Alienação Parental

Em meio a um mundo de tantos atos de violência, crueldade e desprezo pelo próximo, um comportamento que ainda navega pelos porões da obscuridade é a alienação parental. Isto precisa mudar. A alienação parental ocorre muito mais do que se imagina, e os dados oficiais são totalmente subestimados, até pela vergonha que familiares têm em expor esse tipo de ocorrência no seio dos lares. É direito fundamental da criança e do adolescente o pleno convívio com os seus genitores, através de uma convivência familiar saudável, desde que, obviamente, o relacionamento com o pai e/ou mãe não traga nenhum risco grave e efetivo contra a segurança do menor, situação esta que possui tratamento apartado. Contudo, dentro de um padrão minimamente equilibrado de comportamento, é inaceitável subtrair, de qualquer um dos genitores de uma criança ou adolescente, ou mesmo de ambos, o direito à essencial convivência com o seu filho. Nos termos da legislação brasileira, a criança é tida como até 12 anos de idade; o adolescente, dos 12 aos 18. Normalmente a alienação parental acontece a partir do momento em que pai e mãe começam a se desentender e abrem as portas para uma situação de desfazimento conjugal, mesmo que, inicialmente, continuem a morar sob o mesmo teto; da mesma forma em processos de divórcio, quando é discutida a guarda e regime de visitação de filhos, não raramente vemos um dos genitores, no afã de vencer a batalha pelos filhos, impor atos de alienação parental visando ter vantagens na discussão enfrentada; ou, por simples raiva do outro, pai ou mãe transformam os filhos em “arma” para se vingar do outro em decorrência das frustrações trazidas pelo casamento que, àquela altura, já desabou. Definição legal de alienação parental: artigo 2º. da Lei 12.318/2010: Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. A alienação parental, a meu ver, consiste em abuso moral contra a criança ou adolescente. Muito comum, nesses casos, que um dos pais passe a manipular os filhos para que estes se afastem e, até mesmo, odeiem o outro; inicialmente sutil, o alienador procura desmerecer o outro genitor diante dos filhos, menosprezando-o e tornando evidentes suas fraquezas, desvalorizando suas qualidades enquanto pai ou mãe e ser humano; aos poucos, vai se tornando mais ostensivo, impedindo o contato e rompendo os vínculos entre o alienado e os filhos. A alienação parental é, em si, um fator desestabilizante, que prejudica o desenvolvimento dos filhos envolvidos, bem como também o alienado e o alienador, impedindo que prossigam com suas vidas e assimilem o luto pela separação. (Carla Moradei Tardelli) Fatos que, na prática, podem caracterizar a alienação parental: realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; dificultar o exercício da autoridade parental; dificultar contato de criança ou adolescente com genitor; dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar; omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente; mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós (parágrafo único, artigo 2º. da Lei 12.318/2010). Havendo provas ou indícios de alienação parental, o prejudicado pode levar a questão perante o Juiz de Família (se estiver em curso processo de divórcio ou guarda de filhos) ou o Juiz da Infância e Juventude, nos demais casos. Para aferir a verdade do alegado, havendo ao menos indícios de sua ocorrência, o juiz determinará uma perícia sob a forma de avaliação psicológica ou biopsicossocial; a perícia poderá ser feita por uma equipe multidisciplinar, formada por profissionais de distintas áreas, conforme a necessidade de cada caso; durante a perícia serão avaliadas as partes, os filhos, documentos, ambientes e o que mais for necessário à conclusão técnica e expedição do respectivo laudo. Ficando demonstrada a alienação parental, o alienador estará sujeito a diversas medidas punitivas a serem aplicadas pelo juiz, de acordo com o prejuízo e riscos auferidos: declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador; ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado; estipular multa ao alienador; determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial; determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão; determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente; declarar a suspensão da autoridade parental; inverter a obrigação de levar para ou retirar a criança ou adolescente da residência do genitor, por ocasião das alternâncias dos períodos de convivência familiar (artigo 6º. da Lei 12.318/2010). Claro que o acusado como alienador terá, no curso desse processo de avaliação e julgamento, o direito à mais ampla defesa, contraditório e produção de provas, inclusive a indicação de profissionais de sua confiança que possam atuar como assistentes técnicos.

