kosak ao articular sobre as três fases da lavagem de dinheiro: “Em sede doutrinária, a complexa dinâmica do branqueamento de capitais é subdividida em três fases: ocultação, dissimulação e integração dos bens, direitos ou valores à economia formal. Na ocultação, o objetivo principal consiste em inserir o ativo na economia formal, afastando-o da origem ilícita, de modo a dicultar o rastreamento do crime. A segunda fase da lavagem, denominada de dissimulação, estraticação ou escurecimento, consiste no ato – ou conjunto de atos – praticados com o m de disfarçar a origem ilícita do ativo, com a efetivação de transações, conversões e movimentações várias, que distanciem ainda mais o ativo de sua origem ilícita. A fase derradeira da lavagem consiste na integração dos benefíciosnanceiros como se lícitos fossem. Nessa etapa, o dinheiro é incorporado na economia formal, geralmente através da compra de bens, criação de pessoas jurídicas, inversão de negócios, tudo com registros contábeis e tributários capazes de justicar o capital de forma legal”. O delito de lavagem de capitais não se trata do mero exaurimento do crime, ou seja, não se trata de aproveitamento de riqueza oriunda da infração penal anterior. Se não houver a maquiagem, ou, em outras palavras, uma nova roupagem para o valor ilícito, não há que se falar em lavagem de capitais. Em recente caso o Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo assim decidiu: […] o fato de o réu ter adquirido veículo próprio, aplicado o dinheiro em conta própria e reformado a sua residência com a quantia proveniente do tráco de drogas não é suciente para comprovar a intenção de ocultar a origem da quantia ilícita, tratando-se de mero aproveitamento econômico do crime. […] [Julgamento realizado em 09 de agosto de 2017 – Primeira Câmara Criminal – Relator: desembargador William Silva]

Bloqueio de Bens sem Ordem Judicial

No dia 10 de janeiro de 2018, foi publicada a Lei Ordinária nº 13.606, que trouxe em seu bojo alteração da legislação tributária e conferiu à Fazenda Pública Nacional a possibilidade de averbar a indisponibilidade de bens dos contribuintes devedores nos órgãos de registros de bens e direitos. De acordo com a nova lei, após a inscrição em divida ativa do débito, o devedor será notificado para pagá-lo em cinco dias, acrescido de juros, multa e encargos a que estiver sujeito. Caso não seja efetuado o pagamento neste prazo, a Fazenda Pública poderá comunicar a inscrição em dívida ativa aos bancos de dados e cadastros de proteção ao crédito como SERASA, SPC e outros. Além da providência acima, a Lei nº 13.606/2018 permite que a própria Fazenda Pública, administrativamente e antes de qualquer procedimento de cobrança judicial, promova a indisponibilidade de bens da pessoa apontada como devedora, seja jurídica ou física, através da averbação da certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos. Segundo a nova lei, a indisponibilidade de bens poderá ser efetivada independentemente de análise e determinação judicial. Na realidade, será anterior à distribuição da execução fiscal, que veicula a cobrança dos créditos da Fazenda Pública perante a Justiça. No entanto, sabe-se que a indisponibilidade constitui verdadeiro ônus e impede a alienação ou transferência de bens. Em termos práticos, a medida impede que a pessoa apontada pela Fazenda Pública como devedora disponha de seus bens antes de iniciada a execução fiscal, o que constitui mais um meio gravoso e indireto para compelir o contribuinte a pagar o tributo, prática já rechaçada e sumulada pelo Supremo Tribunal Federal – STF. Embora prevista em lei, a indisponibilidade de bens antes de iniciado o processo judicial e sem a análise e determinação de um juiz, viola direitos e garantias dos contribuintes, tais como o livre exercício da atividade econômica, a livre iniciativa e o direito de propriedade. Além disto, a Constituição Federal garante que ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal. É inaceitável invadir o patrimônio do contribuinte sem dar a ele o direito de se defender. Ressalte-se que a indisponibilidade de bens está normatizada no Código Tributário Nacional e foi amplamente debatida pelo Poder Judiciário. O Código só permite o decreto de indisponibilidade de bens (i) no curso da execução fiscal, (ii) após a citação do devedor, (iii) quando não houver pagamento, e (iv) não forem encontrados bens penhoráveis. É o que se depreende do artigo 185-A. No mesmo sentido é a Súmula 560, resultado de amplo debate no âmbito do Superior Tribunal de Justiça – STJ, segundo a qual “a decretação da indisponibilidade de bens e direitos, na forma do art. 185-A do CTN, pressupõe o exaurimento das diligências na busca por bens penhoráveis, o qual fica caracterizado quando infrutíferos o pedido de constrição sobre ativos financeiros e a expedição de ofícios aos registros públicos do domicílio do executado, ao Denatran ou Detran”. Outro ponto questionável é o fato de tratar-se de uma lei ordinária, ao passo que a Constituição Federal determina que normas gerais de direito tributário devem ser objeto de lei complementar, inclusive quando se trata de crédito tributário. Sob esta ótica, a alteração do Código Tributário – norma que recebeu status de lei complementar pela Constituição Federal – por uma lei ordinária, é inconstitucional. Atualmente, aguarda-se a regulamentação da Lei nº 13.606/2018 para que a indisponibilidade de bens seja efetivada no âmbito administrativo. No entanto, trata-se de medida inconstitucional que viola o ordenamento jurídico vigente. Inclusive, há notícia de ações que discutem a constitucionalidade da lei, impetradas no STF. Assim, os contribuintes que forem alvos de decreto de indisponibilidade de bens nos termos da Lei nº 13.606/2018 deverão buscar no Poder Judiciário a proteção de seus bens e direitos através de ações judiciais que visem a suspender o ato praticado pela Fazenda Pública.

Sucessão na Recuperação Judicial

O mínimo que um empreendedor ou investidor espera do seu negócio é o retorno do capital aplicado. Óbvio que qualquer negócio tem riscos e não há como o empresário prever o comportamento futuro do seu empreendimento, seja a curto, médio ou longo prazo. No Brasil, contudo, além de todos os riscos inerentes a qualquer empresa, deve-se acrescer o nefasto ambiente de negócios. Por ambiente de negócios, entende-se a percepção que o mercado tem da conveniência de empreender, em sentido macro e também nas questões particulares e específicas de cada caso. Segundo ranking do Banco Mundial, o Brasil ocupa o vergonhoso 116º lugar entre 189 países quando se trata de ambiente de negócios. O estudo do Banco Mundial aponta vários entraves que posicionam o Brasil em lugar tão ruim, mesmo possuindo o oitavo PIB do planeta. Alguns entraves que fazem o nosso ambiente de negócios ser tão desfavorável: demora na abertura de uma empresa; barreiras regulatórias exageradas; inexplicável burocracia para obtenção de alvarás e licenças, inclusive ambientais; intrincado sistema tributário. Em 2005, com a promulgação da Lei de Recuperação Judicial [Lei 11.101], uma luz de esperança foi acesa entre os diversos aspectos e reformas que podem melhorar o ambiente de negócios no país. A esperança veio na possibilidade de aquisição, por terceiros, de unidades produtivas das empresas em recuperação judicial sem que o adquirente fosse arrastado como responsável por dívidas do devedor, inclusive de ordem trabalhista. Até então, na legislação anterior que estabelecia como alternativa para reestruturação empresarial a concordata preventiva, as unidades produtivas ociosas iam se deteriorando até nada mais valerem. Galpões, parques industriais, equipamentos e tantos outros itens de produção tinham, na lei antiga, a sua morte já previamente decretada, caso estivessem ociosos parcial ou totalmente. Nenhum empresário em sã consciência, sob o medo de ser tido como sucessor da empresa em dificuldades financeiras, tinha coragem de adquirir uma unidade produtiva da concordatária. A empresa devedora, por seu turno, não tinha chance de arrecadar algum valor com a venda da unidade produtiva, o que poderia ajudar em sua reestruturação. A nova norma trouxe [ou parecia ter trazido] a solução para isto: Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 – Lei de Recuperação Judicial Art. 141. Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais, promovida sob qualquer das modalidades de que trata este artigo: II – o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho. Lendo esse trecho da lei em si, acima transcrito, tinha-se a impressão de que a modernidade negocial, ao menos nesse particular, havia finalmente chegado ao país. Entretanto, na prática não foi isto o que ocorreu. Com o pesado defeito de querer legislar sem que seja de sua competência, a Justiça Trabalhista, na caneta de muitos juízes e tribunais passou a negar eficácia à própria norma votada pelo Congresso Nacional e promulgada pelo Presidente da República. Rasgando a Constituição Federal e a divisão tripartite dos Poderes, essa visão míope de parte do Judiciário trouxe insegurança jurídica. Quem se arriscaria a adquirir uma unidade produtiva de uma empresa em recuperação judicial, sabendo que um juiz ou tribunal trabalhista poderia fazer com o que o comprador daquela unidade produtiva viesse a ser responsabilizado por dívidas da empresa em recuperação judicial? Qual seria o custo para conduzir a defesa de incontáveis ações trabalhistas inesperadas? Foi neste sentido equivocado que alguns tribunais foram decidindo ao longo dos anos, contra a lei e a modernidade. Como o Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais: Não há falar em óbice à sucessão trabalhista em caso de aquisição judicial de Unidade Produtiva Isolada, desde que haja continuidade da mesma atividade econômica pelo adquirente. (TRT 3ª R.; RO 0011562-13.2015.5.03.0053; Rel. Des. José Eduardo de Resende Chaves; DJEMG 15/04/2016) Ou o do Rio Grande do Sul: A sucessão da primeira reclamada, nos termos dos artigos 10 e 448 da CLT, os quais vinculam o empregado à unidade econômica, assegura, primeiramente, a continuidade do emprego e, ainda, estende à unidade econômica adquirente a responsabilidade pelos efeitos presentes, passados e futuros dos contratos de trabalho. […] Assim, mantém-se a sentença que reconhece a responsabilidade da segunda reclamada. (TRT 4ª R.; RO 0020293-78.2016.5.04.0782; Quarta Turma; Rel. Des. André Reverbel Fernandes; DEJTRS 29/09/2017; Pág. 183) Felizmente, depois de muitas idas e vindas e grande debate país afora, finalmente o Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, agora em 2017, decidiu que a adquirente de unidade produtiva não pode ser responsabilizada por dívidas trabalhistas da empresa vendedora que estiver em recuperação judicial. A decisão ocorreu no processo de recuperação judicial da empresa aérea VARIG, que teve uma unidade produtiva adquirida pela TAP Manutenção e Engenharia. A TAP vinha sendo reiteradamente responsabilizada por dívidas trabalhistas da VARIG, em desacordo com a lei. O entendimento consolidado do Tribunal Superior do Trabalho reafirma a determinação da Lei de Recuperação Judicial, e acompanha entendimento do Supremo Tribunal Federal. A decisão do TST foi dada como recurso repetitivo, servindo de precedente para os demais casos e empresas. A decisão do Tribunal destacou que “o arrematante não é sucessor nas obrigações do devedor”. Com esse entendimento agora pacificado, espera-se que haja mais movimentação negocial envolvendo unidades produtivas de empresas em recuperação judicial. Isto é bom para o mercado e também para os credores. Se uma empresa está enfrentando dificuldades e tem que recorrer à proteção contra credores através de uma recuperação judicial, as suas unidades produtivas que não estiverem sendo utilizadas, podem [e devem] ser entregues ao mercado, em processo de venda onerosa, com o que a demanda continuará a ser atendida e, mesmo que em outro local, haverá a preservação de frentes de trabalho.