É Possível Alterar Condições Previstas em Acordo Judicial Trabalhista?

Com a grave crise econômica como efeito nefasto da pandemia do coronavírus, muito se tem ouvido falar a respeito de possibilidade de suspensão de acordos judiciais trabalhistas homologados que envolvam o pagamento parcelado de verbas trabalhistas, fazendo surgir a discussão a respeito da possibilidade de se alterar as condições previstas em acordo judicial. No entanto, é preciso se ter em mente que o acordo judicial trabalhista, devidamente homologado, constitui um título executivo judicial, ou seja, uma vez homologado no âmbito de uma reclamação trabalhista ou até mesmo em um procedimento de jurisdição voluntária de homologação de acordo extrajudicial, faz coisa julgada material e, portanto, não poderá ser alterado, a não ser através de ação rescisória. Contudo, algumas polêmicas decisões foram proferidas no sentido de deferir a suspensão temporária do acordo judicial, ao fundamento de que a situação atualmente vivenciada caracteriza o caso fortuito ou força maior (art. 393 do Código Civil), e também por aplicação analógica da teoria de imprevisão de que trata o art. 480 do mesmo diploma legal. Não obstante, salvo melhor juízo, tais decisões representam verdadeira violação à coisa julgada material prevista no art. 5º, XXXVI da Constituição Federal, além de ignorarem a natureza alimentação da verba trabalhista que também goza da proteção constitucional. Situação diversa, contudo, ocorre quando as partes, diante da situação emergencial vivenciada, resolvem, por mútuo acordo, entabular novo acordo, estabelecendo outras formas de pagamento possibilitando o adimplemento do débito de forma a não comprometer a saúde financeira do devedor e, ao mesmo tempo, garantindo ao credor o recebimento do valor acordado. Dessa forma, haveria uma nova disposição a respeito do cumprimento de acordo como resultado de um consenso entre as partes, não se consubstanciado em afronta à coisa julgada material, na medida em que a vontade das partes não poderia ser ignorada pelo julgador. Além disso, há também a possibilidade do devedor requerer a redução ou mesmo a supressão da multa por inadimplemento do acordo, pois, é muito comum a previsão de uma cláusula penal em caso de descumprimento de acordo judicial, podendo a multa chegar a 100% do valor do acordo. Nesse caso, o juiz, de forma unilateral, poderá, com base no Código Civil, reduzir ou até mesmo suprimir o valor da multa, sem que isso represente qualquer afronta à coisa julgada. Isso porque, inegável se tratar de uma situação excepcional e inesperada (art. 393 do CC) e, o Código Civil ainda possibilita que o juiz, analisando a situação concreta, reduza equitativamente o valor da multa ou até mesmo a suprima, a depender da gravidade do caso. Caberá, contudo, ao devedor, ter o cuidado de com muito esmero comprovar sua situação de penúria econômica de forma a justificar a impossibilidade momentânea de cumprimento do acordo, em razão das circunstâncias atuais, o que, em que pese não impedir a suspensão da cobrança, possibilitaria a redução ou supressão da multa.

Abusividade de Cláusula Contratual Como Defesa em Recuperação Judicial

Na recuperação judicial, procedimento que tem por objetivo viabilizar a superação da crise econômico-financeira da empresa devedora, para permitir a manutenção de suas atividades produtivas, dos postos de trabalho e dos interesses dos credores, é possível à empresa recuperanda defender-se contra a habilitação de crédito originado em cláusulas contratuais abusivas. Isso porque no procedimento de impugnação de crédito são permitidos o pleno contraditório e a ampla instrução probatória, como ocorre em ações judiciais pelo procedimento comum. Essa foi a conclusão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ, ao examinar os artigos 13 e 15 da Lei nº 11.101/2005, que versam sobre o procedimento. Com efeito, poderá a empresa em recuperação judicial exercer seu direito de defesa, desde que se atenha aos temas que podem ser discutidos no incidente. Como a Lei nº 11.101/2005 não traz limitações ao contraditório e ao direito de defesa, se a recuperanda entende que o contrato que originou o crédito cobrado possui cláusulas abusivas e que, portanto, há margem para discussão do débito, deve apresentar o incidente de impugnação. Vale frisar que a recuperação judicial é regida pelo princípio da preservação da empresa e de sua função social, como a manutenção do emprego e o estímulo à atividade econômica. O reconhecimento da possibilidade de revisão de créditos originados em cláusulas contratuais abusivas, que podem existir em contratos de financiamento, contratos bancários ou em contratos mantidos com fornecedores, encontra respaldo, sobretudo, no texto constitucional, segundo o qual ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal. Logo, vê-se como acertado o posicionamento do STJ sobre a impossibilidade de restrição do exercício da ampla defesa quando a matéria de defesa da impugnação à habilitação do crédito for a alegação de abusividades em cláusulas dos contratos que deram origem ao crédito. Impede-se, com isso, o aprofundamento da crise financeira pela qual passa a empresa, e o pagamento indevido de débitos constituídos sob o mando da abusividade.