Gerenciamento de Riscos Legais

Toda empresa é cercada de riscos, nos mais diversos aspectos. A começar pelo risco comercial, que é intrínseco ao negócio em si. O risco comercial envolve: (i) aceitação do produto ou serviço pelo mercado; (ii) logística para entrega do produto ou serviço; (iii) concorrência já estabelecida e surgimento de novos concorrentes; (iv) perda de relevância do produto ou serviço; (v) aumento desproporcional dos custos de produção; (vi) amarras regulatórias; (vii) fatores naturais. Os riscos comerciais podem estar muito longe do poder de controle do empresário ou gestor. Um incêndio ou inundação que cause perdas na produção e interrompa o funcionamento de uma fábrica; uma nova legislação que imponha uma série de restrições ao produto ou serviço, ou que simplesmente proíba a comercialização; um concorrente capitalizado e com custos muito mais baixos. São exemplos de situações que podem surgir de forma inesperada. Contudo, há um sem número de ocorrências que podem ser previstas pela empresa e tratadas através de um Programa de Gerenciamento de Riscos Legais, de maneira preventiva. Esse modelo de prevenção é o oposto da cultura corretiva, de submissão a penalidades, permissiva. Algumas grandes empresas possuem comitês de auditoria e regulação, visando à prevenção e gestão de riscos legais. Como na maioria das empresas isto representa um custo insuportável, uma alternativa factível que surge é contratar profissionais que implantem e acompanhem um Programa de Gerenciamento de Riscos Legais. Esses profissionais terão que ser advogados que possuam conhecimento multidisciplinar e que, acaso necessário, serão auxiliados por outros experts (engenheiros, contadores, administradores etc.). Quais aspectos legais devem ser contemplados por um eficaz Programa de Gerenciamento de Riscos Legais? Principalmente: (i) contratual; (ii) societário; (iii) regulatório; (iv) fiscal; (v) tributário; (vi) ambiental; (vii) trabalhista; (viii) relações de consumo; (ix) concorrencial; (x) criminal; (xi) marcas e imagem; (xii) anticorrupção. Segundo pesquisa feita pelo ACI Institute, 41% dos encarregados no gerenciamento de riscos em empresas que contam com respectivos comitês, apontam a falta de eficiência empresarial na tarefa de identificar, mitigar e evitar riscos. Foram entrevistadas 800 empresas em 42 países. O principal objetivo de um Programa de Gerenciamento de Riscos Legais é aferir se a empresa está cumprindo adequadamente as normas e regras que incidem direta ou indiretamente sobre as suas atividades. O Brasil é um país com uma infinda quantidade de leis, decretos, portarias e resoluções. Alguns conflitam entre si. Como temos assistido, nem mesmo o Supremo Tribunal Federal consegue se entender sobre questões que nos parecem tão claras. O que esperar, portanto, dos milhares de serventuários públicos que, mesmo (em tese) com a melhor das intenções estão sujeitos a interpretar uma norma de maneira completamente equivocada? É comum vermos empresas se tornarem completamente inviáveis e insustentáveis, indo velozmente em direção à falência, diante da aplicação de um auto de infração impagável; ou de uma ação trabalhista cuja condenação ultrapasse todos os parâmetros e não encontre explicação; ou de embargos regulatórios que acabam por fechar as portas da empresas. Isto não é fantasia. É a mais pura realidade. O empresário que nunca se deparou com algo semelhante, certamente conhece alguém que já viveu essas agruras. Vejamos o exemplo da operadora de telefonia Oi: de uma dívida total de 64 bilhões em sua recuperação judicial, mais de 12 bilhões (20%) são de multas da Anatel, por descumprimento de normas que deveriam ter sido observadas. Um Programa de Gerenciamento de Riscos Legais poderia evitar esse cenário! Um risco comum é a questão societária. Hoje tudo pode estar indo bem. A empresa, porém, pode ter os seus picos, de prosperidade ou míngua. Tanto em um caso como em outro podem surgir conflitos entre os sócios. Da mesma forma ocorrendo a morte de um deles ou a aproximação de um filho no dia a dia dos negócios. Tudo isto traz riscos à empresa, que precisam ser gerenciados preventivamente. Através de um Programa de Gerenciamento de Riscos Legais, a empresa faz uma radiografia avançada de todos os seus possíveis gargalos, e em seguida são abertas as frentes de ação para mitigar, corrigir e eliminar os riscos e passivos. Gerenciamento de Riscos está relacionado à cultura da prevenção e cautela, e deveria ser item obrigatório da agenda dos empresários.

Recuperação Extrajudicial

O que fazer quando uma empresa se vê diante de uma profunda crise econômico-financeira? Antes de responder à pergunta, é importante distinguir a crise econômica da crise financeira. A crise financeira, em sua essência, está relacionada à incapacidade de que os compromissos sejam honrados naquele momento e da forma como foram assumidos. Já a econômica vem ligada a questões comerciais, operacionais e mercadológicas. Quando as duas se unem há então a crise econômico-financeira. Para o descompasso financeiro a nossa legislação tem mecanismos de proteção e recuperação das empresas; para a crise econômica, não. Contudo, embora a lei não proteja a crise econômica de forma direta, o faz indiretamente quando traz meio de proteção da crise financeira, o que acaba reforçando o caixa e abrindo caminhos para ressuscitação também econômica. Posto isto, podemos responder à pergunta e relacionar os principais métodos de reestruturação legal de empresas: [a] Renegociação geral de débitos; [b] Recuperação judicial; [c] Recuperação extrajudicial. Falaremos aqui especificamente sobre a recuperação extrajudicial. Apesar de ser um meio eficaz de reestruturação de empresas, ainda é pouco usado pelos empresários brasileiros. Ao contrário da recuperação judicial, a extrajudicial requer menos formalismos e não traz riscos de uma falência, caso dela não resulte êxito. Na recuperação extrajudicial não há assembleia de credores. O custo é bem menor, em todos os níveis, já que não requer custas processuais [forenses] iniciais e nem despesas com administrador judicial. A recuperação extrajudicial é uma negociação direta entre devedor e seus credores e contempla todas as dívidas abrangidas pela recuperação judicial, com exceção dos débitos trabalhistas. Da mesma forma como na judicial, a recuperação extrajudicial não poderá realizar o pagamento antecipado de dívidas nem tratamento desfavorável aos credores que a ela não estejam sujeitos. Nessa negociação, sem ser necessário ingressar na Justiça, o devedor percorre os seguintes passos: [a] elaboração de relatório contendo todos os seus débitos sujeitos à recuperação: bancos, fornecedores etc.; [b] abertura de um diálogo oficial com os credores anunciando que está em procedimento de recuperação extrajudicial; [c] negociação de novos termos de pagamento, incluindo abatimento de valores [deságio], carência, prazos elastecidos e redução de juros futuros; [d] tendo êxito nessa negociação, o devedor assina um Plano de Recuperação Extrajudicial com os credores; [e] apresentação do Plano de Recuperação Extrajudicial ao juiz, para que este proceda à homologação. Na recuperação extrajudicial, em princípio nem o seu curso tampouco o pedido de homologação do plano de recuperação extrajudicial acarretam suspensão de direitos, ações ou execuções, nem a impossibilidade do pedido de decretação de falência pelos credores não sujeitos ao plano de recuperação extrajudicial. Apenas quando homologado o plano é que toda a dívida nele incluída ficará sujeita aos novos termos negociados. Entretanto, há precedentes judiciais que impuseram a suspensão de ações visando preservar a empresa enquanto não concluída a recuperação extrajudicial, como nesta decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo – julgado em 22/2/2017 – Recuperação extrajudicial. Grupo Colombo. Decisão que determinou a suspensão das ações de despejo ajuizadas contra as recuperandas. Agravo de instrumento de locador. “Stay period”, que visa à preservação da atividade empresarial, em benefício dos credores e das recuperandas. Ações de despejo que podem causar impactos diretos na reestruturação do grupo de empresas, uma vez que atingem bens essenciais ao desenvolvimento das atividades econômicas das recuperandas no varejo. Aplicabilidade do período de suspensão às ações de despejo por falta de