Diferencial de Alíquota do ICMS no Comércio Eletrônico

Temas de grande relevância da área tributária estão sendo apreciados pelo Supremo Tribunal Federal – STF nesse mês de novembro. Está pautado para a próxima semana o julgamento do Recurso Extraordinário RE 1287019, que definirá sobre a necessidade de lei complementar para a aplicação do diferencial da alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (DIFAL/ICMS) nas operações interestaduais que destinem bens a consumidores finais. O DIFAL consiste na diferença entre a alíquota do ICMS exigida pelo Estado de origem da mercadoria e a alíquota aplicada pelo Estado de destino. O DIFAL incidia apenas sobre as operações destinadas a consumidores finais que fossem contribuintes do ICMS. A partir de 2015, os Estados destinatários das mercadorias adquiridas por consumidores finais não contribuintes do ICMS foram autorizados a cobrarem o DIFAL, nos termos da Emenda Constitucional nº 87/2015. Para efetivação da cobrança, os Estados firmaram o Convênio nº 93/2015. Embora o DIFAL já existisse, sua incidência sobre as operações com consumidores não contribuintes é uma novidade no sistema tributário, motivo pelo qual deveria ser precedida por uma lei complementar específica que discipline a matéria. Isso porque a Constituição Federal prevê que as normas gerais que definem os tributos, principalmente no que diz respeito aos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes, devem estar previstas em lei complementar. É ela, também que deverá dispor sobre conflitos de competência entre os Estados, já que o ICMS é um imposto estadual. Nada disso foi observado. O assunto merece atenção geral, pois, principalmente nesse ano de 2020, o comércio eletrônico experimentou um crescimento exponencial, tornando quase obrigatória a adesão a essa modalidade para os mais diversos seguimentos. Empresas que não aderirem às vendas rêmoras estão sujeitas ao desaparecimento do próprio negócio. Portanto, nesse tipo de operação, em que o consumidor adquire bens, geralmente, em outros Estados, a exigência do o DIFAL poderá resultar no aumento dos preços praticados. Até agora, votou o Ministro Marco Aurélio no sentido de reconhecer a necessidade de lei complementar, motivo pelo qual a cobrança do DIFAL, na forma do Convênio nº 93/2015, é inválida, o que parece ser o juízo mais acertado. Mais uma vez, as expectativas voltam-se para o STF para que a Constituição Federal prevaleça sobre a sanha arrecadatória dos Estados.