pagamento, porquanto se trata de obrigações sujeitas à recuperação e demandas que se fundamentam em dívida líquida. Competência do juízo recuperacional para apreciação de todas as medidas que possam atingir o patrimônio social e os negócios jurídicos das empresas em reestruturação, de modo a assegurar o cumprimento do princípio inscrito no art. 47 da Lei de Recuperações e Falências. Relevância dos pontos comerciais explorados pelas recuperandas, essenciais ao desenvolvimento das atividades comerciais e ao sucesso do plano de reestruturação. Manutenção da decisão agravada. Agravo de instrumento a que se nega provimento. O plano de recuperação extrajudicial obriga a todos os credores por ele abrangidos, desde que assinado por credores que representem mais de 3/5 (três quintos) de todos os créditos de cada espécie por ele alcançados. Uma vez homologado o plano de recuperação extrajudicial, as dívidas vencidas se tornam vencíveis nos prazos combinados. Nesse momento o devedor poderá ver retiradas todas as restrições cadastrais: protestos, SERASA, SPC, execuções etc. O plano poderá abranger a totalidade de uma ou mais espécies de créditos previstos na lei, ou grupo de credores de mesma natureza e sujeito a semelhantes condições de pagamento, e, uma vez homologado, obriga a todos os credores das espécies por ele abrangidas, exclusivamente em relação aos créditos constituídos até a data do pedido de homologação. As dívidas tributárias e fiscais [impostos, taxas, multas] não farão parte do Plano, sendo, porém, possível que o devedor as negocie nos moldes dos parcelamentos que, à época, estiverem disponíveis por força de lei. Para a homologação do Plano de Recuperação Extrajudicial o devedor deverá juntar: petição expondo a sua situação patrimonial; demonstrações contábeis relativas ao último exercício social e as levantadas especialmente para instruir o pedido; e a relação nominal completa dos credores, com a indicação do endereço de cada um, a natureza, a classificação e o valor atualizado do crédito, discriminando sua origem, o regime dos respectivos vencimentos e a indicação dos registros contábeis de cada transação pendente. Recebido o pedido de homologação do plano de recuperação extrajudicial, o juiz ordenará a publicação de edital no órgão oficial e em jornal de grande circulação nacional ou das localidades da sede e das filiais do devedor, convocando todos os credores do devedor para apresentação de suas impugnações ao plano de recuperação extrajudicial, tendo os credores prazo de 30 dias para impugnarem o plano. Havendo impugnação, em seguida será aberto prazo de 5 dias para que o devedor sobre ela se manifeste. Por fim, o juiz apreciará todas as questões e homologará ou não o plano. Não havendo sucesso do […]

Tutela Ambiental

Necessário se faz voltar no tempo. Nos primórdios as pessoas se organizavam em famílias, ou clãs. Depois vieram as tribos e grupos. As organizações foram mudando à medida do crescimento das populações e dos diversos interesses geopolíticos, econômicos, de defesa ou simplesmente pelo desejo de poder. Chegamos então a nações, países, províncias, cidades, continentes, comunidades, mercados e um sem número de nomenclaturas. Esse modelo de convivência gerou diversas necessidades para imposição da ordem e urbanidade, o que se traduziu em leis e no modelo tripartite de poder. Ainda no século XVIII Montesquieu escreveu “O Espírito das Leis”, pregando a ideia de estados divididos em três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Pelo modelo tripartite ficaria viável tutelar os interesses das populações e, naturalmente, tutelar as próprias pessoas. Adotada mundo afora, a tutela estatal é exercida por diversos agentes locados nas três esferas de poder, de acordo com as suas competências específicas. Tutelar vem da ideia de proteger, vigiar ou defender alguém ou algo mais fraco ou frágil. Importante destacar a tutela jurisdicional que, “numa definição sintética, é a função do Estado de dirimir, pacificar e, por conseguinte, resolver conflitos que surgem no seu âmbito de atuação político-jurídico seguindo um procedimento de aplicação de leis aos casos concretos de modo a aproximar-se o máximo possível de um decisum justo.”