Possibilidade de Recontratação de Empregado Durante a Pandemia

A recontratação de trabalhadores, antes da pandemia do coronavírus, seguia as regras previstas na Portaria nº. 384/1992 do Ministério do Trabalho, que vedava recontratação de empregado dispensado sem justa causa em prazo inferior a 90 (noventa) dias contados da data da dispensa. Essa proibição visava impedir a simulação de rescisão contratual e/ou fraude à lei com o único objetivo de autorizar o levantamento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do recebimento de seguro-desemprego, vez que nos casos de dispensa sem justa causa, o trabalhador pode realizar o saque do FGTS e receber de três a cinco parcelas do seguro-desemprego, dependendo do tempo de serviço e da quantidade de pedidos desse benefício, além de outras verbas trabalhistas. Diante do estado de calamidade pública ocasionado pela pandemia do coronavírus, o Ministério da Economia flexibilizou o instituto da recontratação, mediante a (nova) Portaria sob nº. 16.655, de 14 de julho de 2020, permitindo que as empresas que dispensarem seus empregados sem justa causa possam novamente contratá-los em prazo inferior a 90 dias, sendo inaplicável qualquer sanção à empresa contratante. A publicação da nova Portaria do Ministério da Economia suspendeu a vigência da Portaria nº. 384/1992, até que se finde o estado de calamidade pública tratado no Decreto Legislativo nº. 6, de 20 de março de 2020, data esta que é o marco do início da vigência da Portaria nº. 16.655/200, que através de seu Art. 2º previu a retroatividade de seus efeitos jurídicos. Com a pandemia do coronavírus, o governo federal implementou uma série de medidas de enfrentamento da crise para a manutenção da atividade empresarial, do emprego e da renda, tais como a possibilidade de suspensão temporária do contrato de trabalho, a redução proporcional da jornada e do salário, além de linhas de crédito para empresas com juros mais baixos, sendo certo que, para muitas empresas, essas medidas foram cruciais para a manutenção de sua atividade empresarial e, em recuperação, poderão recontratar empregados que haviam sido demitidos no momento mais crítico da crise, com amparo exatamente na Portaria nº. 16.655/2020, sem a necessidade de se aguardar o lapso temporal de 90 dias. A admissibilidade de recontratação de empregados nos moldes da Portaria nº. 16.655/2020 é de suma importância para garantir a reinserção de trabalhadores ao mercado, mas é de bom tom frisar que deverá ser mantida a mesma condição da contratação anterior, salvo se houver previsão contrária em Norma Coletiva, ou seja, Convenção ou Acordo Coletivo firmado entre as categorias obreiras e patronais. Assim, enquanto perdurar o estado de calamidade pública em razão do coronavírus, mostra-se plenamente possível às empresas, a recontratação de empregado dispensado sem justa causa, em prazo inferior a 90 dias.

Qual é o Índice de Correção e Taxa de Juros que os Tribunais Devem Adotar?

Esta semana o Superior Tribunal de Justiça pautou julgamento de ação que tem por objeto, dentre outros aspectos, a discussão da forma de correção nos casos de condenações civis provenientes de relações extracontratuais, comumente conhecidas como ações de indenizações por danos extracontratuais. O Recurso Especial nº 1081149/RS, que tem como relator o ministro Luis Felipe Salomão, está em pauta para julgamento nesta terça feira, 03 de novembro. Discute-se qual a taxa aplicável em casos de fixação de indenização desta natureza, que abarrotam os tribunais do Brasil. Atualmente alguns julgados adotam a taxa de 1% ao mês (12% ao ano), somada à correção monetária, outras decisões acolhem a taxa Selic, que fica em torno de 2% ao ano. SELIC é a sigla de Sistema Especial de Liquidação e Custódia: um sistema administrado pelo Banco Central em que são negociados títulos públicos federais. A taxa média registrada nas operações feitas diariamente nesse sistema equivale à taxa Selic.[1] Alguns advogados sustentam a inadequação da Selic como taxa de juros de mora nos casos de débitos civis, sendo este o ponto nevrálgico da discussão, que tem por alvo o artigo 406 do Código Civil: “quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”. Parte dos julgadores entende que a taxa aplicável para o cálculo de juros moratórios seria de 1% ao mês, conforme dispõe o art. 161, §1º do Código Tributário Nacional, sem prejuízo de incidência de correção monetária. De outro modo, parte entende que a taxa aplicável deve ser a SELIC. O STJ, que passou alguns anos oscilando em decisões que variavam entre as duas opções, a partir de 2008 firmou-se pela utilização da Selic. No entanto, encontrou resistência nos tribunais estaduais, chamados de “segunda instância”, que continuaram aplicando a taxa de 1% ao mês, tornando imperiosa a necessidade de, mais uma vez, decidir de forma a conceder aos jurisdicionados maior segurança jurídica. Alguns advogados apontam dificuldades na aplicação da Selic, tais como, o fato de agregar juros de mora e correção monetária; bem como que a adoção da Selic é um incentivo econômico ao inadimplemento e ao prolongamento do processo; alguns afirmam ainda ser verdadeiro estímulo ao inadimplemento. Espera-se que, neste julgamento, o STJ reconheça a taxa Selic como inadequada quando manejada a título de taxa de juros de mora nas ações de indenização e de cobrança de dívidas civis e, finalmente, estabeleça a incidência dos juros de 1% ao mês, nos termos do art. 161, § 1º, do CTN, somado a índice de correção monetária idôneo, definindo-se importantíssima questão para o cálculo das dívidas fixadas em decisões judiciais. [1] https://www.infomoney.com.br/guias/taxa-selic/#gui…

Hospital Pode Exercer Influência na Conduta Médica?

Algumas pessoas acreditam que, pelo fato do profissional médico exercer sua atividade profissional nas dependências do hospital, estaria obrigado a acatar as determinações da instituição no que tange à escolha do tratamento frente a determinado quadro clínico. Esse entendimento é errado. O Código de Ética Médica, em seus artigos 16 e 21, prevê, expressamente, que nenhuma disposição estatutária ou regimental, seja de hospital privado ou público, poderá limitar a escolha, por parte do profissional médico, das medidas que serão aplicadas para elaborar e concluir o diagnóstico e, também, para realizar o tratamento. Entretanto, na remota hipótese do entendimento adotado pelo profissional médico quanto ao fechamento do diagnóstico e a escolha do tratamento serem contrários à salva guarda do paciente, poderá a instituição hospitalar intervir. O diagnóstico estabelecido e a escolha do tratamento, ainda que sejam de livre escolha do profissional médico, deverão observar as práticas reconhecidas e aceitas, logicamente, observando também as normas legais que se encontrem em vigência no país. Outro direito concedido ao profissional médico consiste na possibilidade de internar e assistir seus pacientes em hospitais privados e públicos com caráter filantrópico ou não, mesmo que o profissional médico não faça parte do corpo clínico do referido hospital. Nesta hipótese, o que se deve observar é se o profissional médico está apto a exercer sua atividade profissional, se há vagas no nosocômio e se o referido hospital possui condições técnicas de receber e atender o paciente frente ao quadro clínico apresentado e procedimento que será efetivado. O direito apontado acima encontra amparo em 03 (três) princípios fundamentais do Código de Ética Médica: I – A Medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e será exercida sem discriminação de nenhuma natureza; II – O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional; III – Para exercer a Medicina com honra e dignidade, o médico necessita ter boas condições de trabalho e ser remunerado de forma justa; A autonomia concedida ao profissional médico de concluir sobre determinado diagnóstico, escolha do tratamento e direito de internar pacientes em hospitais da rede pública ou privada, conforme exposto acima, também se fundamenta no direito do paciente receber adequado serviço de saúde, não podendo receber tratamento/serviço aquém do necessário por critério diverso da busca da salva guarda. Portanto, é direito do médico, sem que sofra interferência externa, concluir sobre determinado diagnóstico e, principalmente, adotar os meios necessários para recuperar o paciente.