[i] Em sintonia com essas considerações, podemos afirmar que tutela ambiental é a proteção jurídica conferida ao bem ambientalmente protegido – bens, recursos e serviços ambientais naturais. Entre estes: recursos naturais, florestas, reservas minerais, fauna, águas, ar, radiação solar, som e os diversos sistemas em que se vive o conjunto de características físicas, químicas e biológicas que influenciam a existência de uma espécie animal ou vegetal. Essa tutela é imposta basicamente pelas três divisões de poder: [1] o Legislativo em suas diversas Casas, com a competência de elaborar as leis; [2] o Executivo, que é quem aplica as normas positivadas; e [3] o Judiciário, que apreciará os conflitos que advierem das relações existentes a partir dos outros dois níveis. As principais leis brasileiras que tutelam as relações entre o homem e o meio ambiente são: Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional de Meio Ambiente; Lei 7.735, de 22 de fevereiro de 1989, que criou o Instituto Nacional do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA; Lei 7.797, de 10 de julho de 1989, que criou o Fundo Nacional do Meio Ambiente; Lei de Agrotóxicos, 7.802, de 11 de julho de 1989; Lei de Crimes Ambientais, 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; Decreto 6.514, de 22 de fevereiro de 2008, que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente; Lei Complementar 140, de 08 de dezembro de 2011, que estabelece ações conjuntas da União, dos Estados e dos Municípios em questões relativas à proteção das paisagens naturais, ao meio ambiente, ao combate à poluição e à preservação das florestas, da fauna e da flora; Lei 12.651, de 25 de maio de 2012, o Código Florestal. A tutela ambiental é regida por uma série de princípios, dentre os quais podemos citar: 1] O princípio do direito humano > Impõe que a intervenção humana deve estar em harmonia com o meio ambiente. O homem pode intervir no meio ambiente buscando atender às suas necessidades, mas a ação não pode, em absoluto, ultrapassar os parâmetros mínimos de razoabilidade. 2] O princípio do desenvolvimento sustentável > Concilia a proteção ao meio ambiente com o desenvolvimento socioeconômico, interligando este ao equilíbrio ecológico. Já de muito é conclusivo ser possível ter desenvolvimento com preservação ambiental, mesmo naqueles países – como o Brasil – adotantes da Agenda Marrom. 3] O princípio da prevenção > Visa a proteger o meio ambiente da ameaça de dano, conduzindo o ser humano a, preventivamente, evitar atitudes lesivas. Essa prevenção é exigida principalmente através de licenças prévias, de instalação e operação de projetos, que virão acompanhadas dos respectivos Estudos de Impactos Ambientais – EIA. 4] O princípio do limite > Impõe ao Poder Público o dever de fixar parâmetros para evitar degradação ao ecossistema, ou seja, estabelece que haja restrição do Estado na propriedade privada e nos bens individuais, em virtude da supremacia do interesse público sobre o privado. Não havendo limites estabelecidos, a ganância sempre tenderá a levar o homem à prática de atos degradantes ao meio ambiente e irreversíveis, na maioria das vezes. 5] O princípio in dubio pro natural > Consagra regra fundamental de interpretação que leva à preponderância do interesse maior da sociedade (proteção ao meio ambiente) em detrimento do interesse individual e menor do empreendedor. Na dúvida de como interpretar a norma em face do caso concreto, sempre prevalecerá o interesse coletivo do meio ambiente.