STF Decide Sobre Tributação de Software

O Supremo Tribunal Federal – STF, retomou nessa quinta-feira o julgamento conjunto de dois processos que definirão a incidência do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias (ICMS), de competência dos Estados, ou do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), de competência dos Municípios, sobre “software”. O assunto vem se arrastando no STF desde 1999, quando foi proposta a Ação Direita de Inconstitucionalidade – ADI 1945, para questionar a validade da Lei nº 7.098/98, do Mato Grosso. Posteriormente, em 2017, foi distribuída a ADI 5659, em que estão em discussão os Decretos n° 46.877/15 e nº 43.080/2002, além da Lei nº 6.763/1975, do Estado de Minas Gerais. Em ambos os Estados, as normas questionadas instituíram a incidência do ICMS sobre operações com programa de computador, amplamente conhecido como “software”. Ocorre que tais operações já sofrem a incidência do ISS. Com efeito, discute-se a legalidade da incidência do ICMS, pois existe lei complementar que define a tributação pelo ISS das operações de transferência de dados e “software”. Da mesma forma, as normas estaduais violariam a competência tributária atribuída pela Constituição Federal aos Municípios, além de imporem dupla tributação aos contribuintes, que já pagam o ISS. O assunto tornou-se mais relevante hoje, embora já se tenha passado mais de 20 anos da propositura da primeira ADI, pois os avanços tecnológicos e a propagação do uso de programas de computador trouxeram mudanças que interferem, exatamente, na natureza da operação e não podem ser ignorados no julgamento. A prática atual é muito diferente da existente naquele momento, quando a transferência de dados ocorria, muito comumente, através de um meio físico conhecido como “disquete”. Hoje, é possível que a transmissão de dados seja disponibilizada em “download”, em nuvem e em tantos outros recursos da computação. Nesse contexto, é obsoleta a dicotomia até então existente, em que se percebiam apenas o “software de prateleira” e o “software customizado”, em que o STF decidiu pela incidência do ICMS sobre o “software de prateleira, já que configurava-se a entrega em meio físico. A questão hoje é muito mais profunda. Há “softwares” que são desenvolvidos e disponibilizados em outros países, o que aumenta a complexidade da discussão. Com relação ao andamento dos processos, ainda que entidades de representação de empresas de tecnologia tenham sido admitidas no processo como interessadas, na figura de “amicus curiae”, o julgamento nesse momento, em que foram instituídas as sessões virtuais do plenário do STF, prejudica o debate desse tema tão relevante. A opinião técnica é imprescindível para enfrentamento da matéria, pois as inovações ocorrem com muita rapidez e há detalhes desconhecidos pelos operadores do Direito. Por fim, o julgamento foi adiado para a sessão da próxima quarta-feira e há grande expectativa não só por parte das empresas do ramo, mas de diversos setores da sociedade. Com a definição da competência tributária, espera-se que haja a segurança jurídica necessária para destravar investimentos na aquisição de tecnologia para tornar o país mais competitivo.

Isonomia de Direitos entre Gêneros

A Constituição Federal prevê, com status de direito fundamental, no inciso I do Art. 5º., que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”, de onde se extrai o princípio constitucional da isonomia entre os gêneros. Neste diapasão, recentemente o STF julgou o Recurso Extraordinário (RE) 659424, onde apreciou o tema 457 da repercussão geral e negou provimento ao apelo do Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul (IPERGS), que pretendia ver declarada a constitucionalidade de exigência de requisitos diferenciados em razão do gênero do beneficiário. Para tanto, o IPERGS invocou Lei Estadual nº. 7.672/82, ainda em vigor nas datas de ajuizamento da ação e interposição do RE, a qual previa, no inciso I do seu Art. 9º., que para efeito daquela lei, seriam dependentes do segurado, “a esposa; a ex-esposa divorciada; o marido inválido, os filhos de qualquer condição enquanto solteiros e menores de dezoito anos, ou inválidos, se do sexo masculino, e enquanto solteiros e menores de vinte e um anos, ou inválidos, se do sexo feminino” (negritos e grifos nossos). Embora o STF tenha sido instado apenas no tocante ao direito de pensão de marido não inválido e acertadamente declarado a inconstitucionalidade de requisitos distintos para gêneros masculino e feminino receberem o benefício, por ter restado entendido que a aplicação do texto legal transgrediria o princípio da isonomia entre homens e mulheres, vale refletir também sobre uma segunda inconstitucionalidade no mesmo texto, que reside na então previsão de direitos para filhos homens “enquanto solteiros e menores de dezoito anos”, ao passo logo adiante, no mesmo dispositivo, contemplava-se a filha solteira (sexo feminino) até vinte e um anos de idade, já que neste caso, de igual forma está ausente a isonomia entre os gêneros. Em 2018, antes mesmo do julgamento do RE 659424 pelo STF, o legislador gaúcho aprovou e o executivo sancionou e promulgou a Lei Complementar nº. 15.142/18, que finalmente contemplou os gêneros masculino e feminino com os mesmos direitos, em seus Artigo 4º. e 11. O Estado do Rio Grande do Sul, bem como o STF, foram implacáveis no enfretamento da matéria acima mencionada, dando tratamento isonômico a homens e mulheres. Em atenção ao princípio da isonomia entre os gêneros, o Legislativo e o Executivo federal inseriram na Lei nº. 9.504/97, alterada pela Lei nº 12.034/09, a regra prevista no § 3º do seu Art. 10, que dispõe sobre a denominada “cota de gênero”, que se traduz na obrigatoriedade de que a quantidade de vagas de cada Partido ou Coligação, seja preenchida com no mínimo 30% e o máximo de 70% por cada sexo, masculino e feminino, nas candidaturas. A lei das eleições buscou, com isto, dar mais espaço no meio político para as mulheres, notadamente minoria nesse ambiente, o que, a princípio, é válido, pelo menos até que a sociedade brasileira alcance maturidade suficiente para que, naturalmente, ambos os gêneros tenham participações e protagonismo similares. Portanto, respeitosamente, entendemos que a atual regra deve ser tida como uma regra de transição, já que a persistir a norma atual, não haverá, jamais, paridade entre homens e mulheres, na política brasileira, já que a previsão atual é que sempre haja 30% de um gênero contra 70% do outro. Os Ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), nos autos da Consulta nº. 0603816-39.2017.6.00.0000, entenderam, por unanimidade, que a proporção 30% x 70% deve ser aplicada também no âmbito das eleições intrapartidárias, ou seja, evoluiu para matéria interna corporis dos Partidos Políticos. Na mesma toada o TSE aprovou um apelo ao Congresso Nacional, para que a reserva de 30% x 70% nas candidaturas intrapartidárias seja incluída em lei, inclusive com previsão de sanção em caso de descumprimento. Concluindo, as autoridades brasileiras precisam saber discernir o momento correto de abandonar a imposição legal, para deixar fluir o equilíbrio natural, até porque o regramento que atualmente vigora, como já dito alhures, não oferece paridade entre os gêneros.

A Consolidação Processual na Recuperação de Empresas

A consolidação processual no âmbito da recuperação de empresa tem a ver com pluralidade, isto é, saber se mais de uma empresa, de forma conjunta, pode pedir recuperação judicial. A leitura dos artigos 47 e 48 da lei 11.101/2005 permitiria imediata resposta negativa, vez que o legislador não permitiu tal hipótese, ao contrário, foi expresso em legitimar apenas o devedor singular, e não os devedores (plural) para aquele pleito. Esta concepção vem sendo ultrapassada no campo doutrinário e também dos tribunais, de onde nascem as decisões que resolvem os casos concretos. O legislador não é capaz de pensar todas as circunstâncias fáticas, para que elas sejam reguladas apenas pelo texto frio e por vezes “amarrado” da lei, sendo que de tempos em tempos esta deve ser aperfeiçoada para acompanhar o dinamismo social, e é justamente por isso que é admissível que duas ou mais empresas sejam parte ativa (litisconsórcio ativo – consolidação processual) no mesmo pedido de recuperação. Entretanto, a pergunta que não quer calar é a seguinte: em qual situação isso pode ocorrer, e qual é a sua razão de ser? Tal permissão vem sendo concedida pelo Poder Judiciário apenas aos casos de grupos econômicos de direito e de fato. Grosso modo, grupo econômico consiste em um conjunto societário, este composto pela sociedade controladora e pela sociedade controlada, com individualização do patrimônio e personalidade, não podendo haver confusão neste sentido. A formalização da sua existência se dá pela celebração de uma convenção, grupo econômico de direito, conforme rezam os artigos 265 a 277 da Lei das Sociedades Anônimas nº 6.404/76, e do traço marcante de um controle comum naquele conglomerado de empresas, ainda que não convencionado e divulgado, como ocorre no caso dos grupos econômicos de fato. Vários benefícios justificam a razão de ser desta consolidação processual, podendo-se ilustrar alguns exemplos, sendo eles: maior preservação de todos os integrantes do grupo diante de única recuperação judicial; redução dos custos na administração do processo; uniformização das decisões judiciais; possibilidade da análise global pelo juiz da crise enfrentada pelo grupo; redução da morosidade processual. Portanto, embora o tema seja muito mais abrangente, tem-se que o instituto da consolidação processual nas recuperações de empresas é viável, válido e tem sido aplicado como um mecanismo primordial no sentido de permitir ao devedor a superação da crise econômico-financeira, merecendo ser cada vez mais difundido e sedimentado no ordenamento jurídico brasileiro.