‘[Ausência de] Lei de Licenciamento Ambiental’

As questões ambientais dizem respeito à qualidade de vida, e à própria sobrevida. Devem ser tratadas com seriedade e rigor. As condições ambientais chegaram a níveis alarmantes nas últimas décadas. Fauna, flora, rios, mares, ar etc.; todos os recursos naturais sofreram impactos negativos. Há como recuperar o passivo ambiental criado? Não, seguramente. Mas é possível minimizar os seus efeitos danosos buscando melhorias na qualidade ambiental. Não há, porém, como frear a necessidade de desenvolvimento do país. Quando olhamos para o Brasil, vemos ainda um longo caminho a ser percorrido para atender os anseios mais básicos da população, tanto nas grandes cidades como no campo e nas localidades menores. Falta muita coisa: saneamento básico, infraestrutura logística, moradia, telecomunicações, acesso à tecnologia, entre tantos outros itens. Realizar tudo isto traz impactos ambientais, naturalmente, sendo imprescindível tratar cada questão prática com equilíbrio e consciência do que é desenvolvimento sustentável. Mas pergunto: é possível abrir mão dessas necessidades ainda tão distantes [e até desconhecidas] de boa parte da população, por causa dos impactos ambientais negativos? Naturalmente que não. Exatamente por este motivo o Brasil faz parte da “Agenda Marrom” para fins ambientais, definida pela Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Sustentável em setembro de 2003, em Joanesburgo, África do Sul. Na “Agenda Marrom” estão incluídos aqueles países que ainda buscam uma qualidade de vida mínima para sua população em geral, e por esta razão têm muito a fazer no desenvolvimento estrutural. “Agenda Marrom” remete ao fato de que, por ora, um país ainda não pode equilibrar a balança ambiental nos parâmetros desejáveis; a população precisa ser melhor assistida, e algum descompasso ambiental, desde que justificado e razoável poderá ser suportado. Este conceito já não se aplica aos países desenvolvidos, como Estados Unidos, Canadá, Japão e Europa Ocidental. Para estes é aplicada a “Agenda Verde”, que garante a premência na preservação das florestas e biodiversidade. Dentro desse viés, seria de se esperar que as autoridades dessem um curso mais rápido ao licenciamento ambiental nos projetos de infraestrutura, saneamento e energia. Sempre sem abrir mão da razoabilidade dos impactos ambientais, claro; mas que permitisse o andamento dos projetos em tempo menor. O que vemos, entretanto, é exatamente o contrário disto. Seja por despreparo de algumas autoridades e técnicos das pastas, por fins políticos e escusos ou pela peculiar burocracia letárgica da administração pública, é comum nos depararmos com projetos que, ao darem entrada nos licenciamentos ambientais, ficam travados, paralisados por anos, sem expectativa de solução. A situação é caótica e afugenta investimentos e empreendedorismo. Quem está disposto a investir num grande projeto sem saber se a autoridade ambiental vai liberar a sua conclusão? Poucos se arriscam. Veja-se o caso do trágico acidente envolvendo duas ambulâncias, um ônibus e uma carreta ocorrido dia 22 de junho deste ano na BR 101 em Guarapari, Espírito Santo, que ceifou mais de 20 pessoas. Essa rodovia já deveria ter sido duplicada há tempos, o que diminuiria o risco deste e de outros acidentes graves. Mas a concessionária que administra a rodovia alega que não consegue as licenças ambientais necessárias à obra. A se apurar. Uma das razões para os entraves é a ausência de uma lei específica de licenciamento ambiental. Sim, saibam que o Brasil não possui uma lei que discipline o licenciamento ambiental, o que deixa os projetos sujeitos à discricionariedade [análises subjetivas] dos agentes públicos. Em 2011 houve um ligeiro alento com a Lei Complementar 140, que fixa a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora. Os dispositivos da LC 140, contudo, são totalmente insuficientes. É preciso uma lei que, de maneira objetiva, trate dos diversos tipos de licenciamentos ambientais, estabelecendo requisitos, métodos e prazos. Está em trâmite na Câmara dos Deputados [desde 2004!] o Projeto de Lei 3.729, que disciplina o processo de licenciamento ambiental e sua aplicação pelos órgãos integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA). O Projeto precisa ser urgentemente desengavetado, discutido entre os parlamentares e levado à votação. Errar por fazer de maneira equivocada é ruim; errar por não fazer é quase indesculpável. O Congresso Nacional precisa fazer a sua parte para com a sociedade brasileira e caminhar com o Projeto de Lei de Licenciamento Ambiental.